Apenas Amigos

"Somos apenas amigos. Somos apenas amigos. Somos apenas amigos." Ela repetia mentalmente. Mas, no fundo no fundo, sabia que estava cada vez mais complicado esconder aquele turbilhão de sentimentos que a atingiam ao simples toque de seus corpos. Era cada vez mais inadmissível. Ate quando era errado só sentir uma coisa, só sentir, sem contar a ninguém? O que é que ela ia fazer com aquilo? Toda aquela confusão...

Quanto melhor se conheciam, maior era a tensão sexual entre eles. Aos olhos dele ela era perfeita. Ele desejava seu corpo, seus lábios, seus olhos, seu sorriso. Desejava ouvir a voz dela o tempo todo. Desejava poder abraçá-la, mas abraçar de verdade, não como se abraça uma velha amiga. Era cada vez mais insuportável. A forma como os lábios macios dela tocavam a sua bochecha, a forma como as mãos dela agarravam o seu braço quando iam atravessar a rua, a forma como ela ria quando ele se atrapalhava em algo. Ele queria, queria desesperadamente, que ela percebesse. Que nada precisasse ser dito. Era tão difícil perceber o quão desesperadamente apaixonado ele estava? Ele não havia mandado sinais o suficiente? Mas não. Ela sempre deixara claro que eles não poderiam jamais ultrapassar a linha. Aquela linha tênue, quase imperceptível, entre a amizade e o amor. E o que é que ele poderia fazer? Obrigá-la? Ao menos isso, a amizade, os momentos juntos, aquela proximidade falsa e desesperadora, era uma forma de estar perto dela. Ao menos ele poderia tê-la, ainda que não totalmente. Era melhor que nada.

O carro aproximava-se da rua da casa dela. Ela quis que ele errasse o caminho, que as regras de transito houvessem sido modificadas e ele tivesse que dar uma volta enorme. Tudo por mais alguns minutos perto. Não era sempre que eles podiam ficar sozinhos daquela forma. Longe de todos os outros amigos, longe de um grupo de pessoas que exigiam que eles agissem normalmente. Entretanto, quanto mais próxima estava a casa dela, mais constrangedor era estar perto. E a magia escorria pelos seus dedos. Havia tanto a ser dito, tanto a ser feito. Ela percebia claramente o quão reciproca era aquela urgência de pertencer um ao outro e tinha quase certeza que ele também sabia o que se passava em sua mente. Mas era tão, tão errado. Jogar tudo para o alto e ficar com ele significava estragar tudo. Significava machucar pessoas que não tinham culpa alguma. E ela não suportava a ideia de machucar as pessoas que amava. Então ela tinha que ignorar todos aqueles pensamentos. Tinha de parar de olhar tanto para ele, tinha de segurar aquela vontade incontrolável de tocá-lo o tempo todo, tinha que parar de imaginar como seria o seu beijo. Tinha de repetir dezenas de vezes para tentar se convencer. Eles eram apenas amigos. E assim ficaria tudo bem. Uma hora ficaria tudo bem. Talvez, no futuro, eles conseguissem realmente ser amigos. Só amigos. E ela poderia tê-lo por mais tempo.

Ele estacionou em frente a casa dela e o silencio invadiu o carro por alguns segundos. “Obrigada por me deixar em casa. - ela sorriu - eu me diverti muito." Ela estava com vergonha. Ele sentiu a ternura invadir cada extremidade de seu corpo, sentiu vontade de segurar firme o seu queixo e beijá-la. Beija-la como ela jamais imaginaria ser beijada. Mas tudo o que ele conseguiu foi dizer “Eu também". Ela aproximou o seu rosto do dele e beijou sua bochecha antes que ele pudesse esboçar qualquer reação. Ele desejou, constrangido, que ela não percebesse o quão disparado o seu coração estava. "Até amanha", disseram, e ele, suspirando, observou-a entrar em casa.

Eles finalmente haviam chegado e ela não sabia dizer se estava feliz ou triste. Feliz porque já não aguentava aquela aflição, aquela vontade de fazer um milhão de coisas das quais certamente se arrependeria mais tarde. Triste porque se separaria dele novamente. E sabia que pensaria nele cada segundo ate que se encontrassem novamente. O silencio tomava conta do carro e ela apenas não sabia como quebra-lo. Pensou em pedir que ele entrasse. Talvez ela pudesse preparar algo para comerem, ou eles poderiam apenas ficar conversando. Mas já era tão tarde. E se ele se negasse? Então apenas agradeceu pela carona e pela noite. Tinham saído em grupo, entre amigos, e a presença dele fez tudo parecer bem mais divertido. Aproximou-se para beija-lo de forma sutil, e tocou os lábios na pele do rosto dele por alguns segundos, o máximo de tempo que podia toca-lo sem que as coisas ficassem estranhas. Inspirou profundamente o cheiro dele, sentiu o seu calor e, mais uma vez, veio àquela vontade de ficar junto. De não ter de se despedir. Mas era madrugada e eles precisavam ir. Então apenas disse "até amanha" e entrou em casa.

Melissa J
Enviado por Melissa J em 21/02/2015
Reeditado em 04/03/2015
Código do texto: T5144465
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