Algumas coisas nunca mudam
Eu coloco os pratos à mesa de jantar, como ela deve estar fazendo nesse exato momento. À janela, a mãe da minha patroa se volta para mim, ajeita a manta de lã sobre o colo e me olha com uma expressão levemente divertida.
- Você está com aquela cara de novo, Olivia.
- Qual cara, senhora? - Pergunto calmamente.
- Cara de quem viu passarinho verde.
Sorrio, mas não respondo de imediato; acabo de arrumar os talheres. Há um prato extra à mesa esta noite, a irmã da minha patroa chegou da Europa. Felizmente, é minha noite de folga. A minha patroa disse que eu não me preocupasse, ela cuidaria de tudo depois.
- Eu vou dar um passeio de barco esta noite, senhora.
- E pelo visto, teremos uma bela lua cheia - complementa a senhora.
Termino de arrumar a mesa e paro ao lado dela; ambas ficamos olhando pela janela em direção ao rio Hudson, para as silhuetas dos prédios de Manhattan à distância, luzes que se acendem nas alturas dos arranha-céus, o avermelhado do céu poente tornando-se gradualmente púrpura.
- Talvez tenhamos uma resposta hoje, senhora.
Ela volta-se para mim, um sorriso desenhando-se no seu rosto.
- Aquela resposta?
- Aquela resposta - confirmo.
- Crê que não mudará de ideia na última hora? É uma decisão difícil. Pelo que me disse, ela jamais trabalhou...
- A sua filha me disse que poderia ver algo no teatro... sempre precisam de camareiras.
A senhora pareceu divagar, como se estivesse relembrando algo do próprio passado.
- Sim... o teatro. É um mundo à parte, com suas próprias regras...
Fez um breve silêncio, depois suspirou.
- Enfim, este é o ano da graça de 1912.
E tocando levemente a minha mão, acrescentou baixinho:
- Certamente, algumas coisas devem ter mudado.
[16-01-2015]