Música, cifras e melodias

Ele era um homem simples, mas culto; inteligente, mas modesto; corajoso, mas cauteloso e acima de tudo, disposto a seguir em frente, sempre.

Pela manhã, gostava de café com leite e pão na chapa e ao longo do dia, nada de enlatados ou produtos industrializados, pois isso “não é saudável”, dizia.

Estar com ele era sempre muito bom. Apaixonar-se por ele, então, era a coisa mais fácil de acontecer.

Eu o conheci quase que por acaso, apesar de que eu não acredite que o acaso exista, ainda que Leonard Mlodinow diga o contrário.

Na primeira vez que o vi, percebi que ele não era um tipo comum, não só pela linda voz, mas principalmente pelo olhar profundo e uma certa serenidade no modo de andar e de falar.

Os seus olhos, mais que seus dedos calejados, diziam que ele já havia percorrido uma longa estrada e que trazia na bagagem muita história para contar.

Certa vez ele me disse baixinho que gostava de ver o sol se por no oceano atlântico. Acho que essa era a coisa que ele mais sentia saudades da época em que pisava nas areias brancas do litoral paulista.

Falou também das suas idas e vindas; dos amores perdidos e encontrados; da sua luta pela sobrevivência. Certa vez me contou que seus dias e noites eram de muita luta, mas de muita conquista também. E que a cada vitória, seus dedos adquiriam um pouco mais de calo e que, mesmo com o passar dos anos, seu coração era cada vez mais valente.

Ah, ele mostrava um amor infinito pelos filhos e netos. Isso sim era amor de dar inveja em qualquer um. E não adiantava querer competir. Quando falava deles, o seu olhar se tornava longe, sua voz se misturava com o som do silêncio e as palavras soavam ainda mais doces e serenas.

Apesar de rir muito pouco, o seu sorriso largo permanece em minha memória. Quando sorria, seu rosto se iluminava todo, como se um lampejo da lua ou do sol, de repente tivesse passado ali, naquele exato momento.

Sobre os calos nos dedos?

Bom, esses foram tecidos pelas cordas do violão, que ele tocava com uma voz rouca, quase sensual. E ainda que estivesse nessa estrada por mais de dez anos, preferia dizer que não era músico, mas que “estava músico”. Nunca compreendi o motivo dessa afirmativa, já que ele me encantou exatamente pela sua voz e violão, juntos, em perfeita harmonia.

Hoje eu transito pelo solo sul-mato-grossense e ele permanece nos barzinhos do planalto central, cantando e encantando.

Irene Chaves
Enviado por Irene Chaves em 22/01/2015
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