Pequeno conto de paixão na "Pequena ilha do Diabo"
Não era bem uma casa, um dia serviu de serraria à fazenda, foi dividida e adaptada, não era grande, dois quartos, um seria o escritório, dois banheiros, uma sala grande e uma pequena cozinha. Era uma construção antiga, fora desmembrada quando os donos - cristão novos, antigos fundadores da praia dos Ingleses -, voltaram para a Ilha da Madeira. Ficava na divisa, junto da Praia do Santinho, numa parte ainda deserta da ilha. Savana se deliciava com as descobertas, ali foram feitos os móveis e barcos que pertenceram à família de Jorge Pereira, a família partiu da ilha pelos anos 40, deixando tudo para trás, obras de arte, livros, mobiliário, a estufa com bromélias e um bote que poderia ser restaurado, gostava de garimpar antiguidades. Este conjunto estava localizado no meio de uma pequena mata, a subida íngreme, a vista era paradisíaca, as ilhas de Ratones, as dunas, a pequena enseada com a gruta do Santinho. Imaginava a ilha desabitada, ali seria um outro paraíso, a variedade de flora e fauna, as águas límpidas, por um momento teve a sensação de já ter estado ali. Desta vez somente o piano viria do Uruguai, ia ficar na sala, em segundo plano, para evitar problemas, este era o trato com Miguel. Savana sabia que a maior paixão dele era o piano, mas foi bem clara, piano só para lazer, não haveria grandes concertos.
Miguel se ocupou com a restauração do barco, passava horas no galpão em meio a ferramentas, fotografava, registrava tudo que podia, pretendia fazer uma sala para concertos bem original e entregá-lá à sub-prefeitura, serviria de espaço cultural para turistas e ilhéus. Savana desbravava as redondezas, decobriu um poço desativado no mato, sabia que o poço devia ocultar histórias interessantes. Era tudo tão envolvente, que não sentiam o passar das horas, por vezes, amavam-se no mato, sobre as folhas ou na pequena queda d'água, na madrugada tomavam banho de mar, voltavam para casa quando os pescadores iam recolher as redes, o sol nascia. Nos domingos, Miguel tocava em alguma igreja da ilha, sempre havia um convite, executava pequenos concertos, era sempre um momento ecumênico, igrejas católicas, evangélicas, as mais tradicionais, inclusive na sinagoga executou um concerto, o grande projeto era criar uma orquestra infanto-juvenil, queriam levar arte e cultura para a ilha. Depois, de barco, seguiam para a ilha de Anhatomirim para almoçar, voltavam no fim da tarde.
Anhatomirim ou em tupi-guarani "Pequena ilha do diabo" , sede da Fortaleza de Santa Cruz, construída em meados de 1700. Savana estava curiosa sobre os fantasmas que habitavam a ilha, espíritos de presos que ficavam trancafiados nas masmorras da fortificação, a "árvore dos enforcados". A ilha estava aos cuidados da Universidade Federal, Savana solicitou uma licença para iniciar estudos antropológicos, rezava para que tudo desse certo, em seis meses estava iniciando o projeto.
Descobriu mais uma vez que a felicidade podia ser completa dentro da simplicidade, não precisava de mais nada, vivia a plenitude junto de Miguel, as noites de paixão na ilha e seus mistérios.
Beijo a todos!