Ninguém dizia a Isabella o quanto poderia doer uma dor — nem mesmo a chuva que caía intensamente, naquele inverno doloroso. Ela sabia que, pouco a pouco e tempo a tempo, o que ela sentia e dizia doer, aumentaria. O seu primeiro machucado ou o seu primeiro braço quebrado, pareciam não doer, em comparação a separação de seus pais ou a vinda de um padrasto alcoólatra. Mas a morte de seu pai, causado por asfixia pela sua mãe, — sim — isso ela poderia dizer o quanto doía.

Foi durante esse período estranho e sobrecarregado de sua vida, que Isabella resolveu bloquear os seus sentimentos. O que ela sabia ou entendia ser amor, não existia mais a seus olhos. Aquele inferno que ela viveu, apenas lhe mostrou o que pessoas comuns não gostam de enxergar, o medo de estar só. A carência faz com que não saibamos definir o certo do errado, é comum ao nosso redor, pessoas mudarem de parceiros com o passar dos anos.

 Isabella não parece importar-se com o que vestir ou mesmo qual penteado usar, mas sempre limpa, extremamente limpa. Troca suas luvas diariamente e também suas peças intimas. Mas o seu cabelo, sempre do mesmo jeito, comprido e no estilo rabo de cavalo. A sua avó — Linda Rosenberg — acredita a neta não importa-se com os detalhes, pois está naquela idade, — dezesseis anos —Porém, o seu avô — Thomas Rosenberg — discorda, dizendo que sua neta não está naquela idade, pois aquela idade já se foi, com o passar do tempo.

Naquele inverno frio, a chuva dava uma pequena trégua. Isabella, que apenas observava pela janela, decide correr para fora e andar pela grama de seu quintal. Ela saltitava, para que não caíssem os orvalhos e aquele lindo brilho, que o sol fazia por entre as brechas nas nuvens, durasse por mais tempo. O sino dos ventos começava a balançar e, naquele inverno, o vento era o que mais causava dor.

Ela começa a correr em direção a sua casa, agora, sem importar-se com o orvalho, sem nunca olhar para trás. Mas, o sol que apareceu forte, bateu em seu rosto, fazendo com que Isabella desvia-se o olhar. Ela parou de correr e cobriu os seus olhos, com a mão, no entanto, por entre seus dedos, enxergou a sua caixinha de correio. Estava aberta e completamente seca e com um laço lilás amarrado na maçaneta. Aquilo realmente chamou a sua atenção. Isabella andou calmamente em direção a caixinha de correio, o vento começou a aumentar e ela cruzou os braços com mais força.

— Acho que posso aguentar... acho que posso. — A chuva começou a cair novamente.

Seguiu caminhando lentamente, o trajeto parecia ser tão imenso, o vento em seu rosto parecia cortar; o seu lábio arroxeado era belo e seus cílios, como lindas flores a sorrirem, com seus orvalhos.

— Entre agora menina! — Gritou Linda.

Ela parou por um tempo e, sem responder à sua avó, retomou o seu trajeto.
Enfim, chegou a caixinha de correio, ela estava vazia, assustadoramente vazia. Enfiou a mão ao fundo, mas de nada adiantou, a caixinha ainda estava vazia. Levou sua mão a boca e sentiu um cheiro doce vindo de sua luva.

— Vamos Isabella. — Linda apareceu com um guarda-chuva e abraçou fortemente sua neta. — Não se preocupe garota, a carta que estava nessa caixinha de correio não era pra você, nem para ninguém dessa casa.

— Mas havia uma carta vovó? — Ela perguntou em tom de ironia.

— Sim garota, mas uma carta com uma frase escrita com batom, não deve ser levada a sério.

Ambas entram na casa, Isabella retira as suas botas. — mais do que adiantaria retirar as suas botas se o restante das suas roupas está completamente encharcado — A senhora Linda segue para a cozinha, talvez prepare um chá. O senhor Thomas levanta-se de sua cama, acende um charuto. — pobre homem, mal sabe ele, o mal que isso faz.

— Amor, cadê o meu chá? — ele calça os seus sapatos — Ainda acha que eu vim morar em Halle — cidade localizada no estado da Saxônia-Anhalt — apenas para nadar no rio Salle? Cadê o meu chá, mulher? — insistiu o senhor Thomas.

— Fique quieto, velho! — ela coloca o açúcar na xícara de chá e derruba a metade, pois suas mãos tremem — Isso foi em mil novecentos e quarenta e três, seu nazista covarde!

— Ora, velha! Senhora velha, passaram-se apenas míseros setenta e um anos. Ainda sonho em nadar naquele rio. — Ele assenta-se na escada e encosta-se na parede.

Um barulho de estilhaço é ouvido, seguido de um grito, aquele grito não ficou preso em suas mãos, ele saiu por entre seus dedos, e cortou todos que o ouviram.

— Eu te disse garota, uma carta escrita com batom não deve ser levada tão a sério, e qual o mal que o espelho fez para ti? — Linda entrega a xicara de chá para o senhor Thomas.

