FINAL DE LINHA

FINAL DE LINHA

Foram anos de farra. Invariavelmente, todos os dias saía do trabalho às 18:00 h. e com os amigos demora-se até às 21:00 h. Quando chagava em casa, com a visão torpe, olhava para Aline que, pacientemente, o esperava para o jantar.

Como de costume, antes de sentar à mesa, Otacílio tomava banho enquanto, pacientemente, Aline o esperava absorta em pensamentos distantes, tentando escapar daquela triste realidade. Otacílio já não era mais o mesmo. Durante 30 anos de casados, nunca, por nenhum momento, a vida de ambos se apresentara tão inóspita e triste. O dia-a-dia tornara Aline uma mulher triste. Somente os telefonemas dos filhos que moravam longe, traziam-lhe um pouco de felicidade. Os dois filhos, dois engenheiros, logo que concluíram o curso de engenharia, migraram para Salvador e Foz do Iguaçu, aprovados que foram em concursos públicos.

Após o banho, Otacílio dirigiu-se até a mesa. Sentou-se e pôs-se a esperar por Aline. Após alguns segundos, como Aline não chegara até a mesa, resolveu perguntar se ela não iria jantar com ele.

- Já jantei – respondeu Aline, acrescentando: a partir de hoje, não mais vou esperar por você para jantar.

Otacílio ouviu e nada respondeu. Terminou o jantar e sem dizer uma palavra, dirigiu-se para o quarto. Ligou o televisor, deitou-se e pôs-se a pensar:

Estava agora com 49 anos, 28 dos quais, casado com Alice. Ambos tinham uma boa renda. Ele como engenheiro da Cia. de Saneamento do Estado e ela como advogado do Tribunal de Contas do Estado. Moravam muito bem num dos melhores bairros da cidade, gozavam de prestígio profissional junto à sociedade, tinham dois filhos maravilhosos e bem formados e dispunham de uma boa reserva financeira. Apesar de todos esses fatores positivos, Otacílio se perguntava: por que não sou feliz?

Envolto nesses pensamentos Otacílio adormeceu, não se dando conta da chegada de Aline para também dormir.

Na manhã seguinte, muito cedo, Aline levantou-se, tomou banho, preparou o café, trocou de roupa e pôs-se a esperar a empregada doméstica que às 7:30h sempre chegava. Logo após a chegada de Inês, Aline foi até o quarto onde Otacílio ainda permanecia deitado.

- Estou indo. Não vai trabalhar hoje? Perguntou para Otacílio.

- Vou pensar –lacônico respondeu Otacílio.

Passava das 8:00h quando Otacílio por fim se levantou. Ligou para a empresa onde trabalhava, avisou para sua secretária que estava indo consultar um médico e que não iria naquele dia.

Mais uma vez monologou: Estou realmente doente ou é a falta que Aline me faz? Em qualquer hipótese, aquela dor no peito, sentida durante o repouso da madrugada precisava ser diagnosticada.

Procurou o n° do telefone do Dr. Heleno, seu amigo cardiologista. Telefonou para seu consultório para marcar uma consulta. A atendente informou que o Dr.Heleno somente poderia atendê-lo na próxima quinta-feira.

- Diga pra ele que o Otacílio, amigo dele, precisa consultá-lo com urgência. Obrigado.

Meia hora depois, o telefone de Otacílio tocou. Era o Dr. Heleno.

- Bom dia amigo Otacílio, em que posso servi-lo?

- Meu amigo Heleno, muito obrigado pela ligação. Estou preocupado com uma dor que senti no peito hoje na madrugada e quero lhe consultar, mas como sua secretária disse-me que somente quinta-feira, fiquei mais preocupado, Não tem como você abrir uma espaço para mim, antes de quinta-feira?

- Tem sim, meu amigo. Atendo-lhe ainda hoje. Vá ao consultório às 14:000h. lá a gente conversa melhor.

Antes que Aline retornasse para o almoço, Otacílio saiu de casa, sem avisar para onde iria nem quando voltaria

Na hora marcada. Encontro-se com o Dr. Heleno.

- Comecemos por medir sua pressão.

Está muito alta! Mediu 18X15. Vamos acompanhá-lo por vinte quatro horas. Você vai ser monitorado por este aparelho que vou colocá-lo em seu braço e amanhã à tarde você retorna para que eu possa retirá-lo e fazer uma avaliação.

Vou também pedir um eletrocardiograma e uma série de exames.

Será bom afastá-lo do trabalho durante cinco dias a fim de que você possa fazer todos os exames sem preocupações.

Faça esses exames e retorne quando recebê-los todos.

