A FORÇA MÍSTICA DO AMOR
A FORÇA MÍSTICA DO AMOR
A sala mística estava toda tomada por aquela densa névoa branca que parecia atordoar Lázaro. O cheiro asfixiante do incenso que ardia ao canto da mesinha, era exagerado para o homem. Correu a vista pelo cômodo. Entrou vacilante com olhos quase arregalados no ambiente entumecido de imagens, velas, quadros, véus, símbolos, peças decorativas de um gosto muito duvidoso.
Tinha telefonado no dia anterior e marcado hora, para isso fez no banco o pagamento antecipado da consulta, e depois remeteu comprovante por e-mail. Não conhecia ninguém ali. Tinha visto uma propaganda do lugar num papel colado num orelhão. Uma senhora que estava por perto bateu com os dedos no papel e disse: “Tô pra ver uma pessoa que acerta mais que essa Dona Morgana. Não existe! Ela traz mesmo a pessoa amada. Ela é demais!”. Lázaro viu-se então curioso e resolveu tentar, já que qualquer coisa seria melhor do que nada.
Não estava à vontade, nem era de seu agrado estar ali. Logo ele que foi criado pelas duas irmãs mais velhas Glória e Iphigênia, órfãos que ficaram quando do acidente com os pais. Lázaro era pelo menos seis anos mais novo que a irmã do meio, e isso fez dele um mimo para elas. Ambas eram freiras no Convento Santa Maria, e levaram a educação religiosa do irmão à risca enquanto puderam.
Quando Lázaro conheceu Olinda na Faculdade, as irmãs já não tinham mais controle sobre seus atos. A moça que não tinha nenhum berço familiar que merecesse comentários, era o inverso do que se pode chamar de educada. Mas, apesar de não ter nenhuma vaidade, era linda, e tinha um estranho encanto no olhar. E foi com ela que mais tarde o jovem foi morar, sem casamento e sem a benção das freiras.
Ele trabalhava numa editora, e era fascinado por leitura. Ela era garçonete de drive-in, com espírito liberal e gostava de saber-se assim, o que o aturdia. Temia que Olinda o traísse com qualquer aventureiro que a procurasse, e ela dizia que sim, que se algum aventureiro aparecesse, ela toparia, e pronto! O ciúme remoía o peito do homem. Um ciúme tão grande que passou a segui-la. Não dormia mais, e se alimentava feito um pássaro. Ele ofereceu-lhe uma aliança de compromisso, que ela guardava na bolsa. Olinda o repudiava à noite, não gostava de seu jeito pegajoso e inseguro. Dizia-lhe que assim que se ajeitasse partiria para sempre. E agora que há quase uma semana ela não voltava para casa, ele sofria.
Agarrou-se a Deus, à bíblia e a tantos santos. Foi quando começou a frequentar centros de macumba, videntes e todos os possíveis meios de manter Olinda presa à relação.
Lá estava ele sentado na cadeira de madeira escurecida, com a fotografia de Olinda aberta sobre a pequena mesa redonda. Esperava pela vidente Morgana que apareceria a qualquer momento de trás de alguns daqueles tecidos suspensos do teto. Uma suave música conduzia os pensamentos do homem ao medo de perder a amada.
Uma branda luz amarela acendeu de súbito sobre a mesa, vinda de uma bola de vidro. Ele assustou, mas logo se refez. Uma voz rouca quase sonolenta se fez ouvir através do sistema de som. Era de Morgana que pedia que Lázaro fechasse os olhos e pensasse muito forte em seu problema. Ela precisava da energia que pudesse captar dele.
Lázaro manteve os olhos bem fechados por algum tempo enquanto voltou com toda força, seus pensamentos para Olinda. Tudo faria para mantê-la em seus braços.
Um perfume diferente invadiu o espaço e o homem abriu depressa os olhos. À sua frente quase encostada em seu rosto, estava Morgana. Uma mulher magra de olhos grandes que eram evidenciados pela maquiagem escura. A boca vermelha mantinha equilibrado um free aceso. As mãos pareciam esvoaçar com enormes unhas vermelhas, tão longas que curvavam. Morgana cheirava a um perfume importado de boa marca. Não era exatamente bonita, mas tinha um marco sensual inexplicável. Era mística, sombria e quase selvagem. Sua respiração quente podia ser sentida por Lázaro, que imóvel sentiu-se intimidado pela mulher. Ela correu os dedos finos pelo rosto dele, e depois lhe aspirou ao pescoço. “Sou como os bichos, conheço meus clientes pelo faro e pela reação. Você tem cheiro bom, mas parece sofrer de algo que não é doença, ainda”- disse a mulher indo sentar-se na outra cadeira.