— Isso garota, grite até rasgar a sua alma, igual a uma navalha que perfura um belo rosto, aos padrões de uma sociedade egoísta, que sinceramente, — Thomas faz uma pausa — apenas ama, as pessoas que as odeiam.

Ela corre rasgando aquele papel, desce as escadas, e como um felino ao ser atingido, pula seu avô Thomas.

— Que belo salto, garota. — Ele beberica o seu chá.

 A porta parece um enigma, seus dedos escapam da maçaneta, com tantos pedaços de papeis parece impossível de ser aberta, um pedaço escapa de sua mão e voa em direção à sua avó.
Linda levanta o papel a altura de seus olhos, enquanto Isabella destranca a porta e corre para a dolorosa e fria chuva de inverno.
 
“É estranho olhar para o céu e ver diversos pontos brilhantes, como podem brilhar certas estrelas sem existirem mais? Hoje você deixa alguma impressão na vida de alguém e, talvez, apenas talvez, ela te enxergue, não importa quantos anos passem.”
 
— Eu te avisei, garota — Linda fecha os seus olhos, e uma pequena lágrima desliza por sobre sua pele cansada — apenas de uma única chance ao amor, pois se realmente for amor, não precisará de uma segunda chance.

— Ora, velha! Esse chá está sem açúcar. — Linda segura o papel contra o peito.

— O gosto amargo te faz lembrar o que é estar vivo, quando seguimos o perfeito, esquecemos o que é viver. Apenas aproveite as pequenas coisas.
Senhor Thomas coloca sua xícara vazia ao chão.

— Eu também te amo velha. — Em sua xícara está uma palavra em polonês.
 
“miłość”.
 
Os pequenos pedaços de papel pairam sobre o ar, mas a forte chuva começa a derruba-los, um a um os pedaços são abatidos.
Aquele grito que Isabella havia segurado, parece tão eterno.
Talvez aquela frase que a senhora Linda recitou, não seja o motivo das lágrimas.
Por fim, a chuva parou de cair, junto com aquele grito, aqueles pedaços seguiram pela valeta, e ajuntaram-se aos pés de uma senhora. Mas Isabella não percebe a senhora sentada à calçada, por algum motivo, aquela mulher também se tortura, com a chuva daquele terrível inverno.

 — Vamos garota, levante-se. — Linda apoia sua neta pelo braço.

O anoitecer começa a surgir após o término da tempestade.
A garota Isabella abraça fortemente o seu travesseiro, tenta com suas forças arrancar a dor de seu peito, mas o quanto pode doer a dor de um coração apaixonado?

A lágrima quente escorre sobre o seu rosto, uma sutil sensação de carícia. Ela enxerga seu pai por detrás de suas pálpebras e, com o tic-tac do relógio, inicia-se o seu sono. E o sonho? É o seu melhor amigo.

 Podemos buscar insanamente um amor, mas como pode Isabella querer algo assim? Para ela, o amor é apenas o antônimo de desamor, pois, na vida, tudo tem dois lados; a felicidade e a tristeza; a junção e a separação.

Sem perceber que havia adormecido, o relógio a desperta. Por alguns segundos, o barulho irritante, fez-lhe esquecer o dia anterior. A imensa cortina preta bloqueia o lindo sol da manhã. Ela abre a janela.

— Bom dia! — Ela sorri, simplesmente sorri.

Ao virar-se, Isabella se depara com sua penteadeira; retira sua roupa de dormir e, apenas de calcinha, senta-se. Sem muito esforço, faz um simples penteado, — rabo-de-cavalo — passa um batom rosa e calça sua meia listrada, que lhe chega à altura dos joelhos. Para completar, o vestido, camiseta polo, — ambos pretos — e um laço amarelo, amarrado ao seu pescoço. Um cachecol extremante enorme, cobre os seus ombros.

O seu avô Thomas, esta adormecido ao sofá, enquanto a sua avó, Linda, ainda tenta adoçar o chá. Isabella, sem se despedir, segue para a escola.
A garota Isabella anda extremante feliz, o sol brilha nesse inverno e mesmo que ele não aqueça o seu rosto, ele sorri. O caminho de terra é o trajeto que Isabella sempre escolhe; ela desvia das poças de água, contando de um a dez e, na décima primeira poça, ela pula, simplesmente pula e, se a sorte trazer-lhe um imenso buraco, ela vai seguir para a escola molhada, no entanto, isso nunca aconteceu.

Ela encarou a décima primeira poça, parecia tão distante, seus olhos mal conseguiam enxergar, mas a garota correu o mais rápido que pôde e pulou o mais alto que conseguia, e então:

— Droga! Uma caixinha de correio.

Isabella havia molhado as suas meias, mas, realmente, aquela pequena caixinha vermelha, no meio de uma estrada abandonada, sem casas em nenhuma parte, era um afronto, um desafio do escrevedor de cartas; — era assim que Isabella descrevia o autor da carta que a fizera chorar —o laço amarrado a caixinha de correio era diferente do que estava em sua casa, dessa vez ele era da cor preta.
Ela começou a andar rapidamente, enquanto o sol se escondia entre as nuvens negras. Isabella abre bruscamente a caixa e retira uma carta.

 
Continua.