557-AMOR NO SERTÃO - 1a. parte

Emergiu das águas do poço fundo, tal qual uma Afrodite tropical. Por sua pele morena escorreram gotas límpidas que mais parecem brilhantes líquidos faiscando sob a luz do sol matutino. Em movimentos lânguidos, a moça ergueu os braços, ficou imóvel por instantes, uma estátua de pele macia e cor de canela. A água descia suave dos cabelos para os ombros e o colo e encontrou um caminho fácil entre os seios. Estava nua. Deu alguns passos em direção à margem, o corpo iluminado pela luz do sol quente da tarde e revelando a farta púbis, negra, esconderijo de fonte de prazeres.

Os olhos negros, os lábios carnudos, os cabelos encaracolados e a pele trigueira davam conta de sua origem mestiça. A sensualidade dos movimentos falava da consciência de sua beleza: caminhou devagar e sentou-se sobre o próprio vestido, estendido sobre a estreita faixa de areia grossa que circundava a piscina natural formada pelo Ribeirão das Antas.

O lugar era ermo, escondido nos fundos da fazenda Pau Dálho, cercado por touceiras de jaraguá e árvores típicas do cerrado, que acompanham o ribeirão ao logo de seu curso. Após despencar de uma altura de quatro metros, formando uma cascatinha, as águas do ribeirão eram aprisionadas numa lagoa pequena, de fundo arenoso e águas cristalinas. Dilma deitou-se de bruços, e o corpo revelou então o posterior: costas lisas, nádegas altaneiras, dois montinhos arredondados e graciosos, as coxas redondas e em perfeito equilíbrio com as pernas esguias. As canelas finas eram sinal de mulher fatal ou perigosa e os pés delicados, bem feitos, dignos de uma deusa duma escultura de Michelangelo.

O ritual se repetia quase todas as tardes de verão. A jovem era filha de Seu Belarmino, capataz da grande fazenda, de propriedade do Coronel Capistrano Vasconcelos, de centenas de alqueires de terras de pastos e matas intocadas. Belarmino e a mulher, Custódia, não tinham por que se preocupar com a filha. Trabalhadeira, ajudava a mãe nos afazeres domésticos. Recatada e simples, sua única distração era o banho à tarde, no ribeirão.

Nascida na fazenda, foi crescendo em beleza e formosura com a naturalidade das flores e seu desabrochar passara desapercebido pelos pais e pela maioria dos empregados da fazenda. Mas alguns pares de olhos viam a bela mulher que evoluía e saia do casulo da infância.

O primeiro e mais atrevido foi o de Laércio, filho do coronel, que, aos dezesseis anos era quase que homem formado: alto, magro e esbelto, ágil e bom cavaleiro, gostava de cavalgar o negro Ferrabrás, corcel que o pai prezava mais que tudo. Era estudante, morava na cidade e passava as férias na fazenda. Foi numa dessas férias de meio de ano que pela primeira vez olhou para Dilma com os olhos de homem. Ela percebeu e correspondeu àquele olhar. A centelha estalou.

Para Laércio não era caso de namoro, mas sim de posse e uso, como era tudo na fazenda, para seus donos. Descobriu o costume do banho na lagoa. Não se preocupou em se esconder, embora não se deixasse revelar, a princípio. Dilma, ao notar que era observada pelo jovem atrás das moitas, caprichava nos movimentos de pura sedução.

Não houve demora nem cerimônias no encontro definitivo entre os dois jovens. Numa das tarde, não podendo mais conter-se, o moço arroja-se também no poço. Ela finge assustada, mas não foge das brincadeiras dentro da água nem dos abraços e enleios na areia. Os dois nus percorrem toda a escala da sedução: ele, afagando, beijando, roçando os lábios pelos seios de bicos túrgidos, as mãos passeando sobre a pele morena, dedos apalpando os recônditos do belo corpo de mulher. Ela, arfando e correspondendo aos beijos, entregando-se, as coxas se entreabrindo aos poucos, na ânsia de querer se entregar mais, ao mesmo tempo, querendo recusar a entrega.

O mês correu depressa. Leandro voltou às aulas e Dilma, então feita mulher, continuou a banhar-se no pequeno lago. As lembranças do moço que a transformara de moça em mulher eram agradáveis e ela fingia estar com ele ao seu lado, passando as mãos por seu corpo, enleando-se em si mesma como se presa pelos braços de Leandro.

Outros olhos substituíram os do rapaz na espreita dos banhos de Dilma. Luiz Inácio, vaqueiro a serviço do Coronel, havia descoberto o ritual da moça e a espiava atrás das moitas, com cuidado, não fosse a moça descobrir e denunciar ao pai. O cavalo, amarrado a pouca distância, pastava calmamente, enquanto o vaqueiro violava a moça com os olhos.

