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A FÊMEA NO DIVÃ = EC

-- Dona Aida chegou!

A voz da Estelita, a recepcionista, trouxe à realidade o Dr. Marcos que aproveitava uns momentos de espera para descansar, fugir um pouco daquele consultório onde tantos desafios lhes eram impostos.

Psicólogo, atendia  rapazes com problemas de alcoolismo, drogas, comportamento inadequado, crianças mal educadas, sem limites, adolescentes cheios de dúvidas, pais que não sabiam como orientar os filhos...

Embora não fizesse qualquer restrição, as clientes do belo sexo, até então, não o haviam procurado e quando Aída chegou pela primeira vez Marcos ficou meio confuso sem saber como começar.

Ela era uma bela moça e ele, um solteirão bem apessoado. Se tivessem se encontrado em uma festa...

Mas não estavam em uma festa e sim no seu local de trabalho e cumpria-lhe ser discreto, atencioso, profissional.

— E então, Aída, vamos nos conhecer um pouco?

A moça parecia constrangida sem saber o que dizer e Marcos tentou ajuda-la:

.— Meu nome é Marcos, tenho 34 anos, sou solteiro... ainda, gosto de futebol, de cinema, de música clássica ...Agora é você!

A moça sorriu e começou timidamente:

— Tenho 30 anos... Sou viúva... Tenho um segredo terrível...

O silêncio caiu pesado entre os dois e ele tentou ajudar:

— Quer me contar?

— Desculpe! Você não pode mudar nada...

— Realmente, eu não posso mudar, mas posso ajudá-la.

— Eu fiz uma coisa horrível... Eu matei o meu marido!

Marcos ficou transtornado, sem saber o que dizer. Ela estava confessando um assassinato, isso era caso de polícia, mas não competia a ele denunciá-la... Ou competia?

Ela naturalmente confiara em sua discrição, afinal tudo que ouvia de seus pacientes era sigiloso.

Que fazer?

Quis ganhar tempo:

— Conte-me como foi que isso aconteceu.

— Ele comprou um revolver e me mostrou dizendo que se eu o aborrecesse ele me matava. A gente estava sempre brigando e eu fiquei com medo e... Foi por medo, que a noite, quando ele dormia dei-lhe um tiro na cabeça com seu próprio revolver...

— E depois?

— Gritei, os vizinhos correram, depois perdi os sentidos e só voltei a mim horas depois sem conseguir lembrar-me de nada.

— E a polícia?

— A polícia veio, eu não estava em condição de depor. Os vizinhos testemunharam a meu favor. Ninguém acreditava que eu fosse capaz... Acabaram aceitando como suicídio...

— Você deve procurar esquecer...

Como se isso fosse possível! Mas o que dizer?.

Se quiser falar sobre isso, quanto quiser, estou aqui para ouvi-la e ajudá-la o quanto puder.

Mas ela calou-se, parecendo arrependida do desabafo.

— Eu não devia ter dito isso. Esqueça!

Terminada a sessão levantaram para despedir e
surpreendentemente ela perguntou:

— Posso dar-lhe um abraço?

Surpreso, Marcos abraçou-a demoradamente, e sentiu uma inesperada emoção.

Não conseguiu esquecer a sua estranha cliente. Ele agora era cúmplice de um assassinato, um crime, será que o sigilo profissional o eximia da obrigação de denunciá-la?

Alguma coisa soara falso nas suas palavras. Ele sentia que ela não contara tudo, mas que mais poderia ter acontecido?

Esperou com ansiedade que ela retornasse. Queria ouvir mais, conhecer toda sua historia...

Por quê?

A moça despertou-lhe uma estranha emoção, um interesse maior do que o ideal entre psicólogo e paciente.

Mas ela não retornou por algum tempo.

Como não cobrava a primeira consulta, muitos o procuravam por mera curiosidade e não voltavam para a terapia. Ela, com certeza fora mais uma...

Devia esquecê-la, mas não conseguia.

