Encontros ( Um conto sobre destino ou quase isso)

Na primeira vez que se encontraram, ela era uma das esposas de um rico sultão e ele era o músico favorito da corte. O caso dos dois não era segredo e o sultão aceitava na condição de que sua esposa o aceitasse quando ele quisesse e que o musico compusesse as mais lindas melodias para ele. E assim foi por muitos anos. Até que o sultão morreu, seu irmão mais novo assumiu e mandou executar a esposa e o musico.

Eles prometeram se amar para sempre no caminho para o fuzilamento e suas últimas palavras um para o outro foram: “até a próxima vida”.

Na segunda vez que se encontraram, ambos eram aprendizes na corte. Aprendizes que viraram cavaleiros. Espadachins de talento, mortais e atraentes. Um era casado com seu dever e o outro, com o bordel da cidade. O que ninguém sabia era que a Madame do tal bordel disponibilizava um quarto vazio para os dois cavaleiros.

Quem era ela, a Madame questionava quando os deixava sozinhos, para discriminar ou julgar? Afinal, ela daria o mundo para alguém olhá-la como os cavaleiros se olhavam.

Houve então a guerra civil e ambos ficaram em lados opostos. Um era fiel a Coroa e o outro, aos rebeldes.

Paranóico, um não percebeu que era o outro que se aproximava dele no campo de batalha e atacou.

A guerra praticamente terminou ali com um olhando para o corpo vazio do outro. Um campeão vivo e o outro, morto.

O campeão se suicidou algumas semanas depois.

Ninguém soube o porquê, exceto a Madame do bordel, cujo luto foi dobrado.

Na terceira vez que se encontraram, uma era cigana, dançarina talentosa e perdição dos homens. A outra era uma violinista de talento, que adorava jogar cartas. Elas se conheceram num festival fora da cidade e parecia que se conheciam há séculos.

Durante o verão, uma não era vista sem a outra e isso atraiu intrigas. Nenhuma se importou.

Um verão se estendeu a dois, três, quatro e mais viriam se não fosse pelo amante rejeitado da cigana que decidiu se vingar. Ele comprou uma arma e seguiu as duas pela noite inteira. Ele as viu subindo para o apartamento minúsculo da violinista e horas depois, ele viu a cigana sair depois de partilhar um longo beijo com a companheira.

Ele a chamou, ela o olhou, ele levantou a arma e atirou. Ao sair correndo, ele nem percebeu os olhos azuis furiosos grudados em suas costas.

Ele foi ao enterro. Os ciganos choravam, mas a tristeza de nenhum se comparava a tristeza da violonista, que não tirou os olhos dele durante todo o enterro.

Ela o seguiu e o apunhalou no coração. Com sua vingança realizada, ela morreu semanas depois. Overdose de ópio.

Na quarta vez, eles eram melhores amigos. Conheceram-se ainda crianças e planejaram ficarem juntos para sempre. Partilharam o primeiro beijo aos 13 e 14 anos, aos 18 e 19 planejavam o casamento. Então veio a faculdade. Ela foi para medicina e ele, para Artes Visuais. O namoro continuou o mesmo, mas eles não. O casamento continuava sendo adiado.

Ela aprendeu sobre o Médico sem Fronteiras e assim que terminou sua residência foi mandada para a África, onde dois vilarejos estavam em guerra.

Ele a seguiu.

Eles ajudavam as pessoas de formas diferentes. Ele ficava junto às pessoas esperando tratamento para elas ou para um familiar e fazia aquilo que sabia melhor: desenhar. Ele fazia retratos das crianças e famílias ou fazia desenhos engraçados. Todos ficavam maravilhados. Ele os distraia do desespero, enquanto ela fazia o melhor para ajudar os feridos.

Ela já saíra da sala de cirurgia exausta para vê-lo rodeado de pessoas sorridentes e crianças maravilhadas segurando ilustrações de seus rostos ou de suas famílias. Ela sorria quase aliviada e ele sorria de volta com os olhos brilhando.

Ela estava amputando a perna de um homem quando ouviu a explosão e gritos desesperados. Ela terminou a cirurgia mesmo em meio a bagunça e os guardas a escoltaram a segurança. Em meio aos refugiados temerosos, ela não encontrou os olhos brilhantes e sorriso gentil.

