A História de Lirio do Brejo

Era uma manhã cinzenta na roça. Os sapos coaxavam no brejo atrás da casa. Os grilos da noite, talvez achando que ainda era noite por causa da escuridão da madrugada, ainda cricrilavam suas canções e com isto atrapalhavam o sono da “Princesa do papai e da mamãe” que queria dormir mais um pouquinho.

Mimada ao extremo, Luzia queria somente ser feliz. Achava que morar na roça era ruim. Os sapos a incomodavam, as cobras eram assustadoras e os grilos eram azucrinadores. reclamava de tudo. As flores do campo, que para muitos eram a beleza sem par, que inspirava poesia, para ela eram motivo de deboche. Queria muito mais que isso. Queria casar com o príncipe das histórias que sua mãe lhe contava. Não conseguia entender a mãe, que saiu da cidade grande pra casar com o caipira do seu pai e viver nesse mato sem nada.

As histórias que a mãe lhe contava da cidade, os prédios, as casas de show, as feiras, cinemas, os teatros, as festas, tudo do bom e do melhor. Luzia vivia sonhando com tudo isso.

A cidade se chama hoje em dia de “Lírio do brejo”. Mas nem sempre teve esse nome. Foi por causa de tudo o que aconteceu que ela passou a se chamar assim. A Quermesse da igreja, para o povo de lá era o máximo dos máximos. Todo ano tinha pelo menos umas quatro quermesses. Lá a gente arranjava namorado e vestia o melhor vestido, que ficava guardado pra estas ocasiões. Mas Luzia tinha um vestido pra cada quermesse. A mãe dela fazia cada um mais lindo que outro. Por isso ela cresceu achando que era a princesa do lugar. Todos a chamavam assim. Alguns por deboche e outros por achar realmente que ela parecia uma princesa. Até o vilarejo era chamado de castelinho por causa da mania de princesa de Luzia e de todos dali com relação a ela. Ela gostava de um rapaz dali mas não o queria porque ele era caipira demais pra ela. Várias vezes o rapaz tentou cortejá-la mas ela sempre o desprezava por causa dos seus sonhos de princesa. Seu nome era armando e cresceram juntos desde a infância. Era pra ele que Luzia contava seus segredos. Mas sempre que ele queria beijá-la ela se esquivava dizendo que ele não era bastante pra ela.

Naquela manhã cinzenta, quando os animais do brejo a deixaram irritada, acordou de mau humor. Queria que o mundo explodisse em chamas coloridas só pra ver se ficava mais bonito. De tanto pedir a DEUS, parece que ou ele ou o Inimigo(que ouve todos os pedidos que Deus acha cedo pra realizar), resolveu atendê-la.

Eram sete horas do dia quando bateram na porta da choupana onde Luzia morava. A mãe dela e o pai, haviam saído pra roça logo cedo e recomendaram que não abrisse a porta pra ninguém, como sempre recomendavam. Mas ela resolveu abrir assim mesmo. Era um rapaz muito bonito que pediu um copo d'água. Ele se dizia caixeiro viajante. Luzia o convidou pra entrar e sentar. Deu-lhe a água da moringa. O rapaz disse que a água estava deliciosa. Até hoje me pergunto se ele estava com sede mesmo. Afinal era muito cedo pra sentir sede. O fato é que o tal moço bonito fez amizade com Luzia e voltou várias vezes a casa bem cedo, aproveitando a ausência dos pais da menina.

Luzia tinha 16 anos de idade e corpão de 18. Era muito bonita e daria uma boa modelo. Com a cabeça cheia de sonhos e fantasias, o papo do moço foi um prato cheio pra ela.

Saiam a tarde pra ver a lua nascer e Luzia tinha que mentir pra mãe dizendo que tinha se distraído e não vira a hora passar. A coisa foi ficando séria e a menina, ingênua se achando esperta, enganava os pais sempre. Eles nem desconfiavam que ela recebia alguém. A vida, vazia de trabalho, e cheia de poesia, da cabeça do tal moço, que imitava mil poetas pra ganhar o apego da menina, foi se tornando muito diferente.

Em Castelinho ninguém ouvira falar do rapaz que lhe deu o nome de Olbaid que para Luzia explicou ser de origem árabe. Ela acreditou pois acreditava em tudo o que ele dizia. Era o seu príncipe árabe perdido na roça.

Em pouco tempo, coisa de uns vinte dias, ela já estava no papo. Ele convidou-a pra ir embora pra cidade grande pois havia chegado a hora de partir e não queria seguir sem ela. Mas não queria que ela contasse nada para os pais, pois eles não permitiriam pois ela era menor de idade.

