Cabelos compridos
Ele a queria de cabelos compridos. Nunca admitiu nem negou que o desejo tinha raízes nas figuras femininas que povoaram sua infância. A avó que lhe reservava um lugar especial, distinto dos outros netos. As tias que faziam frente aos homens na cata do café e ainda tinham energia para o baile depois do banho. As primas que nos espaços perdidos do cafezal usavam as mãos dele como extensão das suas na busca do prazer mais íntimo. Descendentes de italianos, mulheres altas, fortes e claras, tinham a cascata de cabelos castanhos ou aloirados e os olhos de gato. Ela não se parecia nada com isso. Pequena, pele amorenada, uma mistura indistinta de branco, negro e índio, já tinha sido mais magra e mais gorda também. A idade não se revelava na pele elástica e bem cuidada. Sorria com os olhos e mordiscava a boca larga, de lábios carnudos. Os cabelos já haviam sido mais longos e mais anelados. Ela os trazia sempre leves e limpos, com odores frescos e verdes, mas curtos para o desejo dele. Ele também queria um jeito diferente de chamá-la e ela, que gostava do próprio nome, achou estranho, mas afinal, que mal fazia? Chamou-a de Preta, Pretusha, Negusha. Os termos lembravam chamamentos carinhosos de sua própria família: Negrinha, Preta. Gostou. Assim era a mãe dele: morena, sertaneja e forte, figura distante daquele imaginário de mulheres europeias, mas camponesas também... Mulheres que ele admirava, mas que se distanciaram dele no tempo, nunca preenchendo um vazio interminável. A ausência da namorada da infância, roubada da vida de um jeito que nada explica nem compensa e nem acalma. Por horas intermináveis haviam sonhado o futuro que nunca chegou. E a paz que ele buscava permaneceu sobrevoando a lembrança, mas nunca se acercou dele para ficar.
Desde o primeiro momento pressentiu que as asas dela cintilavam inquietas como o seu próprio coração e quis tê-la. Ela pousou delicada por várias vezes em sua pele, gostava de senti-lo entregar-se e buscava por ele. Parecia enfim que o tempo de reunirem-se havia chegado. Parecia enfim que a história que estava suspensa seria não apenas contada, mas vivida. Ele acredita que ela voou e nunca se permitiu amar. Ela acredita que ele a pretendia vestida de uma outra que não ela.
Nem ele nem ela encontraram paz. Ele nunca chegou a saber que ela passou a colecionar fitas e elásticos para prender, no alto da cabeça, a massa escura de cabelos que decidiu deixar crescer. Ele a queria de cabelos compridos.
Raquel Domingues Pires – 11/09/2014.