Leve também este atestado para ser apresentado na empresa onde você trabalha.

Ás 16:00h. Otacílio retornou para sua casa. Lá chegando, preparou uma dose de whisky, acendeu um cigarro, ligou o aparelho de som, colocou o CD de sua preferência, sentou à beira da piscina pôs a ouvir o som, tomar o whisky e fumar seu cigarro.

Antes das 18:00h. Aline chegou. Sentiu um alívio quando adentrou à garagem -

Otacílio estava em casa.

- Que foi que houve? Não foi trabalhar, não veio almoçar e nem foi se encontrar com os amigos. O que está havendo?

- Nada de novo que possa provocar minha alegria nem sua tristeza, pelo menos por enquanto.

Após ouvir essas palavras Aline se retirou para voltar alguns minutos depois.

Otacílio terminou a quarta dose de whisky. Quando se preparava para sair do hall da piscina, foi surpreso com a chegada de Aline, vestindo um biquíni sensual.

- Posso lhe fazer companhia por alguns instantes? Perguntou.

- Tudo mundo pode tudo, resta ter certeza da conveniência do momento – respondeu Otacílio.

- Péssima resposta para quem fez uma pergunta cheia de boas intenções. Cada dia que passa você fica mais chato. Fique à vontade. Vou tomar meu banho, tomar uma cerveja, mas não considere minha companhia. Disse isso e mergulhou na piscina.

Há dias que Otacílio não via as curvas do corpo de sua mulher. Há dias que não faziam amor. Na sua lembrança, fizera amor com Aline na noite em que ela completara 46 anos. Isto se dera no dia 26 de março. Como estavam a 16 de agosto, faziam, portanto, quase cinco meses. Tempo bastante para que a saudade fosse grande, porém não menor que a tristeza.

Aline saiu de dentro da piscina foi até o freezer. Pegou uma cerveja bem gelada e um cálice. Abriu a cerveja e sentou-se à borda da piscina. Antes de sorver o primeiro gole, foi fechar a porta de entrada da casa, haja vista que Inês terminara seu expediente e já se ia.

Fechou a porta e voltou para o mesmo lugar de onde tinha saído. Sorveu o primeiro gole sob o olhar curioso de Otacílio. Este, sem entender a apatia da mulher, perguntou: - Não vai me oferecer um pouco de cerveja?

- Vai misturar Whisky com cerveja? Perguntou Aline.

- Ia – respondeu Otacílio. Agora não vou mais. Obrigado. Disse isso e se levantou dirigindo ao interior da casa e deixando Aline sozinha.

Otacílio meio tonto parou diante do espelho existente no banheiro de seu quarto. Contemplou seu semblante desvanecido e falou sozinho: Prefiro morrer do que viver essa vida triste.

Tomou um banho e foi dormir. Eram quase 19:00h.

Após concluir a ingestão de duas cervejas, Aline enrolou-se em uma toalha e seguiu para seu quarto. Sem fazer alarde abriu a porta e visualizou Otacílio deitado despido sobre a cama. Por um instante, contemplou o órgão sexual do marido que repousava como que, em berço esplêndido. Teve vontade de acariciá-lo a fim de fazer o que há muito não fazia - amor, mas conteve-se, temendo uma reação por parte de quem amava.

Após cobrir seu corpo moreno comum hobby de seda branco, Aline ligou o televisor e deitou-se no sofá existente na sala. Adormeceu, acordando somente, às 03:00h. da madrugada, obedecendo a voz do instinto – estava com fome. Comeu uma fatia de bolo e tomou um copo de leite, voltando para o sofá, onde novamente adormeceu.

Muito cedo da manhã, Otacílio acordou. Logo sentiu que Aline não estava deitada ao seu lado, também não se preocupou com os motivos. Apressou-se em vestir uma roupa e saiu para fazer os exames solicitados pelo Dr. Heleno.

Somente às 07:00h. a coleta de sangue foi feita e às 07:30 h. concluiu o eletrocardiograma.

Após isso, foi a uma lanchonete e tomou café com leite, bolo e queijo, retornando em seguida para sua casa. Quando lá chegou, Aline já tinha saído para o TCE. Inês, porém, o esperava.

- O senhor não tomar café? –perguntou.

- Não Inês, não vou, pois já tomei.

Após ouvir a negativa, Inês entregou um envelope lacrado deixado por Aline para ser entregue ao Dr. Otacílio, segundo o manuscrito contido no envelope.

