Nosso amor de Primavera
Final
Era dez horas da manhã quando saí da sala de aula pra ir ao banheiro e dei de cara com um rapaz esquisito que estava esperando em frente a secretaria. Parecia bem mais velho do que eu. Me olhou de um jeito bem esquisito. Parecia ver uma coisa muito estranha. Mas ao mesmo tempo gostava do que via. Como eu andava muito solitária pois o Gajão tinha abandonado a escola e o Lúcio estava na turma da tarde porque a mãe dele pra afastá-lo de mim o transferira. Me aproximei do sujeito e perguntei:
_O que foi. Nunca viu?
_ Nada, só te achei tão bonita!!!
_ Eu éhin!! Pare com isso! Quem é você?
_ Sou o novo professor de Física da escola. Substituirei o Alencar que estará ausente de licença pra tratamento de saúde.
O Alencar era um mala. E eu fiquei até aliviada ao saber das novas. O cara parecia legal e a turma iria até gostar. Fiquei conversando com ele por uns dez minutos até o professor de inglês sair da sala atrás de mim. Ele perguntou se o banheiro mudara de lugar.
Ri da “piada” dele e fui pra sala. Ele ficou conversando com o novo professor. Nem tive tempo de lhe perguntar o nome. Na sala havia exercícios no quadro e eu fiz sem me apertar pois era bom na matéria, por isso o professor nem me repreendeu tanto.
Três dias depois tivemos aula com o cara. Ele se apresentou a turma como Gilmar. Podem me chamar de Mazinho. Todos os alunos pareceram gostar do Cara de primeira mas ao primeiro deslize dele tiveram uma reação inesperada.
O incidente aconteceu quando o Rafael do Carmo levantou e perguntou ao professou porque ele rebolava tanto ao andar.
O cara fechou a cara pra gente e não respondeu. Passou um problema de física muito difícil e deixou a gente quebrar a cuca pra tentar responder. Depois desse dia a turma começou a fazer poucas e boas com ele. Todo dia era uma pegadinha. Mas um dia a turma realmente se excedeu.
Ha muito tempo eu não participo das pegadinhas da turma. Eles andam afastados de mim e eu me afasto pra não criar clima.
Naquele dia, o Mazinho chegou com uma camisa verde-claro e sentou perto da parede do palco da escola. Ele estava com o diário das turmas e preparava alguma coisa num caderno de planos de aula, quando o mais atrapalhado dos alunos deixou cair em cima dele uma coisa gosmenta verde que mais parecia limo. Sujou o diário de cima todo. Ele então começou a gritar feito um louco fazendo trejeitos esquisitos e chamando a coordenadora. Revelou-se homossexual e a turma começou a zoar dele com baixarias e gritos. Foi uma confusão danada. O cara começou a chorar. Me pus no lugar dele. Senti na pele o que estavam fazendo com ele. Vi todo o meu passado e tudo o que andaram fazendo comigo e parti pra cima do pessoal pegando o microfone da escola e dizendo num caleidoscópio de palavras:
_ Quem vocês pensam que são? O que pensam que estão fazendo? O Gilmar é um cara legal. Não podem fazer isso com ele!! Não sabem o que é sentir na pele o que a opção sexual representa pras outras pessoas!!! O primeiro que agredir o cara vai ter comigo! Ameacei.
Ninguém se mexeu, escutaram tudo o que eu quis dizer. Desabafei o que estava guardado em mim desde a partida da Dina. Depois saíram dali e cada um seguiu pra um lado deixando a gente sozinho. O Mazinho chorava envergonhado. Eu disse pra ele pra cuidar da vida dele e fingir que nada acontecera. A coordenadora deu-lhe um calmante e castigou a turma nas salas de aula. Ele não deu aula naquele dia. Acompanhei-o até a casa em que estava hospedado e conversamos muito sobre tudo, nossa vida, nosso “problema” e decidimos que o problema era dos outros. Gilmar disse que não era gay. Nunca tivera uma namorada mas gostava de mulher. Achava-as tão graciosas e queria muito namorar uma delas. Eu por minha vez contei-lhe da minha única tentativa de amar alguém. Prometemos que não seríamos maltratados por ninguém e ele me agradeceu por tê-lo defendido.
Durante muito tempo fomos unha e carne. Futebol, praia, piscina e até passeios da escola nos levava a estar juntos ajudando um ao outro. Gilmar entregou a cadeira ao Alencar que voltou em quatro meses e mesmo assim continuou aqui em “Mar de Prata”. A nossa amizade nos fazia ficar cada vez mais unidos. I fim do ano chegou e com ele minha formatura. Gilmar me conveceu a usar um vestido. Comprou um lindo vestido que até animei a usar. Fomos de braços dados ao baile de formatura. Dançamos desajeitadamente no começo mas depois acabamos aprendendo junto como bailar. A festa foi demais.
O primeiro beijo não foi dos melhores mas me acostumei a eles e com algum tempo até já sentia falta deles. Gilmar me conquistou devagar.
Minha mãe era só felicidade. Era um dia especial pra ela mas para mim era só um motivo pra fazê-la feliz e ao Gilmar. Ele era um cavalheiro e eu gostava muito dele. Descobri que ele era muito rico na capital e que só dava aulas pra tentar encontrar seu caminho.
Nosso casamento se realizou em uma igrejinha pequena pois não convidamos muita gente. Fomos pra capital logo em seguida. A casa dele era muito grande mas tinha gente pra cuidar de tudo. Acostumei-me a ser paparicada e a viver para ele e para a minha felicidade. Hoje sou Alessandra e todos me tratam como a uma princesa. Da Leco, não restou nada. Ou quase nada.
Já faz cinco anos que nos casamos e moro aqui. Aprendi tudo que preciso pra fazer a mim a ao Gilmar feliz. A família dele me adora pois achavam que ele nunca se casaria. Tive um bebê no ano passado. Ele é lindo e é uma das razões do meu existir. Hoje de manhã fui levar meu filho pra passear na praça do parque e lá encontrei muitas mães com seus filhos. De repente enquanto a babá olhava meu bebê e fui comprar um sorvete, esbarrei numa criança de uns quatro anos que me lembrava alguém. O moleque corria de um lado para o outro e quando ele correu para amãe por uns intantes pude ver os olhos dela. Eram os olhos de Dina. Ela me encarou e ameaçou vir para o meu lado. Então virei as costas pra ela. Não lhes digo que meu coração não sentiu o baque mas prefiro que continue assim. Dina está feliz. Tem seu filho e eu tenho a minha vida. Leco morreu. E é preciso que continue morto. Nosso amor de primavera não passou disso. Resultado de corações infanto juvenis na primavera da vida. A felicidade já chegou pra mim e se não chegou pra ela um dia chegará.
Fim.