Encontro de dois - Part I
Gabriel:
Gabriel acordou meio embriagado, olhou para o lado e viu aquela mulher dormindo ao lado dele. Desejou que ela pudesse simplesmente sumir apenas com um pensamento e ao ver que seu pedido não se realizaria soltou uma gargalhada. Levantou, vestiu a camisa, que a priori era branca, mas que pelo estado ao qual se encontrava o máximo que poderia retornar a ser era de um amarelo mostarda. Ele odiava mostarda. Pegou o tênis e a mochila silenciosamente. Jogou o dinheiro entre os seios dela e saiu. Não a veria nunca mais. E isso o confortava. Seguiu para a parada de ônibus, enquanto acendia um cigarro. Um homem ao seu lado perguntou:
- Ei amigo, me vê um cigarro?
- Pode pegar. - Disse, oferecendo-lhe o maço.
- Obrigado.
Enquanto esperava o ônibus e tragava o cigarro, pensou em muitas coisas. Era um canalha. Ele sabia disso. Inteligentemente perigoso, atraia a todos apenas sendo quem ele era. Mas os outros não o encantavam na mesma intensidade. Até que a imagem dela veio à cabeça. Os olhos, os cabelos, o corpo inteiro, cada detalhe. A memória perfeita era o pior martírio que ele podia carregar. Sentiu falta dela. Não havia um dia que não sentisse. E pensou nas mulheres com quem passava as noites e no fato de que nenhuma chegaria aos pés dela. Instantaneamente ele tomou uma decisão.
Victoria:
Fazia uns quatro meses que não saia de casa, as coisas estavam meio bagunçadas. Talvez meio seja um eufemismo, visto que as coisas estavam uma zona, uma bagunça inteira mesmo. As meias, jogadas num canto qualquer, faziam uma decoração rústica com a poeira dos móveis, que não eram limpos há muito tempo. Tinha passado todo esse tempo no quarto, trocando segredos com as quatro paredes. O violão, aposentado num canto, a olhava firmemente, quase que numa súplica: "Toque-me novamente".
- Depois, quem sabe. - Disse Victoria.
Aprendeu a ouvir o silêncio que vinha de si mesma, ate que uma voz cansada de ser sufocada, cresceu ali, vindo a tona com sagaz voracidade. Ela havia se trancado em sí mesma, devido à falta que ele fazia. Uma parte dela havia ido embora. E durante todo esse tempo ela não sabia como se sentir a respeito. Ela nunca sabia. A única pessoa que era capaz de entendê-la havia deixado-a para trás. Mas hoje ela faria algo diferente, enfim tomaria uma atitude. Arrumou as coisas, ou tentou. Fez parecer, por alguns instantes, que nada nunca havia sido bagunçado. Então deitou no sofá, o olhar concentrado na luz artificial acima de si, devaneando em seus pensamentos. A campainha tocou, ela ajeitou os cabelos desgrenhados, esboçou um sorriso de quem barganha por algo que ja conseguiu e abriu a porta. No entanto foi surpreendida. Lá estava ele, do mesmo jeito que o vira na ultima vez: um homem dentro de um menino.