Otacílio abriu o envelope e leu o que estava escrito pelo próprio punho de Aline:

“São trinta anos de convivência, felizmente pacíficos. São trinta anos de encontros e poucos desencontros

Hoje, parei para pensar e me dei conta de nossa convivência precária. Pensei que iríamos retornar aos velhos e saudosos tempos em que fazer amor era o nosso passa-tempo predileto. Hoje a sua intolerância para comigo, deixa-me perplexa e desmotivada para o amor que sempre motivou minha alegria.

Estou triste ao ter a quase-certeza de que não me amas mais como antes.

Naquele dia, Otacílio não almoçou em casa e deixou um recado para Aline. Iria à empresa onde trabalhava e só chegaria ao final da tarde.

No início da tarde, Otacílio passou pelo consultório do Dr. Heleno a fim de retirar o roteador de pressão. Na análise feita nos dados armazenados, por nenhum momento nas últimas 24 horas, a pressão arterial de Otacílio, foi menor do que 17X 14.

- Amanhã, com os resultados dos demais exames, teremos condições de fazer uma avaliação cardíaca mais precisa. Por enquanto é prematuro fazer qualquer diagnóstico, mas posso lhe adiantar que sua pressão arterial inspira cuidados. Por enquanto vou ministrar uma droga para baixar essa pressão de imediato, mas não será de uso contínuo.

Tenso e preocupado, Otacílio voltou pra casa. Não pensava em falar de sua preocupação para Aline. Afinal, pressão alta poderia ser controlada através de medicamentos. Somente falaria de sua saúde, no dia seguinte, quando recebesse os demais exames.

Logo após a saída de Inês, Aline chegou. Otacílio estava à beira da piscina, porém desta vez, sem beber.

Para Aline algo diferente estava acontecendo, afinal, encontrar Otacílio em casa naquele horário não era comum.

- Que bom você está em casa. O que está acontecendo?

- Não está acontecendo nada. Apenas não tive vontade de sair.

- Toma um banho comigo?

- Vou pensar.

- Ótimo. Enquanto você pensa, vou trocar de roupa e já volto.

Otacílio mergulhou em pensamentos eróticos. Quem sabe, hoje seria o fim do recesso sexual dele e da mulher.

Com o mesmo pensamento, Aline resolveu inovar. Vestiu um biquíni tipo fio dental, deixando à mostra a região glútea e quase a descoberto, o seu regaço vaginal. Imaginou que a amostra do que lhe era mais íntimo, dificilmente, Otacílio ficaria apático e com certeza, partiria para o ataque.

Faceira, fogosa e imaginando-se Afrodite, Aline desfilou à borda da piscina sob o olhar surpreso do marido.

- Vai ser hoje! Vais me pagar pelo descaso sexual!!!

- Para quem, como Aline, estava sequiosa por um instante de libidinoso e a hora se fez chegar.

Não menos sedento, Otacílio mergulhou na piscina e pôs a chamar Aline, convidando-a para o banho.

- Pare com essa exibição e venha tomar banho – bradou Otacílio.

Convencida do sucesso que fazia, Aline desfilava por sobre aborda da piscina, expondo seu corpo com sensualidade.

Em situações normais, a contenção dos gestos masculinos era perfeitamente normal, porém, diante do que via Otacílio não se conteve e puxou Aline pelo braço, que, felizmente, caiu na piscina sem se machucar. Contrariada no intento de continuar se exibindo, Aline não gostou da atitude do marido, passando a tratá-lo com indelicadeza, ou na melhor das hipóteses, com indiferença.

Muito excitado, Otacílio envolveu Aline em seus braços. Ela magoada e arredia, não demonstrou nenhum interesse em continuar o idílio. Essa apatia de Aline pelos intentos do marido provocou um sentimento de rejeição em Otacílio que, sem dar explicações, saiu da piscina, indo direto para o quarto.

Sozinho, frustrado e pensativo, Otacílio decidiu: para fazer amor, nunca mais procuraria Alice. Ela se quisesse que o procurasse.

Emburrado, não jantou. Tomou um banho e logo foi dormir.

Não menos contrariada Aline não deu nenhuma atenção ao emburrado e foi dormir no sofá da sala, envolta em pensamentos tolos.

Muito cedo do dia seguinte, Otacílio foi até o laboratório a fim de receber os exames realizados no dia anterior.

Recebeu os exames e foi direto ao consultório do amigo Heleno.

- Bom dia meu amigo – Otacílio saudou o Dr. Heleno.

Aqui estão os exames que você solicitou. Disse isso ao tempo em que entregava os exames ao médico.

O Dr.Heleno iniciou a leitura do que estava escrito. Deteve-se mais, na análise do eletrocardiograma.

