O caminho da felicidade

As flores caiam sobre mim e o vento virava as folhas do meu livro me impedindo de ler. O pequeno menino da história me ensinava umas lições imperdíveis. Eu adorava ficar viajando nas páginas de qualquer livro. Minha mãe me proibiu de ler por causa das minhas últimas atitudes. Era o meu castigo. Na semana passada fugi da aula de Portugues e arranjei um pé de briga com a professora, só pra ir pra um canto no pátio da escola e terminar o último capítulo do último livro de uma saga. Eu simplesmente não resisti. Minha mãe foi avisada pela escola que me deu uma suspensão. Para ler eu passei a precisar usar um amigo que pega os livros no nome dele. Agora estou aqui no parque lendo este livro e é claro que estou bem longe de casa. Deitada na grama, nem percebi o tempo passar. Levantei-me as pressas agradecendo ao vento pela sapequice dele que me fez acordar para a hora e as flores que me invadiram também.

Na praça o pipoqueiro já estava de plantão. Ele chegava sempre as 17 horas e só ia embora bem tarde da noite, quando os namorados já tinham voltado pra casa. Me ofereceu :

_Uma pipoca quentinha, menina?

_ Não obrigada seu Lucas, agora estou com pressa.

_Que cara é essa de quem ta aprontando traquinagem?

_Eu? Imagina!!! Tava de bobeira aqui.

Seu Lucas podia ser qualquer coisa, menos otário. Sentiu que eu estava fazendo algo errado só não imaginava que o pequeno Príncipe Podia ser proibido pra mim. Pelo menos naquele dia.

Saí correndo dali e parti em disparada rumo a minha casa do outro lado do centro da cidade. Em menos de 20 minutos eu estaria lá, mas antes deveria deixar o livro com o Alexandre. Por isso desviei um pouquinho a minha rota. Amanhã ele me empresta de novo.

O cinema estava se preparando pra começar a matinê e eu parei ante a porta a sonhar com o dia em que minha mãe teria o dinheiro pra eu entrar. Ela trabalha de doméstica pra uma madame e nunca tem dinheiro. O que ela ganha não é suficiente. A gente não passa fome, mas meu irmão de dezessete anos tem que trabalhar pra termos um pouco mais de conforto. Ele comprou uma tv de segunda mão pra nós. As lâmpadas também foi ele quem instalou pessoalmente. Não tinhamos energia elétrica e foi ele quem conseguiu colocar. Agora temos Geladeira, porque minha mãe ganhou uma da patroa. Era usada mas a gente adorou. Ela fica sempre vazia. Só tem água. Mas é tão bom beber a água geladinha. Hummmm Delícia!!!

_ Tã no mundo da lua Dota? Era a Gina me chamando. Diz ela que tava quase gritando e eu não ouvia. _ Credo!!! Tá surda menina?

_Não. Desculpa, tava só distraída. O que foi?

_ Tua mãe ta te procurando igual a uma doida pela rua. Hoje vai ter show na sua casa. Te prepara. E saiu andando tranquilamente.

Senti um arrepio de medo. Show era como meus amigos chamavam os dramas da minha mãe. Eles sempre terminavam em surra pra mim ou pra algum dos meus irmãos. Hoje, pelo jeito a protagonista era eu mesma. Melhor me apressar e acabar logo com isso. Já me acostumei. Enquanto ela me bate penso em alguma coisa boa e viajo pra bem longe. Quando acordo já passou e ela já desabafou a raiva e está passando pomada nas minhas marcas chorando e falando que a culpada sou eu..

Eram 8 horas da noite. Ela tinha razão de estar preocupada. E o pior é que o Alexandre não está em casa agora. Como vou fazer pra devolver o livro. Melhor colocar dentro da roupa..

O portão de casa está fechado e de fora eu ouço o choro de mamãe:

_ Onde está aquela menina? Sozinha por ai. E se aconteceu algo com ela!!! Deve ter acontecido, ela não ficaria até tarde assim longe de casa! Ai meu Deus me ajuda o que eu faço?

Quando entrei na sala todos me olharam. Meu irmão mais velho, o Evilásio, a minha irmã caçula a Tininha, A vizinha fofoqueira Dona Cacilda, o Alfaiate aposentado Seu Antunes(que ta de olho na minha mãe), A minha professora de inglês (O que ela ta fazendo aqui?) e até o padre Fernando. Meu Deus!!! O show será muito pior do que eu pensei. Atrás de mim entrou a minha irmã do meio a Dinoráh que quase pegou na minha orelha. Mas antes dela minha mãe levantou e correu praticamente, na minha direção, gritando:

Onde você tava menina? O que ta pensando da vida? Quase fico doida!!! E já foi despachando todo mundo e agradecendo pelo apoio moral. Mal fechou a porta começou a falar e a procurar o cinto do falecido papai pela casa. ( Acho que alguém escondi, não sei quem fui. Hehehe) Como não achou o cinto começou a me bater com a mão mesmo. Cada tapa era uma exclamação:

_ Quer me enlouquecer!!! Paft Quer me fazer passar vergonha diante dos visinhos!Paft. O que todos vão pensar de você? Paft . E tome mais Paft . Até cansar e desistir de me fazer chorar. Toda vermelha de tanto tomar Paft na cara e nos braços, eu parecia uma estátua viajando para outros mundos. Os mundos dos livros que eu andava lendo ultimamente. O pequeno Príncipe falava da rosa quando eu percebi que minha mãe chorava no banco duro de madeira no canto da sala. Saí pro meu quarto e nem passei pomada. Os tapas não deixam marcas no dia seguinte. Abri a janela e disse em voz alta pros fofoqueiros de plantão ouvirem: Acabou o show! Podem ir dormir agora. Boa noite! Ouvi o som de passos se arrastando e logo a rua era só silêncio. Fui tomar banho e por o pijama usado que ganhei da patroa da minha mãe. Era muito confortável e eu o adorava. Não tinha fome mas mesmo se tivesse não tinha o que comer. Quando acontecia um show desses, a gente sabia que não tinha janta. Minha mãe não fazia e nem teria condições de fazer. Todos iam dormir sem comida e ninguem reclamava. Mas naquele dia o Evilásio saiu sem minha mãe perceber e comprou uns pasteis na padaria. Deu um pedaço pra cada um e e deixou um inteiro pra minha mãe em cima da mesa da sala. No outro dia tudo seria como sempre. Ela fazia de conta que não tinha acontecido nada. Nós já tinhamos combinado de fazer o mesmo. Era melhor assim.

No dia seguinte eu teria que ir cedo pra escola pra explicar pro Alexandre que não pude devolver o livro dele. Ainda bem que os Pafts não atingiram o "Pequeno Príncipe".

Não pude prestar atenção na aula. Fiquei pensando na noite anterior e me sentindo culpada pela primeira vez. Acho que to crescendo. Ficando mais responsável. Não pude deixar de dar razão a minha mãe. Imaginei eu no lugar dela. Essa cidade já foi calma. Agora tem muito marginal. Uma filha andando sozinha desde a tarde sem dar notícia. Coitada, tenho que me emendar. Não posso mais fazer isso.

O Rick me deu um cutucão. _ Acorda Doca, o sinal já bateu. Vai morar ai? Não saiu nem pro recreio! Os professores sabiam da surra da véspera e por isso nem tentaram me "acordar" pras aulas. Não vi nada na escola hoje. Mais tarde copio de um colega. O Alexandre ou a Bia. A letra deles é melhor de entender.

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Nilma Rosa Lima
Enviado por Nilma Rosa Lima em 12/02/2015
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