O Último Encontro
Recordo a luz a começar o dia no teu rosto e o tempo a tocar como uma harpa de silêncios sinalizando o espanto. A beleza era ainda um sono forte, boca de carne a abrir em curva sobre a dobra do amanhecer. Gemida a hora na orla do corpo, ainda livres todas as delícias, mil pássaros haveriam de nos cruzar a sede, apagar a força e deixar-nos ali pousados como estátuas morenas, paixão flácida, saciada e dormente, rasando a imobilidade, como uma morte breve. A vida, pastosa, só se anunciou no olhar verde, pousado na minha nudez. De pé, vestias sombras mutantes. - tenho de voltar, disseste. Em menos de nada deixei de ver a linha suave das costas, a rotunda força das nádegas e a firmeza das coxas. Quando te voltaste, caia uma cascata de cabelo sobre o rosto e vi, modelando o meu nome, o gesto dos lábios, as mãos estendidas, a tua silhueta a deslizar atrás da porta espelhada. Senti que descias, célere, para a rua. Voltavas para a tua vida. Para mim, foi como o estrondo de um tiro. Adivinhei-te a tombar, desamparada, na ausência. Nunca mais nos vimos.