Luzia, foi embora deixando pra trás todo o amor de seus pais que a tratavam como princesa, pra fugir com um completo estranho. Deixando pra trás seus vestidos novos pra quermesse e seus amigos “caipiras”, acreditava estar fazendo a melhor escolha.

Escolhas geralmente são difíceis de se fazer. Quando estão entre o bem e o mal, parece que a resposta é sempre óbvia, mas não para cabecinhas ocas como a de Luzia. Seus sonhos de abandonar o brejo e seus habitantes inofensivos, era muito esperado. Faria qualquer coisa pra ir morar na cidade grande. Até acompanhar alguém que nunca havia visto antes.

E partiu sem levar nada para vestir ou comer porque achava suas vestes e comidas muito caipiras.

Até saírem de Lirio do Brejo, Olbaid era o perfeito príncipe encantado. Gentil, cavalheiro, delicado e cheios de parafraseados elegantes e bonitos. Pra Luzia ele era incapaz de fazer alguma coisa que a deixasse magoada ou enojada. Quando chegaram na cidade vizinha, na verdade a sede de Castelinho que era apenas um povoado na época, ele já começou a botar as manguinhas de fora. Soltou um pum perto dela que a deixou embasbacada. Porém, apaixonada, riu do Pum dele como se fosse piada.

Ao chegarem no restaurante pra comerem ele pediu tudo do bom e do melhor e ao terminarem perguntou onde era o toalete. O garçom indicou e ele foi pro toalete masculino e ela para o feminino. Quando ela saiu, não o encontrou mais. O garçon lhe cobrava o almoço e ela, sem um tostão no bolso, não pode pagar. Foi levada pra cozinha e teve que lavar pratos a tarde inteira pra pagar pelo almoço.

No final do dia , saiu do restaurante toda suja e pensou em voltar pra casa, mas o encontrou na primeira esquina. Ele lhe contou que houve um problema grave e teve que sair com urgência mas que iria recompensá-la. Acreditou nele mais uma vez e o seguiu. Quando lhe pediu para lhe comprar um vestido novo pois aquele estava todo sujo, disse-lhe que seu cartão estava bloqueado e que quando chegassem na cidade dele resolveria isso. NUnca resolveu. Luzia teve que lavar roupa pra fora pra comprar outro vestido e até pra comer.

Ele sempre falava do seu lugar e se referia a ele como o seu Castelo. Ela achava que era mesmo um castelo. Quando chegaram ao local era uma favela, mas ele falou que era bem no alto e começaram a subir o morro. Luzia nunca havia visto tanta pobreza e tantas vias estreitas na vida. Por onde andavam encontravam pessoas que pareciam felizes e gritavam logo de longe ainda

_E aí Lorota !!! Tá voltando Lóra? Qual é a boa Lorota? E aí por diante. No princípio ela não entendeu porque lhe chamavam assim. Ele disse que era um apelido carinhoso. Como ela não sabia o que isso queria dizer acreditou.

Subiram pelo menos por uma hora, até que chegaram em um barraco feito de madeira com gretas por onde passava o vento. Ela então se assustou e disse.

_É esse o seu castelo? E ele respondeu:

_ Claro, meu amor. Aqui não vai te faltar nada. Pode entrar e cuidar que a casa é sua.

Assustada e arrependida, Luzia quis voltar pra casa. Então ele foi muito rude com ela e disse que, não tinha ido tão longe buscar uma mulher, pra vê-la ir-se embora. Que tratasse de seus afazeres antes que lhe desse uma sova. Luzia não fazia ideia do que era uma “sova” mas preferiu não pagar pra ver, pois não gostou nem um pouco da cara dele, quando disse isso.

Limpou o tal “Castelo” que estava nojento demais. Tinha insetos por toda a parte. Mas o pior é que mesmo limpando e matando todos os insetos, no dia seguinte, apareciam outros.

O tempo foi passando e as coisas nada de melhorar. Luzia chorava todos os dias sem que Olbaid visse porque ele já batera nela várias vezes e poderia bater de novo. Estava acabada. Magra e com os olhos inchados de tanto viver a chorar. Parecia o espectro do que fora um dia. Olbaid saia as vezes e só voltava dias depois. Deixando-a sozinha. Uma das vezes que ele sumiu, Luzia foi a feira comprar verduras e lá encontrou um rapaz que a contratou pra lavar sua roupa. Ela já tinha várias freguesas e por isso tentou recusar, mas ele insistiu tanto que ela resolveu aceitar. Precisava do dinheiro porque Olbaid não lhe dava nada e ainda queria comer e beber as custas dela.

O rapaz era muito gentil e sentiu pena de Luzia. Ela contou-lhe sua história e ele resolveu ajudá-la. Foi esse rapaz, que se chamava Ângelo, que lhe contou o verdadeiro nome de Olbaid. Ela procurou os documentos dele pra confirmar mas nada encontrou.

