DIÁRIO DE UM BLEFE - PARTE 2
Os primeiros dias seguintes foram bem lúdicos para mim, pois eu estava totalmente encantada por aquele homem, mas sentia-me frágil e sensível tão quanto era a nossa relação, pois lá no fundo eu sabia que se Dalila sentisse qualquer dor no dedo mindinho do pé, ele iria correndo cuidar dela. E era o certo a ser feito, pois totalmente errada e intrusa naquela história era eu e eu somente, e era assim que me pesava a consciência constantemente. Fora este desconforto e incômodo, tudo parecia ir muito bem entre nós e eu me sentia cada vez mais encantada por Henrique, principalmente depois que ele passou a dizer que me amava. Mas, como a vida não chega nem ser um mero esboço de um conto de fadas, logo o nosso relacionamento começaria a sofrer as consequências de um relacionamento da vida real.
Entrávamos todas as noites no site e quando por algum motivo ele não podia entrar, Henrique não tinha o hábito de me avisar para eu não o esperar. Simplesmente ele não aparecia e quando eu o via “on line”, ia imediatamente falar com ele. Para ele tudo era bem natural e normal não me avisar nada, não me comunicar nada. Chegamos a nos desgastar muitas vezes por esses mesmos motivos, pois eu não exigia nenhuma satisfação da vida dele e coisas do tipo, já que não tínhamos nada oficial. Eu apenas tentava fazer aquele “cabeça dura” (assim eu o chamava quando nos desentendíamos), entender que eu tinha outras coisas para fazer também. E deixava de lado até mesmo as brincadeiras com o meu filho para poder ficar com ele no site. Ele sempre entendia na hora, mas voltava a fazer as mesmas coisas, até que chegou um determinado momento em que eu passei a respeitar e entender que esse era o jeito dele, e quem tinha que começar a mudar, era eu e não ele.
Nosso relacionamento tinha muitas idas e vindas e quando estávamos bem, era sempre eu quem ia atrás dele, quem o cumprimentava e quem puxava assunto. Mas quando por algum momento eu me isolava por estar cansada ou triste e agia de maneira diferente da habitual, ele sempre vinha falar comigo com muito carinho. E foi assim que descobri que ele sentia carinho por mim sim, que se preocupava, que não era um homem frio, mas era tão somente mesmo o jeito dele ser. Hoje eu confesso que manter um relacionamento à distância é muito complicado e difícil, pois a meu ver, tudo parecia surtir um efeito duplamente mais forte que um relacionamento convencional. Se a saudade batesse, eu não poderia pegar o carro e virar a esquina para ir saciá-la. Se brigássemos, não poderia aparecer para ele toda bonita e produzida para amolecer o seu coração e pedir desculpas. Os homens sentem estas necessidades de um contato físico muito mais que nós mulheres, e justamente por não ser capaz de suprir isso tudo, é que fazia com que o meu ciúme e a minha insegurança também aumentassem. Sem contar o fato de que ele e Dalila mesmo brigando muito, só davam um tempo no relacionamento e nunca davam um fim definitivo na relação. Esse era mais um dos motivos que tornava a minha consciência tão pesada quanto o nosso relacionamento, pois eu por mais que tentasse por um fim no mesmo, sentia-me totalmente sem forças para recusar Henrique quando ele se aproximava de mim. Já acostumada com todo o enredo e situação, nosso relacionamento entrou em outra fase, na qual veio a desencadear uma série de eventos que com certeza marcaria mais um término da nossa relação e quem sabe seria este o definitivo.
Nossa maior conexão era literalmente pelo site, pois morávamos muito distantes um do outro e Henrique não era muito amante de telefones e tão pouco dessas tecnologias modernas de serviços de mensagens on line. Víamo-nos em média umas três vezes por mês e tinha mês que não nos víamos, mas quando o encontro acontecia, com certeza fazia valer à pena o tempo da espera e da saudade. Com o passar do tempo nossa ligação deixou de ser só amorosa e passamos a fortalecer a nossa relação como parceiros de jogos de buraco. Ele como coordenador de eventos deste tipo na cidade em que morava, tinha conhecimento de muitos torneios e campeonatos em outros Municípios. Disputamos vários deles e a pior colocação que obtivemos, lembro-me ter sido em terceiro lugar, onde cada um ganhou além de medalhas, prêmios. Geralmente terceiro lugar ganha isso, premiações com dinheiro e viagens ficam para o primeiro e o segundo lugar, sendo que mesmo assim, depende muito do torneio. Ele sempre me dava a parte do prêmio dele, só fazendo questão de ficar com os troféus. Eu perguntava por que ele me dava a parte dele e ele sempre respondia que era porque eu tinha jogado melhor que ele e tinha merecido. Eu dava risadas, pois sabia que era um mentiroso. Tudo bem, eu era uma boa parceira sim, mas eu era uma mera pupila diante de um gigante do carteado. Esses momentos eram bons... Os passeios, as hospedagens em pousadas e hotéis... Mas, assim como na estória de Cinderela, tudo aquilo tinha tempo e data marcada para terminar. Eu sei que é estranho dizer isso, mas eu sempre me encontrava com ele com um sentimento de ser o último encontro e me despedia dele com o pressentimento de adeus dentro do peito.
