598-PAIXÃO NO SERTÃO - 1A. PARTE

Emergiu das águas do poço fundo, tal qual uma Afrodite tropical. Por sua pele morena escorreram as gotas límpidas que mais parecem brilhantes líquidos faiscando sob a luz do sol matutino. Em movimentos lânguidos, a moça ergueu os braços, ficou imóvel por instantes, uma estátua de pele macia e cor de canela. A água descia suave dos cabelos para os ombros e o colo, encontrando um caminho fácil entre os seios. Estava nua. Deu alguns passos em direção à margem, o corpo iluminado pela luz do sol quente da tarde e revelando a farta púbis, negra, esconderijo de fonte de prazeres.

Os olhos negros, os lábios carnudos, os cabelos encaracolados e a pele trigueira davam conta de sua origem mestiça. A sensualidade dos movimentos falava da consciência de sua beleza: caminhou devagar e sentou-se sobre o próprio vestido, estendido sobre a estreita faixa de areia grossa que circundava a piscina natural formada pelo Ribeirão das Antas.

O lugar era ermo, escondido nos fundos da fazenda Pau Dálho, cercado por touceiras de jaraguá e árvores típicas do cerrado, que acompanham o ribeirão ao logo de seu curso. Após despencar de uma altura de quatro metros, formando uma cascatinha, as águas do ribeirão eram aprisionadas numa lagoa pequena, de fundo arenoso e águas cristalinas. Dilma deitou-se de bruços, e o corpo revelou então o posterior: costas lisas , nádegas altaneiras, dois montinhos arredondados e graciosos, as coxas redondas e em perfeito equilíbrio com as pernas esguias. As canelas finas eram sinal de mulher fatal ou perigosa e os pés delicados, bem feitos, dignos de uma deusa duma escultura de Michelangelo.

O ritual se repetia quase todas as tardes de verão. A jovem era filha de Seu Belarmino, capataz da grande fazenda, de propriedade do Coronel Capistrano Vasconcelos, de centenas de alqueires de terras de pastos e matas intocadas. Belarmino e a mulher, Custódia, não tinham muito cuidado com a filha. Trabalhadeira, ajudava a mãe nos quefazeres domésticos; Recatada e simples, a única distração era o banho à tarde, no ribeirão.

Nascida na fazenda, foi crescendo em beleza e formosura com a naturalidade das flores e seu desabrochar passara desapercebido pelos pais e pela maioria dos empregados da fazenda. Mas alguns pares de olhos viam a bela mulher que evoluía e saia do casulo da infância.

O primeiro e mais atrevido foi o de Laércio, filho do coronel, que, aos dezesseis anos era quase que homem formado: alto, magro e esbelto, ágil e bom cavaleiro, gostava de cavalgar o negro Ferrabrás, corcel que o pai prezava mais que tudo. Estudante, morava na cidade e passava as férias na fazenda. Foi numa dessas férias de meio de ano que pela primeira vez olhou para Dilma com os olhos de homem e ela os recebeu com o olhar de mulher. A centelha estalou.

Para Laércio não era caso de namoro, mas sim de posse e uso, como era tudo na fazenda, para seus donos. Descobriu = ou foi levado a descobrir = o costume do banho na lagoa. Não se preocupou em se esconder, embora não se deixasse revelar, a princípio. Dilma, ao notar que era observada pelo jovem atrás das moitas, caprichava nos dengues e movimentos de pura sedução.

Não houve demora nem cerimônias no encontro definitivo entre os dois jovens. Numa das tarde, não podendo mais conter-se, o moço arroja-se também no poço. Ela finge assustada, mas não foge das brincadeiras dentro da água nem dos abraços e enleios na areia. Os dois nus percorrem toda a escala da sedução: ele, afagando, beijando, roçando os lábios pelos seios de bicos túrgidos, as mãos passeando sobre a pele morena, dedos apalpando os recônditos do belo corpo de mulher. Ela, arfando e correspondendo aos beijos, entregando-se, as coxas se entreabrindo aos poucos, na ânsia de querer se entregar mais, ao mesmo tempo, querendo recusar a entrega.

O mês correu depressa. Leandro voltou às aulas e Dilma, então feita mulher, continuou a banhar-se no pequeno lago. As lembranças do moço que a transformara de moça em mulher eram agradáveis e ela fingia estar com ele ao seu lado, passando as mãos por seu corpo, enleando-se em si mesma como se presa pelos braços de Leandro.

Outros olhos substituíram os do rapaz na espreita dos banhos de Dilma. Luiz Inácio, vaqueiro a serviço do Coronel, havia descoberto o ritual da moça e a espiava atrás das moitas, com cuidado, não fosse a moça descobrir e denunciar ao pai. O cavalo, amarrado a pouca distância, pastava calmamente, enquanto o vaqueiro violava a moça com os olhos.

Um relinchar do cavalo, um susto da ninfa da lagoa e o descuido de Luiz Inácio provocaram o encontro entre os dois. A principio, ela correu, se escondeu e vestiu a roupa. Quando apareceu vestida, o peão a esperava.

= A senhora me desculpe. Não foi por querer. = Disse Luiz Inácio.

= Num tem nada a desculpar. = Ela respondeu

O homem não saiu do caminho.

= Se quiser, lhe dou uma garupa até a sede.

= Carece não. Vim a pé, posso voltar a pé.