De repente conscientizou-se de que não amava mais a namorada de muitos anos. Relação desgastada, morna. Porque não se casara ainda?

Resolveu tomar uma decisão, casar ou terminar o namoro. É claro que optou pela segunda alternativa.

A decisão se, por um lado o deixou leve e livre, por outra o entristeceu, sem saber muito bem por que.

E agora apareceu essa moça para perturbá-lo. Apareceu e desapareceu. É claro que ela não ia voltar. Talvez estivesse visitando outros psicólogos na esperança de encontrar algum que tivesse uma varinha mágica para resolver o seu problema.

Moça idiota!

Mas era tão atraente, tinha olhos tão bonitos, quando a abraçara não pudera impedir que lhe disparasse o coração. E agora cada vez que recordava o incidente ficava excitado.

E ele se sentia o último dos idiotas por ter se deixado abalar por ela. E como estava abalado!

Ela era uma linda mulher, mas não passava de uma assassina, não devia sonhar com ela, mas sonhava.

Compartilhar o seu segredo criava como que um vincula entre eles e Marcos, embora se recriminando por isso, não podia aceitar a ideia de não mais vê-la, ouvi-la, saber mais pormenores de sua vida.

— Dona Aída pode entrar?

— Oh! Sim!

Levantou-se esforçando para disfarçar a emoção.

Diabos! Era bem mais fácil lidar com  crianças malcriadas!

Ela entrou mais insinuante do que ele imaginara nas suas mais loucas fantasias e agora, mais segura, foi logo dizendo:

— Foi muito bom estar aqui e falar com você...

— Fale tudo que tiver vontade de falar e omita o que quiser omitir. Não se preocupe comigo.

— Acho que é melhor recomeçar minha vida.

— Claro. O que passou, passou...

— Aconteceu o que eu nunca imaginei que ainda podia acontecer nesta vida. Estou apaixonada...

Marcos sentiu um choque. Bobagem! Ela era apenas uma paciente, não podia envolver-se com seus problemas.

— Que bom! Isto é a melhor coisa que lhe podia acontecer!

Ela vacilou e um tanto confusa continuou:

— Ele não sabe que eu o amo...

— Pois diga a ele. Você é uma moça muito interessante. Garanto que ele vai corresponder.

— Aconteceu que eu fiz uma bobagem. Menti para ele e agora não sei como resolver isso.

— Pois  conte-lhe a verdade e aguarde sua reação.Com certeza ele vai entender..

Marcos imaginou que ela tivesse ocultado dele o seu crime.

Que moça complicada1 Deliciosamente complicada!  e desejou que o tal não a quisesse, a deixasse livre para que ele tentasse conquista-la.

— Eu menti! Nunca fui casada nem sou uma assassina. Eu só queria conhecer você... de perto... pois o admirava muito... sempre que o via. de longe.. mas você nunca me enxergou e resolvi vir conhecê-lo de perto...

— O que esta dizendo ...?!

— Desculpe, eu não vim para fazer uma terapia, vim porque queria revê-lo... .aconteceu... que o conhecendo fiquei muito mexida... Não devia ter vindo... desculpe... Eu não devia estar dizendo essas coisas... Desculpe...

— Por que inventou o assassinato?

— Queria ver sua reação...

— Espere ai. O psicólogo aqui sou eu!

Os dois riram e a tensão entre eles aliviou.

Fez menção de retirar-se, mas ele a deteve;

— Espere. . Eu também... Bem... Vamos marcar um encontro em um lugar mais apropriado para conversarmos melhor?

Ela teve um momento de hesitação, que loucura! Como pode atrever-se a tanto?

Ele abriu os braços e mais uma vez abraçaram-se, rindo divertidos como dois adolescentes que tivessem acabado de descobrir o amor.


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 Este texto faz parte do Exercício Criativo
A FÊMEA NO DIVÃ
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Maith
Enviado por Maith em 02/02/2015
Reeditado em 05/02/2015
Código do texto: T5123103
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