Ficaram em silêncio por alguns segundos enquanto Morgana olhava firme, de maneira desconcertante, para os olhos de Lázaro. Muito bem moço, eu trago a mulher amada, é essa aí da foto? – perguntou apontando para o retrato sobre a mesinha. É sim, o nome dela é – ia dizer Lázaro, quando a vidente adiantou-se numa resposta ligeira: Olinda. Linda mesmo. Mas, sabe que ela não finca raiz em lugar nenhum? Esse bicho é arisco, moço. Essa garota já passou por muitos lugares – ia dizendo quando franziu o cenho de maneira repentina. Lázaro estava assustado com a adivinhação, e curioso. O que foi? – quis saber.
Morgana ofegava. Levantou as mãos e as pousou sobre a bola iluminada. Fechou os olhos devagar. Lázaro olhou para as mãos misteriosas da mulher, depois mirou seu rosto jovem, bem feito, os cabelos longos cacheados que deixavam-se cair sobre seu rosto empregando-lhe um aspecto sexy. Seu vestido volumoso, que ruidava ao andar, era longo no cetim roxo, tinha rendas brancas no peito, o que a deixava mais sensual. As argolas grandes nas orelhas brilhavam com a luz das velas, e sacudiam-se de um lado para outro com a respiração da mulher.
Morgana sentiu-se admirada. Abriu os olhos de repente e, enquanto espalhava de maneira determinada algumas cartas na mesinha, ia dizendo “Olinda não fica muito tempo, não. Ela vai embora em três dias” – disse arriscando um olhar dominador para ele. “Ainda assim a quer?” – perguntou a vidente. Quero. Preciso tentar convencê-la a ficar comigo. Amo muito essa mulher e desejo ficar com ela até que a morte nos separe! É pra isso que estou aqui – respondeu em tom decidido. Morgana apontou uma das cartas e disse que Olinda já estaria em casa à espera dele. Vá para casa então, corra! Hoje é terça feira, você voltará aqui na segunda – disse entregando-lhe um cartão de visita, enquanto a mulher afastava-se atrás dos enormes tecidos que pendiam pela saleta.
Ofegante, Lázaro correu destrambelhado para a calçada. Pensava em chegar e abraçá-la num aperto infinito, jamais falaria de partidas, não demonstraria ciúme, apenas felicidade, amor e amor. Ao chegar viu a janela escancarada e à porta sua Olinda o esperava. Apertou o passo. Mas, viu as lágrimas que molhavam seu rosto moreno, e sua boca trêmula que gemia emitindo ruidosa dor. Lázaro estancou.
Abraçaram-se quietos por um tempo infinito. Nada conversaram. Havia amor que bastava para ambos. A casa parecia cheia de novo. Lázaro enternecido lembrou-se de Morgana e agradeceu em silêncio pelos trabalhos realizados.
O homem ligou para o Convento, queria contar para as irmãs sobre sua felicidade.
Lázaro e Olinda finalmente tinham se encontrado. Amaram-se muito em silencioso namoro. Viviam momentos que jamais viveram. Estavam felizes.
Onde está sua aliança, querida? Gostaria que a usasse – perguntou Lázaro.
Na minha bolsa, pegue-a na minha carteira – respondeu a moça.
Ele espantou-se ao encontrar em sua carteira um cartão da vidente Morgana. Confuso, ele contou que também esteve na cabana de Morgana. Tinha medo de perdê-la, por isso fui procurar ajuda – disse Lázaro.
Olinda disse que esteve lá também, que buscava paz e amor para o resto de sua vida, e que Morgana a mandou de volta para casa. Ela acertou – sussurrou feliz Olinda.
- É mesmo, ela acertou tudo! – sorriu Lázaro.
Três dias depois Olinda morreu de morte súbita.