Sob efeito de veneno
Texto postado em 09/05/2008 quando pretensiosamente, eu sonhava ser escritor.
Sob efeito de veneno
Foi numa tarde de agosto. Chovia muito e o frio era intenso, a noite se aproximava e tudo parecia igual. Igual a todas as tardes que eu passara por aquela avenida.
Mas aquela não seria uma tarde comum. Avistei sua silhueta mais uma vez, naquele mesmo ponto de ônibus, dando a impressão que por alguém há muito tempo esperava. E certamente não era por mim.
Num impulso, que por várias vezes havia evitado, parei o carro naquele lugar. Talvez num ato de insanidade convidei-a para que entrasse no carro, sem temer pela negativa da resposta.
Aquele momento parecia interminável, considerando nossas distâncias. De um lado ela até então completamente desconhecida e de outro eu, num momento de tentar decidir ou descobrir o que ela realmente representava.
- Sim, para onde vamos? Respondeu.
Para onde vamos?! Perguntei a mim mesmo, surpreso pela tão inesperada e desejada resposta.
Foi quando dei por conta o quanto ela era atraente fisicamente: Olhos negros enormes, rosto bem definido, seios fartos e um corpo escultural dentro daquele vestido vermelho. Esbanjava sensualidade.
Já a algumas quadras daquele lugar é que percebi que naquela noite nossos destinos estavam delineadamente traçados.
- Temos que beber algo. Falei finalmente.
- Temos? Perguntou ela.
- Sim! Por quê? Você tem algo contra?
- Nada. O que você sugere?
A chuva fina insistia. Não houve resposta, mesmo porque uma ação rápida era a melhor forma de continuar aquele diálogo.
Quase que como um autômato, direcionei o automóvel para o meu bairro.
- Você sabe para onde vamos? Ela perguntou, sem muito interesse.
- Não! Menti. Mesmo porque sabia que para ela o lugar pouco importava.
A cada quarteirão uma sensação de poder e domínio se apoderavam de mim.
- Posso acender um cigarro? Perguntou ela, desta vez com um pouco mais de interesse e uma dose de insinuação.
- Um cigarro! Tentando-me desvencilhar daquele estado de inibição. Justamente eu que tinha o cigarro como hábito naquelas ocasiões, esquecera-o completamente.
Foram suficientes dez a quinze tragadas para chegarmos ao nosso destino.
Tudo parecia mágico, mesmo considerando o ambiente, as pessoas e aquele lugar, antes tão familiar.
Neste momento tive uma sensação de que eu estava prestes a cometer uma grande besteira. Alguns casos de roubo, assassinato e envenenamento tão explorados pela mídia, passaram como um rápido filme pela mente.
Inútil, não havia retorno. Em alguns minutos estávamos no interior de meu apartamento.
O tempo era nosso melhor aliado. Nada com que se preocupar a não ser aproveitar toda aquela noite da melhor maneira possível. Liguei a TV, sem nenhum interesse.
- Vinho? Perguntei.
- Pode ser! Respondeu. – Desde que seja dos bons!
Ao menos disso eu estava seguro. Por ser apreciador de vinhos, tinha de várias marcas e de várias nacionalidades.
A primeira garrafa chilena, terminamos quando já havíamos nos livrado do incômodo da maior parte de nossas roupas. Na segunda, estávamos praticamente despidos, havíamos nos beijado por diversas vezes e sentíamos que uma atração cada vez mais ardente se apoderava de nós.
A essa altura já tinha provado aquele veneno e queria muito mais. Tudo parecia perfeito!
Só havia um caminho, e era inevitável. Estava completamente envolvido e finalmente tudo se consumou como eu antes havia imaginado.
Os ponteiros do relógio já haviam percorrido várias horas e já passara da meia noite.
Encontrávamos na cama e após aquele longo período de descanso, tudo recomeçou.
Impossível calcular o tempo que aquele momento durou. Exausto, caí em sono profundo, dando conta do que se passara somente por volta das cinco horas da manhã, quando finalmente acordei.
Notando sua ausência, resolvi chamá-la. Só então percebi que não perguntara seu nome.
Levantei-me e percorri os demais cômodos do apartamento numa procura inútil.
Havia ficado apenas um cheiro agradável no ar. E eu o sinto até hoje.
A primeira sensação que tive é que havia sido roubado. Não. Tudo parecia em ordem, mesmo o dinheiro e cartões em minha carteira, celular e outros pertences.
As garrafas vazias, objetos fora de lugar e o desalinho da sala e quarto, atestavam que tudo aquilo estava longe de ter sido um sonho.
Seu perfume continuou a residir por ali, por muitas e muitas noites.
Continuo trafegando por aquela mesma avenida, quase que diariamente, e ao passar por aquele ponto, tenho a sensação de que vou vê-la novamente. Porém jamais isso ocorreu. É quando tenho a impressão cada vez mais nítida de que naquela tarde fria e chuvosa de agosto, era sim por mim, que ela esperava.