A moça reparou no vaqueiro. Nunca tinha prestado atenção, era mais um empregado da fazenda. Mas ali estava um homem de feições rudes , barba crescida, cabelos desgrenhados e compridos que apareciam por sob a aba larga do chapéu. Os olhos claros e o sorriso singelo impressionaram a moça. Ela nunca tinha prestado atenção em homem nenhum, mas uma curiosidade levou-a a perguntar-lhe:

= Ocê é o Luiz Inácio, não é?

= Pra servir a moça. = Ele respondeu, tirando o chapéu, num ato de rude galanteria. = Todo mundo me chama de Inacinho. Pode me tratar assim.

= Olha, num gosto de ser vigiada não.

= A Senhora me desculpa mais uma vez. Não vai repetir não senhora.

Em casa, Dilma começou a devanear. Estava confusa e a lembrança de Laércio se transformava de repente em Luiz Inácio. Deu vontade de ir ao cercado onde cavalos eram adestrados pelos peões, Luiz Inácio entre eles.

Ela já montara, mas poucas vezes até então. Uma tarde, estando Luiz Inácio sentado nos paus que formavam a cerca do “rodeio”, ela aproximou-se e pediu-lhe:

= Me deixa montar seu cavalo?

= Ele é meio arisco. = respondeu Luiz Inácio.

= Num tem perigo. Ocê fica por perto.

Ela montou e o cavalo não refugou. Deus algumas voltas pelo ao redor do cercado e saiu um pouco pelo pasto. Voltou logo, as faces afogueadas e os cabelos soltos ao vento, uma verdadeira amazona.

= A senhora monta bem. = Elogiou Tonhão, outro peão, um ruivo ou loiro, de olhos verdes.

Ela já montara, mas poucas vezes até então. Uma tarde, estando Luiz Inácio sentado nos paus que formavam a cerca do “rodeio”, ela aproximou-se e pediu-lhe:

= Me deixa montar seu cavalo?

= Ele é meio arisco. = respondeu Luiz Inácio.

= Num tem perigo. Ocê fica por perto.

Ela montou e o cavalo não refugou. Deus algumas voltas pelo ao redor do cercado e saiu um pouco pelo pasto. Voltou logo, as faces afogueadas e os cabelos soltos ao vento, uma verdadeira amazona.

= A senhora monta bem. = Elogiou Tonhão, outro peão, um ruivo ou loiro, de olhos verdes.

Tonho era um homem estranho: muito magro, alto, os cabelos ruivos ou de um loiro sujo, a barba sempre por fazer. A boca não era grande o bastante para esconder os enormes dentes, por isso os exibia sempre num esgar que parecia uma risada falsa. Não era de muita conversa e sua vida era um mistério. Tinha vindo de longe, para além de Goiás, e fora trazido pelo Coronel em uma de suas viagens anuais, que fazia pelo Mato Grosso, para comprar bezerros de engorda.

Revelou-se bom boiadeiro e o coronel contratou-o para vir com a boiada até sua fazenda. Quando chegou, foi ajustado para ficar trabalhando na fazenda. O Coronel Capistrano tinha uma intuição para arranjar bons homens para seu serviço, e não falhou com Tonho. Apesar do apelido, que o coronel ficou sabendo quando indagou do vaqueiro, soube que era tratado por Tonho Malvadeza, mas nem quis saber a origem de tal apelido, que, por sua vez, não revelou a ninguém da fazenda.

= O homem é trabalhador e forte, sabe laçar e ferrar uma rês como ninguém. O resto é prosa fiada. = Assim o coronel se justificava consigo mesmo, já que não dava satisfação a ninguém de seus atos.

Tonho descobriu logo o interesse de Luiz Inácio pela filha do capataz. Também notou que a moça tinha qualquer coisa pelo peão. Calado e até soturno, guardou as observações para si. Daí, ao notar que Luiz Inácio desaparecia certas tardes por algumas horas, foi fácil imaginar coisas. Seguiu o companheiro de trabalho e o viu escondido perto da lagoinha. Por algumas tardes, a situação era essa: Dilma tomando banho, sendo observada por Luiz Inácio, que era vigiado por Tonho.

Até que uma tarde, surpreso, viu Luiz Inácio descer até o poço. Aproximou-se mais e acompanhou todos os movimentos do outro: tirou a roupa, ficou só de cuecas, enquanto a moça dentro do poço não via (ou fingia não ver) Luiz Inácio se despir e assustou-se quando ele se jogou na água. Escondido no meio da macega de arbustos, observou os dois se movimentando, um aproximando-se do outro.

Viu quando a moça e Luiz Inácio começaram a brincadeira de jogar água um no outro, depois a aproximação, um mergulho do qual saíram abraçados, a saída dos dois para o pequeno areal na margem, onde deitaram-se um ao lado do outro...

Esfregando a mão sobre a testa, a fim de limpar o suor causado pelo calor e pela excitação, Tonho, manifestando a inveja e a raiva que lhe dominava todos os sentidos, murmurou entre os dentes:

= Safados!

Saiu esgueirando-se para não ser notado, dirigindo-se à casa-sede,com um firme propósito, pensando:

= O patrão tem de saber o que o disgraçado ta fazendo com a filha dele.

CONTINUA...

ANTÔNIO GOBBO

Belo Horizonte, 25 de março de 2010

Conto 598 da SÉRIE MILISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 25/12/2014
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