Sexo dos Anjos
De uma alma condenada, a quem interessar possa.
Se você encontrou esta carta, me desculpe. Foi um pouco desagradável ver meu corpo, não é? Mas provavelmente ler isto será ainda mais desagradável, escrevo muito mal. Esforça-te, porém, para chegar até o fim. É meu último desejo.
Nasci em uma primavera fria e sombria, como esta, há trinta e nove anos, na Babilônia moderna onde os piores tipos nascem; ó, amada América, bendito é aquele que aborta teus filhos!
Minha família me daria o nome de Alex Jersey, se as coisas tivessem acontecido diferente. Judeu, fui circuncidado ao oitavo dia. Em um desses casos misteriosos onde a estupidez humana atinge níveis astronômicos, o estafermo danificou meu pênis.
Antes de completar um mês, meus pais visitaram o zoológico[sic] Bóris London, para saber o que fazer com um futuro homem incapaz de espalhar seus genes por ai. London conseguiu convencer meus pais a fazerem uma operação e me criarem como menina. Deram-me o nome de Dolores Jersey, a Lolita. Ah, uma criança adorável! E os suplementos hormonais a tornaram uma adolescente atraente, com alma masculina.
Lolita amava filmes de ação, esportes, cereais, sanduíches de pasta de amendoim e qualquer coisa calórica. Era um pouco acima do peso, mas isso só a deixava mais bonita. Sonhava ser jogadora de basquete, embora o metro e cinquenta e pouco do qual nunca saiu fosse uma nítida sentença de fracasso.
Quando Lolita tinha quatorze, veio o choque. Seu pai, bêbado, contou para ela toda a verdade. As coisas começaram a fazer sentido em sua vida(ou perderam o sentido de vez), bem quando começava a ter interesse por garotas. Cortou o cabelo, parou de tomar a "vitamina"(estrogênio), arranjou um emprego e, quando fez vinte e um, saiu de casa.
Lolita morreu para Alex renascer.
Fiz uma reconstrução peniana(será que essa cirurgia não existia quando eu era criança?). Em poucos meses, a desconcertante verdade fez-se nítida: nunca seria mulher, mas nunca seria homem. Sofri perseguição por minhas inconstâncias sexuais, fugi de cidade em cidade, de emprego em emprego, de namorada em namorada e até tive alguns namorados. Não sabia se era Lolita ou Alex, decidi não ser nenhum dos dois; oh, que fria sentença de morte estou proferindo, espero que você não me ache insensível demais.
De qualquer forma, essa é minha história. Quais vão ser minhas últimas palavras? Como o mundo vai se lembrar de mim? Ah, ninguém vai se lembrar de mim. Como eu moro sozinh@ você provavelmente só me achou depois de meu corpo estar em estado avançado de decomposição.
Caminhemos para a moral: A vida é uma história contada por idiotas, cheia de fúria e muita barulheira, que nada significa. Portanto, digo adeus. A partir de agora, compartilho a imortalidade da burrice e dos anjos.