Ângelo disse que todos o chamavam de Lorota que quer dizer Mentira. Mas Luzia já desconfiava disto porque ele vivia de dar golpes em todo mundo, e vestia-se bem porque era um gigolô e as mulheres o vestiam assim. O barraco dele era muito visitado antes de Luzia chegar e por isso ele as vezes ficava com raiva dela. A linda princesa que ele trouxera tinha virado a própria “Moura Torta.

Ângelo se tornou amigo de Luzia e ela tinha a impressão de já tê-lo visto antes. Ele foi se aproximando, a carência dela foi falando mais alto e logo os dois estavam apaixonados.

Estavam brincado com o fogo. Num anagrama do nome de Olbaid Luzia viu o nome dele . Ele era mesmo um DIABLO. Mas o amor quando mexe com a gente, faz esquecer a prudência. Foram tantos encontros que ele descobriu e resolveu acabar com a festinha dos dois.

Antes que acontecesse alguma coisa grave com Luzia que a esta altura, já era muito querida na favela, uma patroa que lhe dava roupa pra lavar, avisou-a que Lorota já sabia. Fugiram logo pra bem longe. Luzia novamente não levou uma peça de roupa.

Queria voltar pra casa mas não tinha coragem de chegar em castelinho com aquela cara de Moura Torta. Era a princesa de lá e não queria mudar isso. Sempre que pensava nos pais lhe vinham essas dúvidas. Será que alguém ainda lembrava dela??!!

E seus pais, ainda estariam vivos. Será que sofreram muito com a fuga dela!? Por incrível que pareça, o sofrimento dela foi tanto que não tinha tempo de pensar nos pais. Apenas sentiu falta do conforto que o lar lhe dava.

Sofreu agora, pelos pais e pelo que fizera a eles. Sentiu tristeza e lembrou-se dos sapos e grilos que cantavam pra ela todas as noites e manhãs. Como queria ouvi-los agora!!!

Em Castelinho, as coisas foram estranhamente tristes. Seus pais, nunca acreditaram que Luzia tinha fugido deles. Rezaram muito e convocaram toda a cidade pra rezar por ela e trazê-la de volta. Foi construída uma igreja maior para que todos pudessem rezar juntos. Fazia um ano que Luzia tinha ido embora, mas o povo não desistia. Ela era considerada uma santa. A princesa deles. Lá não havia internet, telefone e nem jornal. Nem na sede havia nada disso. Por isso as notícias de fora não chagavam até eles. Como Luzia sempre falava dos sapos e grilos, sua mãe achava que eles eram a paixão da menina.

_Minha filha adora esse brejo!! Ah! Meu DEUS, devolve o meu lírio!!!

O povo repetia como oração. Todos os dias era a mesma coisa. Esperavam Luzia voltar coberta de glórias como uma santa do céu.

Luzia acompanhou Ângelo que era gentil com ela. Um pequeno comerciante. Vendia coisas num pequeno armazém que construiu numa cidade longe de Castelinho e da favela onde Luzia lavara suas roupas. Ela se tornou uma dona de casa exemplar. Cuidava muito bem da casa e do armazém. Limpava tudo com capricho. Dez anos se passaram. O armazém virou um supermercado e o marido resolveu abrir uma filial. Escolheria uma cidade nova onde ainda não tivesse um supermercado e ali se instalaria pra não correr risco de ser assaltado. Luzia não se cuidava. Era a dona de tudo mas o orgulho da princesa fora quebrado. Não deu palpite na escolha do marido.

Quando DEUS quer atender a um pedido, atende. O povo rezou tanto que DEUS deu na ideia de Ângelo, de abrir uma filial logo em Castelinho, que estava se emancipando na ocasião com outro nome.

Ele não citou o nome do lugar pra ela, mas disse que era promissor. Partiram pra lá deixando um gerente na cidade grande. O lugar era mesmo muito bonito e tinha um brejo ao lado da rodovia quando passaram. Ouviria o canto dos sapos e grilos. Luzia não reconheceu o lugar. Estava muito mudado. Tinha uma praça bonita com uma estátua de uma santa. O rosto parecia familiar mas ela não se lembrava da santa. De vez em quando alguém levava flores pra a santa e rezava aos pés da imagem.

Ela também estava muito diferente da Luzia que deixara Castelinho. Estava magra e envelhecida. Seu marido a adorava e procurava compensar seus esforços com carinho e dedicação. Luzia não queria se arrumar, mas ele não se importava porque ela era muito carinhosa com ele e cheia de cuidados. As pessoas pensavam que ela era empregada dele.