Um relinchar do cavalo, um susto da ninfa da lagoa e o descuido de Luiz Inácio provocaram o encontro entre os dois. A principio, ela correu, se escondeu e vestiu a roupa. Quando apareceu vestida, o peão a esperava.

= A senhora me desculpe. Não foi por querer. = Disse Luiz Inácio.

= Num tem nada a desculpar. = Ela respondeu

O homem não saiu do caminho.

= Se quiser, lhe dou uma garupa até a sede.

= Carece não. Vim a pé, posso voltar a pé.

A moça reparou no vaqueiro. Nunca tinha prestado atenção, era mais um empregado da fazenda. Mas ali estava um homem de feições rudes, barba crescida, cabelos desgrenhados e compridos que apareciam por sob a aba larga do chapéu. Os olhos claros e o sorriso singelo impressionaram a moça. Ela nunca tinha prestado atenção em homem nenhum, mas uma curiosidade levou-a a perguntar-lhe:

= Ocê é o Luiz Inácio, não é?

= Pra servir a moça. = Ele respondeu, tirando o chapéu, num ato de rude galanteria. = Todo mundo me chama de Inacinho. Pode me tratar assim.

= Olha, num gosto de ser vigiada não.

= A Senhora me desculpa mais uma vez. Não vai repetir não senhora.

Em casa, Dilma começou a devanear. Estava confusa e a lembrança de Laércio se transformava de repente em Luiz Inácio. Deu vontade de ir ao curral onde cavalos eram adestrados pelos peões, Luiz Inácio entre eles.

Ela já montara, mas poucas vezes até então. Uma tarde, estando Luiz Inácio sentado nos paus que formavam a cerca do “rodeio”, ela aproximou-se e pediu-lhe:

= Me deixa montar seu cavalo?

= Ele é meio arisco. = respondeu Luiz Inácio.

= Num tem perigo. Ocê fica por perto.

Ela montou e o cavalo não refugou. Deus algumas voltas pelo ao redor do cercado e saiu um pouco pelo pasto. Voltou logo, as faces afogueadas e os cabelos soltos ao vento, uma verdadeira amazona.

= A senhora monta bem. = Elogiou Tonhão, outro peão, um ruivo de olhos verdes.

A moça pegou interesse pelos cavalos, mas certamente para estar perto de Luiz Inácio. Obteve licença do coronel para cavalgar Ferrabrás.

= Mas presta atenção, é o cavalo da minha maior estima. = O patrão falou. = Só você e mais ninguém, ouviu?

= Pode deixar, coronel, não deixo ninguém nem chegar perto do Ferrabrás.

Mas foram palavras ao vento. Pois Luiz Inácio arriava o Ferrabrás pelo menos uma vez por semana para servir de montaria a Dilma. Ela cavalgava o magnífico cavalo como se ele fosse só seu, acompanhada de Luiz Inácio, que ia bem ao seu lado, a pretexto de ver um ou outro magote de bezerros recém adquiridos ou de bois gordos quase prontos para o corte.

Os banhos de Dilma na lagoinha continuavam. Luiz Inácio estava sempre lá, escondido atrás das moitas, olhando com cobiça a jovem. Era discreto e não queria ser apanhado novamente. Ela talvez soubesse, mas fingia nada ver. Até que um dia, ela disse, enquanto cavalgavam:

= Sei que ocê me vigia na lagoa todas as tardes que tomo banho. Amanhã, cê querendo, pode tomar banho comigo.

Claro que ele queria e foi.

Ela se despiu com naturalidade e entrou na água. Ele ficou observando, desajeitado.

= Vem!

Foi tirando as botas, a camisa e entrou correndo, ainda com as calças. Ela, numa risada inocente (melhor dizendo, provocadoramente inocente) espadanando água no rosto dele, brincou:

= Assim não vale. Fica pelado também!

Dentro da água, ele tirou as calças, que atirou na areia, ao lado da roupa dela.

As brincadeiras foram se tornando menos infantis e em pouco já era um jogo de sedução por parte dela e avanços por parte dele. Dilma fingia resistir, cada vez menos até que se deixou ser abraçada por Luiz Inácio e o abraçou também.

Saíram da água e rolaram na areia, por sobre suas roupas, em carícias e beijos. A nudez facilitou tudo. Ela sentiu a rigidez do membro do rapaz e ele percebeu a hora exata de possuí-la. Oferecendo-se, ela o recebeu e ambos chegaram ao gozo a um só tempo. Mais uma e outra vez usufruíram mutuamente o êxtase sem peias nem vergonha.

Saciados, separaram-se e trataram de vestir as roupas, úmidas e amarfanhadas.

Estiveram tão envolvidos entre si que não perceberam que estavam sendo observados por dois olhos verdes de alguém escondido seguramente nas touceiras de capim que cercavam a lagoa.

ANTÔNIO GOBBO

Belo Horizonte, 09.07.2009 –

Conto # 557 da Série 1.OOO Histórias

A CONTINUAR

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 29/11/2014
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