Uma vez na sua vida

Os dois se conheceram em uma daquelas madrugadas onde ela pulava dos telhados para em instantes já estar nas baladas.

Dias onde ele tudo tinha mas nada lhe bastava... Tudo podia mas pouco realizava... Muito menos se sentir feliz... Quando ao conhece-la veio a sensação de que tudo isso mudaria...

Isso se fosse possível retê-la alguns instantes, tão fugidia se mostrava, pois lá foi ela até a jukie box colocar uma canção, que cantou olhando nos seus olhos:

(...)

Você quer o que é puro

Você quer o que é raro

mas embora seja jovem

parece um velho

Enquanto eu sou para sempre.

Você finge que não me ama

e eu finjo que nem te ligo

Olha ...

Eu sei que eu sou apenas uma garota perdida

Mas por favor, fique aqui

E eu te construirei um mundo

(...)

Quando acabou pediu que a levasse dali; antes queria passar em um prédio ali perto...

Ele pensou que ela quisesse pegar um casaco onde morava. Até que na rua Paim - nos labirintos de um treme-treme - prédio modernista construído na década de 50, que hoje mais parecia o pesadelo urbano de um arquiteto - chegaram no edifício 14 Bis onde ao lado do elevador havia uma fila...

Para subir para os apartamentos ele pensou...

No entanto esta era a fila dos drogados, à espera da vez com o traficante de crack, que atendia na escada. Quando imediatamente ele saiu dali: confirmando a impressão do início da madrugada, quando a conheceu, de que ali estava uma completa viciada.

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Saída da rua Paim onde o sinuoso condomínio 14 Bis parecia uma cobra de duas cabeças, com seus blocos - Caravelle e Demoiselle - cercados daquilo que a noite tinha de mais perigoso.

Quando ele entrou em uma rua residencial, final da rua Avanhandava, onde em frente a uma praça por fim ela o alcançou, depois de desistir da fila da droga, pois do contrário sabia que o perderia de vez.

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Praça onde havia um pequeno anfiteatro onde os dois conversaram, trocaram confidências, falaram de amor...

Até que ela se levanta - anda alguns metros, em direção a parte alta da praça - para de braços abertos dar saltinhos - girando o corpo no mesmo lugar - para assim imitar o voo das flores de um ipê de mais de mais de vinte metros de altura, que as dezenas caiam sem parar.

Flores que aterrizavam na calçada, feito pequenos helicópteros, para tingir a calçada de rosa. Espetáculo da natureza que acontecia naquela perigosa terra de ninguém, onde o crime e a decadência hoje davam as cartas.

Chuva de flores que não parou um só instante, com Érika agora deitada na mureta: divertindo-se em ver ele correr atrás das flores, para com o boné colhê-las, uma a uma, ainda no ar.

Último suspiro da flor do ipê que Denis oferecia a ela, flor a flor. Quando surgiu uma mulher à caminho do trabalho, para dizer no ouvido dela que aquela chuva de flores acontecia para abençoar o amor dos dois.

Eram cinco horas da manhã quando os dois saíram dali, com as flores ainda caindo sem parar, enquanto um casal de varredores de rua, de uniformes laranja, empurravam vagarosamente as suas vassouras. Com Parecendo ateh dois flamingos em meio àquele tapete de flores, sem pressa para acabar o serviço.

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Florada do ipê roxo que ocorre na chegada do inverno. Quando a árvore experimenta um estado de dormência, que faz com que as suas folhas amarelem e caiam, enquanto mirram os seus brotos.

Quando o inverno agravará a sua situação, com o forte calor do dia e o frio intenso da noite, para deixar o ipê roxo em estado de dormência. Ate que o sol calcinante dos dias de inversão térmica, e a completa falta d'água em suas raízes, vão colocar o ipê em alerta máximo. Para experimentar uma sensação de quase morte. Momento em que ele reunirá todas as suas forças para florescer e produzir as sementes que garantirão a sobrevivência da espécie. Êxtase que faz com que exploda em flores.

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Era a natureza, junto à praça e o seu anfiteatro, sinalizando que a luta de Érika contra a dependência química ali se iniciava. Para em meio a alertas máximos e sensações de quase morte, então, quando o inverno seguinte chegasse, na contra mão de todas as probabilidades o vício por fim estaria vencido e o amor dos dois triunfaria.

Madrugada que se encerrou tal como a promessa daquele verso no início da madrugada: " Eu sei que eu sou apenas uma garota perdida, mas, por favor, fique aqui que eu construirei um mundo para você".

Cine Astor
Enviado por Cine Astor em 02/10/2014
Reeditado em 14/05/2015
Código do texto: T4984461
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