O lugar se chamava Lirio do Brejo. Luzia gostou logo das pessoas dali e como não participava da vida social do lugar, não encontrou com suas amigas de infância. Elas estavam casadas porque por ali as pessoas se casavam cedo.

Um dia alguém lhe disse que a santa não era uma santa na verdade. Era uma moça que morava ali. Alguns achavam que ela havia sido abduzida, outros que tinha virado santa e outros que ela tinha sido sequestrada. Seus pais tinham dinheiro guardado e usariam pra fazer o enxoval da moça e construir casa quando ela se casasse, mas como isso não aconteceu, usaram o dinheiro pra comprar tudo que estivesse a venda. Seus pais se tornaram prefeito e primeira dama da cidade e eram donos de quase todo o lugar. Mandaram fazer a estátua e sempre vinham rezar pra ela voltar. Amavam tanto esta filha que transmitiram esse amor pra todo o povo do local.

Luzia ouviu esta história sem acreditar. A santa seria ela? Correu a praça pra olhar a imagem de perto. Aos pés da estátua leu na legenda a frase:

“Meu Lírio do Brejo”

“Senhor DEUS faça ela voltar!!!!”

Luzia ajoelhou diante da estátua e chorou muito de arrependimento. Era ela mesma. A estátua era seu rosto de menina. Agora, olhando no espelho percebera porque ninguém a reconhecia. Estava mudada demais. O que fazer? Procurar os pais e destruir a imagem pura dela diante deles e do povo? Como ficaria o coração deles? Agora sabia o que era o amor verdadeiro e que as coisas mais simples tem muita importância. O amor de seus pais era incondicional. Nunca duvidaram do amor da filha mesmo diante de tantas evidências. Queria poder abraçá-los mas não tinha coragem.

Contou tudo pro Ângelo e ele resolveu ajudá-la. Pode deixar que você vai ver como as coisas se resolvem. A mentira nunca é uma boa saída. Haveremos de conseguir dar um jeito nas coisas sem magoar ninguém. Confia em DEUS e espera.

Todas as tardes Luzia ia a igreja mais próxima rezar a DEUS pra dar um jeito na situação dela. Queria muito ver seus pais. Num desses dias, estava rezando quando se aproximou uma mulher vestida simplesmente, mas com uma certa elegância, comparando-se a moda local. Sentou-se ao lado de Luzia e disse a ela que queria lhe falar.

Estavam marcando uma oração para aquela tarde, em frente a estátua da filha dela. Queria saber se poderia contar com ela. Com lágrimas nos olhos, Luzia então reconheceu a mãe. Uma fortaleza. Rugas a mostra. Ela estaria então com cinquenta anos de idade, segundo seus cálculos, mas aparentava ter pelo menos sessenta. Seu coração não aguentou e chorando lhe disse:

_Porque quer de volta alguém que a abandonou?

_Uma filha não abandona os pais. Ela deve ter sido forçada a isso.

_ Não!!! Ela não foi forçada! Ela era muito burra pra saber, pra entender que o amor de seus pais era muito melhor do que qualquer outro!!!

_Não fale assim da minha filha. Ela era inocente.

_Não! Ela não era inocente, mas pagou caro pelo seu pecado.

Nesse momento a mãe olhou nos olhos da filha e disse:

_Pensei que nunca fosse admitir isso. Sempre soube a verdade. Uma mãe sempre conhece a filha. Eu sabia que um dia você voltaria. Mas não queria que a recebessem mal.

Luzia abraçou a mãe e chorando lhe pediu perdão. Contou tudo o que passou e a dor de sua mãe foi maior do que a dor que lhe causou com a sua fuga. Ambas odiaram àquele maldito mascate.

A oração na praça aconteceu pois, já estava marcada, mas desta vez foi de ação de graças. Luzia foi apresentada ao povo que deu graças a DEUS. A estátua de Luzia ficou no mesmo lugar. Só que a frase foi mudada. Agora dizia assim:

“Meu Lírio do Brejo voltou”

“No Senhor DEUS tudo é possível”

E a partir daquele dia, se espalhou que Luzia Voltou, por toda a região. A cidade passou a se chamar oficialmente de “Lirio do Brejo” O povo acreditou mais em DEUS, e Luzia aprendeu a maior de todas lições de amor: É na simplicidade do amor da família que está o verdadeiro amor. Quem ama sua família não precisa passar por nada que ela passou.

A natureza cantou em festa naquele dia. Os sapos, os grilos e as cobras pareciam estar mais alegres com a volta de Luzia. E ela cantou com todos eles. Agora parecia realmente música para seus ouvidos.

FIM

Nilma Rosa Lima
Enviado por Nilma Rosa Lima em 18/09/2014
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