BANHO DE CACHOEIRA

CONTOS SENSUAIS

Ghiaroni Rios

Ela ficava ali, as vezes quietinha, mas também precisava fazer o que? Há meninas que assim “quietinhas”, atiçam mais, exercem mais atração do que tagarelas.

No mês de maio os banhos de cachoeira já eram um pouco frios, água às vezes mesmo gelada. Região quente, mas talvez devido a abundante vegetação, Árvores imensas sombreavam a farta água que deslizava sobre pedras imóveis. Mas quem ta ligando! Fazemos isso muito, e muitas vezes só turma de homens, meninos, e agora que nessa turma tem meninas, gatinhas, quem ta ligando pra frio?

Estava todo orgulhoso porque “ela” estava usando minha bermuda. Os colegas me enchendo a paciência, mas estavam mesmo é com inveja. Não queria aceitar a bermuda emprestada, sua irmã Olídia foi quem insistiu. Falei meio seco:

--Se quiser ta aí. Tenho um calção!

--Não precisa, ta mesmo frio pra tomar banho! – ela retrucou de cara amarrada.

A meninada toda se exibindo. Era a cachoeira da Castorina. Matas ciliares em abundância, rio Poquim, caudaloso, limpo, muito limpo, pedras perigosas e escorregadias, ensaboadas pelo musgo e lodos. Tobogãs naturais pra descer deslizando até os grandes poções d’agua. Os mais velhos reclamavam da “xistosomose” contaminando a água...

Zé Romeu agora ta desafiando pra gente pular na “panilinha”. Sei não se pulo, a panelinha é muito estreita, arriscado mesmo. No panelão pulamos até de olho fechado, é mole. A altura da pedra é muito maior, mas lá embaixo tem um espaço grande, sem pedra muito próxima pra gente aterrisar. Despencamos no vazio, sei lá, uns 8 metros, mas a água gelada embaixo é confortável, segura. Tem mais, o apoio pra pular no panelão é firme, é pedra seca. Embora passemos uns 3 metros voando sobre pedras pontudas, a chegada é gostosa, é água pura e areia no fundo. Mas a panelinha é meio complicada. E quem não pular é “galinha”, “mulher do padre”, “Ivam mulher”, essas bobagens que a gente inventa pra desafiar. E as meninas espiando, fazendo de conta que não estão acompanhando os desafios, sei não!

Arrisquei com a menina da minha bermuda:

--Quer passar debaixo do véu da noiva? Dá pra gente respirar debaixo d’água!

E o mistério que atraia no véu da noiva era esse mesmo: respirar dentro d´água. Muita menina entrava mesmo pela curiosidade e, bem... pular na panelinha meu coração não estava mesmo pedindo. Pulei muitas vezes, é um impulso e voo gostoso, mas quando lembramos da recomendação da mãe “olha lá, cachoeira é perigoso”, “se for é sem minha bênção”. E ir sem a sagrada bênção materna já dava um azar danado. Mas a turma fazia fila e pulava no vazio. A panelinha era um pequeno caldeirão de pedra em um lado do poção, submersa, estreita, pulávamos com o corpo bem reto, as mãos coladas na cocha pra não esbarrar nas pedras, se escorregasse no salto ou errasse a panelinha ficava todo quebrado...

De mansinho assim como quem não quer nada, Ana Rosa sussurrou perto de mim:

--Quero ir no véu da noiva com você!

O céu que já estava azul começou a transmutar-se e desenhar coisas diferentes e novas naquela cachoeira, que até então, era tão comum quanto outras.

Para as meninas era mais difícil ir em cachoeiras: “quem vai junto?”, “quem é responsável pela turma?”, “essa cachoeira não é muito perigosa?”. As mães não gostavam de deixar as meninas irem, era raro uma permissão. Pra molecada era comum, só botar o pé da estrada. Lanche, merenda era o que a natureza dadivosa oferecia à beira da estrada como cana, mamão, laranja, goiaba, essas frutas mais comuns... Quando muito a gente levava um pão seco sem manteiga. Mas as frutas estavam à beira da estrada à espera de uma mão. Milho verde complicava, tinha que acender fogo para assar, comia-se cru mesmo, nem sempre dava dor de barriga.

Pra chegar ao Véu da Noiva ela teve que me dar as mãos porque as pedras ali também escorregavam. Grande avanço, pegar na mão de uma menina. Já debaixo do véu, a cortina d'água à nossa frente embaralhava a visão de quem estivesse de fora. Ela vermelha não sei se de frio ou pelo momento especial. Devagar, muito levemente pousei os lábios em sua face em doce molhado e inocente beijo.

Foi o melhor banho de cachoeira da minha vida!

ghiaroni rios
Enviado por ghiaroni rios em 10/02/2015
Código do texto: T5132233
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