Perguntou para todos que via, mas só a última família salva soube sobre o desenhista, que tinha se entregado para os rebeldes para dar mais tempo aos refugiados e portanto não teve como escapar.

Ela teve esperança e esperou. Esperou mesmo quando todos lhe disseram para não esperar. Ela ficou na vila de refugiados e quando a guerra acabou, ela foi com eles para a nova vila e lá ficou por semanas, meses e anos.

Ele nunca voltou.

Na quinta vez, eles eram vizinhos. Um era escritor e o outro, advogado. Um era solitário – e assim queria ser – e o outro era noivo de uma chef. Eles se viam sempre no prédio, abriam um sorriso – mesmo quando não queriam sorrir – e, no mais, ignoraram a presença um do outro.

Um dia, o chuveiro do escritor quebrou e o advogado foi ajudar. Eles riram muito e jantaram juntos. Tornaram-se grandes amigos e só.

Uma semana antes do casamento, eles passaram uma noite juntos.

O advogado se casou e mudou do prédio. O escritor continuou no mesmo apartamento e lançou alguns livros, ganhou um ou dois prêmios no decorrer dos anos. O advogado tinha todos os livros, mas nunca teve coragem de pedir um autografo.

Eles nunca mais se viram.

Na sexta vez, eles se tornaram inseparáveis na faculdade, se formaram, compraram um apartamento e foram felizes por alguns anos.

Até que houve o acidente de carro.

As coisas nunca mais foram as mesmas.

Na sétima vez, eles nasceram em corpos errados. Ela era ele, ele era ela. Conheceram-se num grupo de apoio e se tornaram amigos imediatamente.

Ele já tinha feito a cirurgia de transição e deu todo o apoio para ela fazer o mesmo.

O primeiro beijo foi tímido e foi na tarde de um dia ruim. Os outros beijos foram pitadas de verão no meio do inverno.

Eles pretendiam ir à praia quando ela se recuperasse da cirurgia.

Ela não sobreviveu.

Ele nunca mais quis ir à praia e saiu do grupo de apoio.

Na oitava vez houve uma vidente. Nenhum dos dois deu muita atenção às suas palavras de mau agouro na hora.

“Vocês vêm se machucando há muito tempo. Não acham melhor desistir? Talvez o destino de vocês fosse menos sombrio assim.”

E antes de saírem da tenda da velha louca, ela completou:

“Essa vida também terminará da mesma forma. Em desastre. Só resta saber quem será sábio o suficiente para romper com esse ciclo vicioso.”

Mas alguém tempo depois, enquanto lutava por sua vida no CTI – resultado de um grave acidente de carro – um deles decidiu que quebraria aquele ciclo.

Na nona vez, as oportunidades de se encontrarem foram várias. Uma festa que ela decidiu não ir, uma lanchonete que ela decidiu não entrar, uma palestra que ela decidiu não ir, uma disciplina que ela decidiu – de última hora – não cursar.

As oportunidades foram muitas e todas perdidas.

Elas não se encontraram naquela vida.

Na décima vez, eles se viram rapidamente na rua.

Na décima primeira, eles nunca se viram.

Na décima segunda, aquela que não tomou a decisão de terminar o ciclo não entendia porquê não importava o que fizesse, nada enchia o vazio que sentia em seu peito. Viajava muito e em uma de suas viagens fora para o Tibet com mais dois amigos. Ficou lá por vários meses e decidiu voltar para sua cidade natal quando uma das monjas mais respeitadas do mosteiro voltou ao templo. Quando se encontraram, a monja se desculpou: “Há dor em seu passado. Mas, se vocês continuarem lutando, acho que conseguem chegar lá. Só não desista e siga seus instintos, eles sabem do que estou falando.”

Numa tarde, ao passar por um movimentado estúdio de tatuagem, ela sentiu uma vontade incontrolável de entrar e lá no balcão, com longos cabelos azuis, estava a pessoa com o sorriso mais brilhante que ela já viu.

Não houve tragédias dessa vez.

Na décima terceira, eles foram felizes. Casaram, tiveram filhos e morreram de velhice.

Na décima quarta, décima quinta, décima sexta, eles se encontraram, em vários corpos, de vários gêneros, em vários países, com vários gostos, cores e culturas.

Eles se encontraram e se apaixonaram.

Era destino.

Ou talvez, apenas escolha.