Todo jogador do site tinha no seu perfil o tempo em que ficou conectado e um caderno de partidas com o histórico das mesmas, no qual continha o tempo, a quantidade das partidas, e o principal de tudo, os Nicks dos parceiros e dos adversários. Um dia, observando o caderno de partidas dele, notei que havia uma jogadora que sobressaía mais jogando com ele, isto é, contra ele no caso. Eu questionei e queria saber se eles conversavam enquanto jogavam na mesa, até que ele confirmou que ela era amiga dele há muito mais tempo que eu. Eu fiquei enciumada, meu rosto ficava quente, ondas de calafrios me subiam o tempo todo quando o assunto era a tal jogadora. Ele insistia em dizer que não tinham nada, que eu não devia colocar coisas na cabeça, enfim. Então para evitar os estresses que estavam sendo gerados, eu propus a ele que quando caísse aleatoriamente na mesa com ela, que não clicasse para jogar com ela a partida seguinte. Ele não concordou muito, mas disse que ia fazer. Eu relaxei, mas por pouco tempo, pois ele não cumpriu o nosso combinado. Muitas vezes eu entrava no site e ele já tinha jogado com ela sem interromper as partidas seguintes. Então nossos atritos foram se intensificando. Eu perguntava qual era a dificuldade dele em atender um pedido meu, já que dizia me amar e ele por fim insistia nas mesmas respostas de sempre. Que era porque ele não achava sentido nesse meu pedido, que eu não tinha que desconfiar dele, que o meu ciúme era infundado, que ela morava em outro Estado e sempre terminava dizendo que eram só amigos. Ele podia dizer isso tudo que eu me contentaria se não fosse a parte que ele mencionava que se sentia desconcertado para rejeitar os pedidos dela para jogar outras partidas.
Eu tinha os meus motivos para desconfiar de Henrique, já que tinha fama de ser galanteador no site, mas sua fama não passava disso. E tinha motivos de sobra para desconfiar muito mais da mulherada daquele site, pois muitas eram impecavelmente despudoradas. Henrique era homem de blefes... Pelo menos nos jogos nunca vi alguém tão bom com esta técnica, e tinha minhas dúvidas se a mesma se estendia na sua vida pessoal, mais particularmente falando, ao nosso relacionamento amoroso. Intrigada com isso tudo, um dia resolvi fazer algo imperdoável da minha parte, para poder descobrir algo imperdoável da parte dele. Dizem que chumbo trocado não dói... Ah, dói sim! Resolvi seguir o alerta da luzinha vermelha que acendia constantemente em minha mente e fiz algo que jamais havia imaginado fazer um dia. Eu criei uma conta fake com o perfil de uma mulher jovem e muito bonita para tentar atraí-lo e saber de uma vez por todas qual era a sua reação nos bastidores dos jogos.
A princípio ele nunca puxou conversa e nem mesmo uma saudação partiu dele. Com esta fake chamada Tereza eu comecei a puxar assuntos e posteriormente mostrar-me interessada na pessoa dele. Para esta fake ele dizia a verdade, que tinha uma namorada, mas que achava que iriam terminar, pois segundo ele as nossas brigas estavam se intensificando muito. Com o tempo, Henrique começou a elogiar demais a beleza da fake Tereza e também se mostrar interessado por ela. Tudo ficou muito confuso em minha mente, pois ao mesmo tempo “nos bastidores”, Henrique insistia em dizer que me amava e não entendia o porquê de estar tão distante e fria com ele. Eu logava com as duas contas para que ele não desconfiasse que a tal fake pudesse ser eu, já que ele era um homem muito inteligente e esperto também. Bom, pelo menos esperto eu achava que sim...
