Pequeno conto de paixão
Era o último voo, chegaria pela manhã, alguém do hotel iria buscá-la no aeroporto. Estava enjoada não aceitou o jantar de bordo, pediu uma Coca com gelo, enquanto assistia ao filme. Savana sempre gostou de filmes de amor, melodramas, histórias arrebatadoras. Talvez “As pontes de Madson” não fosse o melhor filme para o momento, ainda estava ressentida com a separação, foi um grande trauma, acreditava que a viagem lhe faria bem.
O céu estava carregado de nuvens cinzentas, mas fazia calor quando desembarcou, um jovem sorridente, com o uniforme do hotel, esperava por ela. Na van ia admirando as belezas da cidade. A estrada asfaltada costeava a faixa de praia de mar azul indefinido, havia uma magia que fazia a cor da água se modificar rapidamente, a vegetação era exuberante, a brisa marinha lhe fazia bem. A vila estava a três quilômetros do hotel, poderia andar a pé.
O hotel era rústico, um casarão de 1600, muito bem conservado, a construção se espalhava por um gramado e pequenas escadas incrustadas na pedra levavam diretamente à praia. A sensação era a de que um galeão pirata poderia aportar a qualquer momento para uma invasão, parecia um cenário de filme. O apartamento era pequeno e confortável, havia uma sacada com rede e espreguiçadeira, uma pequena fonte com peixes ornamentais e um mar à frente.
Resolveu que não ia pensar, queria apagar os acontecimentos das últimas semanas, ter a certeza que os problemas ficaram no Brasil, precisava desta solidão. Era cedo ainda, vestiu o maiô e saiu em direção ao mar. Caminhou por muito tempo, a praia era bastante deserta, a monotonia da paisagem só se modificava na pequena enseada nas proximidades da vila, ali havia um pequeno pear onde os barcos descarregavam a pesca.
Savana observava o grupo de crianças que cercava as embarcações, pareciam indiozinhos, cabelos pretos escorridos, tinham os olhos puxados e eram barulhentos. Pareciam peixinhos em volta dos barcos, deviam ser crianças felizes e livres. Do convés, o homem atirava pequenos embrulhos que pareciam ser brinquedos, as crianças voltavam nadando até a praia, era uma festa.
Ela estava deitada à sombra, protegeu o rosto com um livro e adormeceu com o marulhar da água. Deve ter dormido mais de uma hora, despertou com o homem do barco que a observava. O céu estava escuro, novamente, nuvens pesadas se aproximavam da costa. O homem ofereceu-lhe um côco, disse que a observava há bastante tempo e sugeriu que ela voltasse para o hotel antes da tormenta. Ele se apresentou, era simpático e educado, parecia um ótimo anfitrião, pois se ofereceu para levá-la a um passeio na escuna. Savana agradeceu a bebida e os préstimos daquele cavalheiro que nada tinha de nativo, voltou para o hotel. Não se importou com a chuva e a areia fustigando o seu corpo, queria lavar a alma, limpar a vida, apagar todos os vestígios de futilidades, queria se sentir livre e só. Pediu o almoço no apartamento e dormiu o resto do dia.
A portaria avisou que o jantar seria servido por volta das 20 horas, escolheu um vestido de renda muito simples e uma sandália sem salto, depois do jantar queria ir à vila conhecer as artes locais.
O salão era pequeno e aconchegante, escolheu a mesa da janela, havia uma pequena lanterna indiana sobre a mesa, a luz colorida se projetava na parede formando desenhos, a tempestade se afastou e a visão mais bonita era da lua refletindo no mar.
A voz masculina pegou-a de surpresa, ele perguntou o que Savana gostaria de ouvir, era o homem da escuna. Estranhamente, mesmo sem conhecê-lo, a companhia deve era agradável, ele falava baixo e tinha carisma. Savana perguntou se havia Bee Gees, ele pediu ao garçom que providenciasse a música.
Jantaram juntos, chamava-se Miguel, era divorciado e, como ela, cansou da civilização, dos atropelos e horários da vida na grande cidade, ancorou no mar de Costa Rica e buscava somente uma melhor qualidade de vida. Miguel era um empresário de pesca e turismo, estava na costa há pouco menos de dez anos, sentia-se bem no que fazia.
Gostava da companhia dele, apesar de bem mais velho que ela, era um homem culto e cheio de sabedoria. Savana estava notando que a solidão não era tão boa como imaginava, estava se sentindo bem perto dele. Muito jovem, ela casou sem entender bem o que seria uma vida a dois, as responsabilidades e rotinas, talvez quisesse só ser livre.
A vila – de casas em estilo colonial espanhol – era calçada com pedras, havia muitas ruelas, espaços de arte, pequenos bares temáticos e quiosques, tudo muito simples, cheio de cor e aromas. Por vezes, a mão dele tocava na dela e se transformava em faísca, era um contato bom, aconchegante, ela não ia resistir por muito tempo, estava enamorada. A questão não era somente a falta de liberdade, o casamento que a sufocava, Savana chegou à conclusão que estava completamente carente. Estava gostando do passeio, a cada quiosque, experimentava um coquetel diferente, eram frutas exóticas, saborosas, a tequila mostrava seus efeitos, Savana ria por qualquer motivo, não estava preocupada com o que poderia acontecer. Voltaram pela praia e, pela primeira vez, entrou no mar vestida, nunca tinha experimentado aquela sensação, a renda branca grudada no corpo, a água fria, o vento morno. Miguel tirou-a da água, estavam deitados na areia olhando o céu, os dedos entrelaçados, ela fechou os olhos e se deixou conduzir. Foi a noite mais plena, ele pediu que ela ficasse para sempre. Quando o sol chegou, eram um só corpo, respirações ofegantes, todas as entregas. Amanheceu.
Beijo a todos!