A tarde estava cálida, o sol desvanecendo aos poucos o seu calor, num arrebol que tingia o céu, lá longe, de um alaranjado sem igual, perspetivando temperatura de estio para o dia seguinte.
Flávio recostou-se no sofá e fechou os olhos, deixando que a sua mente navegasse em recordações antigas, cada vez mais antigas, levando-o até à sua infância. E inevitavelmente veio-lhe Rosinha à memória. Ela era sua vizinha, filha de um casal amigo que morava então no prédio ao lado do seu.Costumava ir com ela e com a mãe até ao jardim, depois brincavam animadamente com outros meninos, à apanhada, à cabra-cega. Nunca acharam grande piada ao jogo do berlinde ou do pião. Nisso, e não só, eram parecidos.
Quando frequentaram a escola primária - eram da mesma idade, com uma diferença de dias - ela ficava na mesa atrás da sua e sempre que havia provas ele mostrava o que fizera, levantando disfarçadamente a folha para ela ver. Ajudava-a sempre que podia. À conta disso, levara algumas reguadas mas reprimira as lágrimas da dor por orgulho, para ela não o ver chorar.
Num dos aniversários dela, deu-lhe uma rosa que arrancara do seu quintal, situado nas traseiras da casa. Então dissera-lhe que o seu nome correspondia com a flor.Ela cheira-a, olhando-o embevecida. Depois, em casa, pegara numa pequena jarra e colocara-a carinhosamente no móvel do seu quarto, onde ficou até despetalar, dissera-lhe, depois. 
Gradualmente, Flávio sentiu o seu coração bater mais depressa, era algo de bom que lhe estava a acontecer, mas tão novinho, não sabia explicar o que era.
Por vezes, num impulso, se estavam sós, ele dava-lhe pequenos beijos na face, Rosinha corava, ria muito mas nunca o rejeitou.
Esse sentimento cresceu e desenvolveu-se com a despreocupação dos oito, nove aninhos, uma descoberta que se fazia aos poucos mas não passava de puerilidade, na doce inocência dessa idade.
Um dia, o chão abriu-se para ambos: Rosinha mudou-se de um dia para o outro, o pai ia trabalhar para um sítio distante e nada se podia fazer para evitá-lo.
Ele chorou muito, perdeu a vontade de comer, soube depois que ela passou pelo mesmo, ouviu a mãe dela confidenciá-lo com a dele numa visita posterior.
Esse foi, sem dúvida, o seu primeiro amor.
Depois dessa conclusão, sorriu, com uma sensação reconfortante no seu íntimo e, virando-se para o lado, dispôs-se a dormir um pouco.








 
Ferreira Estêvão
Enviado por Ferreira Estêvão em 30/11/2014
Reeditado em 23/02/2015
Código do texto: T5054145
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