Fiquei conversando com ele por meio da Tereza por volta de um mês mais ou menos e apesar de nunca ter marcado um encontro com ela, Henrique esfriou bem o relacionamento comigo. Ele dizia que eu estava fria com ele, mas como eu poderia estar explodindo em paixão sabendo de todos aqueles elogios para outra mulher? Eu estava era fervendo em ciúmes, com uma mistura de sentimentos de raiva, tanto por ele quanto por Tereza. Mas, como era possível eu sentir tanto ciúmes de uma mulher que nem existia? Achava que estava ficando louca, mas resolvi mergulhar nesta trama para ver até onde ele seria capaz de ir também.
Até que um dia cansada de tanta encenação resolvi acabar com aquilo tudo e o chamei para jogar isoladamente com a Tereza, e ele aceitou. Só que na hora de jogar com ele, quem entrou na mesa fui eu Ângela com minha própria conta. Então a primeira coisa que ele disse foi:
- Todo o tempo eu sabia que era você, Helena!
E eu respondi:
- E todo o tempo eu sabia que essa seria a sua resposta, Henrique!
Henrique sempre me chamava pelo segundo nome quando estava chateado comigo ou quando discutíamos, e quando acontecia o contrário eu era seu doce anjo chamado Ângela. Então, naquele momento sanguíneo eu o chamei de alguns nomes, ocorreram alguns desafetos e exclamei que nunca mais voltasse a me procurar. O excluí de ambas as contas e a partir dali tudo passou a ser nublado nos meus dias.
Os primeiros dias foram ruins e os posteriores também. Ficava pensando se o que tinha feito foi correto e uma mistura de sentimentos como raiva e culpa me inundaram o ser por meses. Eu entrava assiduamente há dois anos naquele site, e entrar ali pra mim tinha perdido a alegria e o sentido também. Mas, sentia falta de algumas das poucas amizades verdadeiras que fiz por lá, mas entrar naquela conta era difícil demais, pois as pessoas que me viam "on" ficavam me chamando para jogar e perguntavam por Henrique também, e caso eu ficasse "off" não poderia conversar com quem de fato eu gostaria. Foi então que uma amiga nossa em comum, Luciana, me emprestou uma das contas dela e disse que eu poderia entrar e jogar o tempo que precisasse. Não era mais vício, eu jogava com os robôs quando me sentia triste, pois me ajudava a pensar, servia como uma espécie de terapia para mim. Fiquei por um tempo com a conta desta amiga e fiquei atenta aos passos de Henrique no site durante dois meses. Ele permaneceu jogando, aliás jogava como um louco de manhã até altas horas da madrugada. Ele só jogou assim quando tinha saído do emprego e foi quando se tornou o primeiro melhor do site. Então depois quando fez sociedade com o amigo e montou sua rede de lanchonetes, foi que diminuiu drasticamente os números dos seus jogos.
Minha amiga Luciana, no início me apoiou, mas depois considerou e disse que qualquer homem teria feito o que ele fez com uma mulher sendo tão fácil e dando em cima, e achava inclusive que ele não tinha feito nada demais. Mas o engraçado disso tudo é que no início ela achou uma super sacanagem da parte dele e um absurdo também esbanjar elogios e cantadas para outra mulher ainda estando comigo. Realmente também acho que ele não fez algo tão imperdoável assim, mas a dúvida que me corroía por dentro era em saber se Henrique não agia daquela mesma forma com as outras jogadoras, e principalmente com as suas intituladas "amigas". A verdade é que Luciana além de morar na mesma Cidade dele, sempre gostou de nós dois juntos e entendia assim como eu, que aquela atitude dele de ficar diuturnamente no site não era uma reação que indicasse que ele estivesse bem.
Eu não esperava que Henrique me ligasse para pedir desculpas ou algo parecido, mas meu coração se manteve nesta esperança e expectativa durante algum período de tempo. E só para comprovar a minha teoria sobre a personalidade forte de Henrique, ele de fato, nunca me ligou... Mas por outro lado, este silêncio também salientava a minha dúvida se realmente Henrique sabia ou desconfiava que a fake era eu, e tinha ficado muito aborrecido com a minha atitude de não confiar nele. De fato, se o caso tivesse sido o contrário eu também ficaria muito chateada com ele, mas não teria agido da mesma forma como ele agiu. O que não consigo entender é que se de fato ele sabia que era eu o tempo todo, porque resolveu dar continuidade à farsa, sabendo que eu tinha ciúmes dele? Porque não fez com que a minha insegurança se dissipasse tomando tão somente a decisão de recusar as investidas da fake Tereza? Sinceramente não sei se estas perguntas serão respondidas de fato com sinceridade...
