O atelier
Ela estava enrolada no tecido adamascado sob a pele nua, o cabelo estava preso por uma presilha, a silhueta delicada se fundia no vitral art nouveau. Era o último andar da casa, um pequeno estúdio que também servia de depósito, herança dos pais dele. As janelas davam para um bosque onde se misturavam plátanos, flamboaiãs e um frondoso guapuruvu. Vista de cima a paisagem parecia um imenso buquê, a casa em estilo inglês estava encravada neste verde.
Era inverno, ele acendeu a lareira, preparou o cavalete e as tintas, não podia perder a luz da tarde, por vezes, seus olhos se voltavam para ela, como uma estátua, estava imóvel, olhar fixo, o peito arfava levemente. Seria a primeira vez que posaria para o artista, ele tinha sido seu professor, mas nunca houve uma aproximação, nas fantasias que ela tinha, ele aparecia sempre. Ela amadureceu, mas mesmo assim existia certo constrangimento com a nudez, mas não podia abrir mão do convite. A última vez que posou, tinha 18 anos, cursava Artes Plásticas, era uma menina, isto era meio comum na universidade. O tempo avançou 15 anos, ele quase não mudou, só os cabelos pratearam, estava mais sério, ela ganhou corpo, seios mais fartos, coxas firmes. O sol formava uma linha rosada no horizonte. O Guaíba ganhava matizes acinzentados, só o catamarã cortava a mansidão do rio.
Beethoven penetrava a tarde, criando uma espécie de magia, Concerto para Violino e Orquestra, Opus 61. A cada nota o coração batia mais forte, não tinha coragem de encará-lo, seu olhar ainda estava cravado no jardim.
Ela sentiu o corpo dele mais próximo, as mãos determinadas desatando a presilha, desalinhando os cabelos, o tecido acetinado escorregando pelas costas, a pele se arrepiando. Como um pintor impressionista, ele procurava a melhor incidência dos raios de sol. A respiração dela era curta, entrecortada, podia sentir o coração pulsando sob a pele, agora voltava no tempo, estava com 18 anos. Foi tudo muito rápido, estavam de frente um para o outro, os corpos quase se tocavam, os olhares se cruzaram. Aos poucos o chão foi sumindo sob os pés.
O tecido adamascado ficou esquecido sobre o tapete. Quando a noite caiu, só o calor da lareira e Beethoven com seu Opus 61.