- Temos um problema mais ou menos grave. Você está com uma carótida quase que totalmente obstruída; A taxa de seu colesterol está excessivamente alta; Os triglicérides também estão com taxas elevadas. De formas, que teremos que tomar algumas providências urgentes.

A primeira delas, é implantarmos um stend na carótida obstruída; a segunda, vamos resolver de modo medicamentoso, ou seja, baixar o colesterol e os triglicérides. Você vai ter que parar, imediatamente, de fumar e de beber além de começar a combater o sedentarismo com exercícios físicos.

- Como será esse combate ao sedentarismo? Perguntou Otacílio.

- Através de caminhadas, natação ou qualquer outra atividade que implique na utilização de esforço físico. Mas, não agora, pois s carótida obstruída pode não responder satisfatoriamente.

Experiente, o Dr. Heleno perguntou: Algum problema lhe aflige?

- Como assim? Não entendi a pergunta.

- Problema do tipo: financeiro, familiar, matrimonial, afetivo etc.

- Não. Nenhum. Por que a pergunta?

- Porque a sua taxa de glicose no sangue também está alta. Não posso lhe dizer que você está diabético, pois na hora da coleta do sangue, o seu estado psicológico pode interferir e mascarar o resultado. Por isso vou pedir um novo exame.

Quanto a implantação do stend na carótida, sugiro-lhe conversar com sua esposa, com seu filhos a fim de definirmos uma data. Essa intervenção cirúrgica se faz necessária, o quanto antes melhor, pois você corre sério risco.

Por fim, vou solicitar um exame específico sobre a glicose no sangue. Quando receber o resultado, você deve consultar um endocrinologista para. Se constatada a diabetes, providências sejam tomadas.

Muito mais preocupado do que antes, Otacílio retornou para sua casa, consciente de que sua vida era outra a partir daquele dia. Restava saber, como e quando comunicar o “desastre” a sua mulher.

Sorumbático, Otacílio sentou-se à mesa para almoçar. Aline ao seu lado não lhe dirigiu uma palavra, sequer. Ele, por sua vez, não agiu diferente. Estava pensando no modo de abordar a mulher para repassar o seu drama.

Antes da14:00h. ela se foi e o bravo ficou só.

No caminho de volta ao trabalho, Aline meditou bastante sobre sua relação conjugal com seu marido

Pensando bem, Otacílio não tinha alternativa. Teria de ir direto ao assunto, pois Aline não poderia ficar à margem do que estava acontecendo.

À tarde, a mais longa de todas as tardes, foi recheada de pensamentos obtusos.

Antes das 18:00h, finalmente, Aline chegou.

Otacílio lia “O Evangelho segundo Jesus Cristo” de José Saramago.

- Meu Deus, como você está mudado. Há três dias que não vai ao Bar da Maria, encontrar com seus amigos. O que está acontecendo? Posso saber?

- Pode sim. Cansei-me da solidão e resolvi ler este livro para matar o tempo.

- ótima iniciativa – exclamou Aline. Vamos tomar um banho na piscina.

- Não. Hoje não – respondeu Otacílio. Vou tomar banho, sim, mas no banheiro de meu quarto.

Posso lhe acompanhar?

Pode sim. Preciso conversar com você e lá talvez seja o melhor lugar.

Eu também quero conversar com você sobre o que aconteceu ontem. Preciso me redimir e pedir-lhe desculpas pelo que aconteceu – disse Aline.

Otacílio animou-se ante o que ouviu e mais do que depressa tirou a roupa e adentrou ao banheiro e, em ato contínuo foi seguido por Alice.

Sem delongas, abriram a torneira do chuveiro e um jato forte de água fria lavou os corpos ardentes de paixão. Após a troca de carícias, ambos se abandonaram sobre a cama. Cada um dominado pela volúpia. A prática do felattio estava esquecida, porém foi ativada naquele momento, levando-os a quase loucura.

O idílio estendeu-se até as 23:00 e dominado pelo amor, Otacílio adormeceu sem falar para Aline o problema de sua saúde.

Cedo, como de costume, Aline acordou, tomou banho, vestiu-se, preparou o café, enquanto Otacílio permanecia dormindo - para ela.

Otacílio não acordou. Estava morto, deixando na lembrança de Aline, a terna lembrança de uma linda noite de amor vivida intensamente com o homem que amava e que morreu amando. Constatada a morte do marido.Aline concluiu:

Pelo pior ninguém espera, mas morrer amando deve ser uma dádiva de Deus para quem vai, porém com absoluta certeza, é uma tristeza imensa para quem fica.

Rui Azevedo
Enviado por Rui Azevedo em 23/01/2015
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