380-A RIVAL- Drama de amor
O homem suportava com estoicismo as cacetadas que o policial lhe infligia. Antes os pontapés e os golpes dos cassetetes dos soldados do que cair nas mãos da multidão. De fato, a turba exaltada o havia perseguido por alguns quarteirões, aos gritos de Pega o bandido! Pega! Se o alcançassem, seria estraçalhado. O carro da Patrulha Policial, chamado pelos que haviam presenciado a barbárie, alcançou-o antes da turba ensandecida.
Descuidara-se, por isso tinha de pagar. Agora, de nada vale a sua devoção a Oxum, do qual copiara o nome. Sim, Zeca de Oxum era um nome imponente. Granjeara fama, poder e muita grana, isto era verdade. Também de nada valera a perícia na capoeira. Apesar de ter derrubado um, com uma tesoura voadora, fora dominado pelos dois outros meganhas. E, então, tome porradas. Ficaram mais putos pela tesoura que dei em um deles do que pelo que fiz ali na esquina.
Essa mulher não presta. Pressentiu uma desgraça no dia em que pela primeira vez pôs os olhos em Lindaura, há pouco mais de um mês. A moça era do interior e morava em Salvador há tempos. Miúda, morena, de cabelos longos e olhar de mormaço, trabalhava como caixa em um restaurante na orla da praia. Zeca de Oxum observou o jeito sedutor de sua conversa; o suave requebrar das ancas bem proporcionadas; tudo na morena era tentação, cheirava a amor e sedução.
A multidão havia presenciado a violência inaudita do crime. A moça estava telefonando num orelhão na esquina movimentada, quando um homem alto, forte, aproximando-se por trás, sacou de uma faca ou punhal, e passou a desferir golpes nas costas da moça. O sangue, escorrendo pelas diversas feridas, ensopou sua roupa. Ouviu-se apenas um grito agudo, emitido pela moça na primeira facada. O homem não parou de golpear nem mesmo quando ela desabou ao chão, contorcendo-se em dor.
Demorei demais, não devia ter esperado pra ver se ela tava mesmo morta. Tudo foi rápido, mas não o bastante para evitar que muitos transeuntes se ajuntassem ao redor e que alguém telefonasse para a polícia. A viatura policial não devia estar longe, pois logo se ouviu o gemido da sirene do carro se aproximando.
Porra, tenho de fugir! A multidão estava bestificada pela surpresa e abriu alas para o assassino fugir, ameaçada pela arma da qual pingava sangue. Mas, assim que ele saiu do círculo de assistentes, estes se deram conta da fuga e passaram a correr atrás do matador.
O carro da polícia ultrapassou os perseguidores e logo alcançou o fugitivo. Zeca corria em longas passadas, ainda segurando a arma do crime, mas foi inapelavelmente abalroado pela viatura, que o atirou a alguns metros, na calçada.
Esses cabras vão se haver com meu poder, juro que vão. Colocado na parte traseira da viatura, sentindo as dores causadas pelo atropelamento e pelas cacetadas, rememorava as ocasiões em que encontrara com a moça, não para satisfação própria, mas para ver seus hábitos e horários, a fim de por um fim àquela situação.
— Ora, você está inventando coisas. — Afirmara-lhe seu amigo Rodrigo, com ares de verdade.
Mas ele acreditava mais na sua intuição. Por isso, tivera a certeza de tudo o que intuía e a prova de que Rodrigo e Lindaura estavam de rolo. O ciúme queimava mais do que os ferimentos. A carne sofria, mas nada era comparado com o sofrimento que sentia no coração. Só viu esta maneira de acabar com o namoro de Lindaura e Rodrigo, seu amado companheiro.
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Antônio Gobbo – BH, 28.12.2005 –
Conto # 380 da série Milistórias –