Passados três meses após o nosso término e iniciando o primeiro semestre do ano, decidi destrancar minha matrícula na faculdade e voltar a estudar. As premiações em dinheiro que ganhei com Henrique nos torneios de buraco, possibilitaram que eu pagasse as minhas dívidas pendentes que havia feito desde o nascimento do meu filho. E foi então desta forma que eu pude voltar a pagar as mensalidades da faculdade sem apertar as minhas finanças. Ainda sem o começo das aulas, eu me sentia só, e com as doses de bebidas praticamente triplicadas, eu me encorajei uma noite em entrar em um site de relacionamentos para pelo menos ver como era, já que nunca tinha nem sequer visitado um antes. Cadastrei-me com um pseudônimo, pus algumas poucas fotos e para a minha surpresa, eu passei a me animar com as cantadas que recebia dos pretendentes. Na verdade eu mais me divertia com elas do que levava à sério. Mas, foi um período que me ajudou muito a desviar os meus pensamentos de Henrique e evitar que eu cedesse a tentação de ficar vigiando os passos dele e entrando no site de jogos.
De repente numa noite, abrindo o site de relacionamentos, me deparei com uma mensagem simples que dizia: “Nossa que lindinha”. Eu já tinha recebido várias similares a esta, mas desta vez o que me chamou a atenção foi o autor da mensagem. Sim, pela primeira vez os meus olhos saltaram e uma pontinha de esperança em conhecer alguém legal que me ajudasse a superar o término com Henrique, bateu no meu coração.
Chamava-se Daniel, e não vou negar a sua aparente semelhança física com Henrique. E apesar de achar algo de estranho no olhar dele e sem saber dizer especificamente o que era, o seu sorriso era lindo e encantador. Como na época eu estava super atarefada com os preparativos para o aniversário de quatro anos do meu filho, ambos concordamos em ficar conversando e nos conhecendo melhor apenas pelo site. E dessa forma ficamos por mais ou menos um mês, quando decidimos marcar um encontro. Daniel era um homem muito agradável, e apesar de falar muito pouco era sempre muito gentil e carinhoso. Era sete anos mais velho que eu, tinha apenas um filho do casamento, no qual era divorciado há dois anos. Apesar de gostar de Daniel, não senti por ele um sentimento arrebatador que pudesse tirar totalmente Henrique de dentro de mim. Mas, não eram as diferenças ou a semelhanças entre ambos que permitiam ou não que este evento pudesse acontecer, mas tinha algo implícito no ser de Daniel que eu não sabia explicar exatamente o que era.
Completados dois meses que conheci Daniel, minha amiga Luciana me ligou dizendo que iria participar do primeiro torneio de buraco semestral de Macaé e que estava precisando de uma parceria. É lógico que eu sabia que era Henrique quem estava organizando aquele evento, e logo de cara eu rejeitei. Faltando três dias para o evento, Luciana me ligou avisando que eu fosse para a casa dela e que ficasse lá, pois a nossa inscrição para o torneio estava feita. Conhecendo Luciana do jeito que eu conheço, é claro que devia ter desconfiado do seu silêncio e da sua falta de insistência em tentar me convencer a participar do torneio. Não era do feitio dela desistir fácil e sinceramente não sei por que fiquei surpresa quando ela me ligou com a sua “intimação”. Pairava um sentimento ambíguo dentro de mim, pois ao mesmo tempo em que tinha curiosidade e querer ir para ver como estava Henrique, sentia orgulho de aparecer por lá e de ele achar que eu estaria o procurando. E de certa forma, até estaria, pois não estaria indo amarrada. Mas por fim decidi que não tinha que dar mais nenhuma satisfação da minha vida para ele e era livre para fazer o que bem entendesse.
Liguei para Daniel para desmarcar o nosso encontro para aquele fim de semana, expliquei mais ou menos por alto o que iria fazer e parti para casa de Luciana. Chegado o dia do campeonato eram impressionantes as reações que meu corpo tinha. Eu ainda nem tinha avistado Henrique, e em nenhum momento depois que pus os pés naquele local, as minhas mãos se aqueceram. Até sentia certo receio em cumprimentar as pessoas apertando as suas mãos, visto que o dia estava bem ensolarado, não podendo se quer dar a desculpa de estar sentindo frio. Já havia notificado Luciana que não esperasse o meu melhor desempenho como sua parceira, pois não estava me sentindo muito bem, e ela lógico, sabendo o porquê do meu nervosismo, não se importou. Na verdade, acredito que ela só se inscreveu naquele torneio para me aproximar de Henrique. Será que o mesmo destino que um dia fez cruzar o meu caminho com o dele, teria nos reservado algo para aquela tarde?