VÊ-LA DORMIR...

Não sei se acredito em destino, mas sei que eles eram o tipo “casal perfeito”. Viviam muito bem e curtiam cada instante juntos. A felicidade dos dois estava nas pequenas coisas do cotidiano. Eles adoravam um ao outro e tudo era motivo de prazer. Vou contar um destes: e este lhe foi muito bom naquele momento.

Foi um amanhecer. Prêmios em dinheiro, fama, sucesso, nada disto teve mais valor que aquele amanhecer para ele. E se o tempo pudesse ser pausado, este seria o momento eterno de sua vida: o momento de ver o seu amor dormir.

Era um dia comum, das férias. Ambos não trabalhariam. Estava frio. Às quatro e meia da manhã, ele sentiu necessidade de tomar água. O vinho da noite anterior cobrava isto de seu organismo.

Criou coragem, levantou-se. Em silêncio, percorreu o trajeto entre sua cama e a porta do quarto. Abriu-a com muito cuidado. Andou pelo corredor escuro. Não havia por que acender as luzes, já que conhecia bem o ambiente onde morava há dois anos.

A casa estava tranquila. A vizinhança não fazia barulho. Era hora de dormir.

Foi até a cozinha, pegou um copo, colocou água e a tomou aos poucos, refrescando a boca seca, degustando cada gole.

Ele era preguiçoso. Adorava o prazer de acordar de madrugada e saber que poderia dormir ainda por muito tempo, afinal, nada o esperava com pressa.

Aproveitou para ir até a sala de estar. Da janela, observou a varanda, sem coragem de abrir a porta para ver a rua. O frio de julho o esperava, se assim agisse.

Por uns instantes, ficou ali, a contemplar o resto de noite de frio. Algumas nuvens se mostravam no céu. Não estava de todo encoberto, o que permitia ver parcas estrelas, teimosas, que estavam à mostra. Agradeceu a Deus pelo prazer de ter sensibilidade de admirar as pequenas coisas. Cria que era isto que o fazia feliz.

“D’alva” estava ali, ora à mostra, ora escondida pelas nuvens. Que bela vista!

Decidiu ser corajoso e abriu a porta do terraço. Sua casa em primeiro andar lhe dava uma ótima vista. E lá vinha o sol. Seus primeiros raios mostravam-se ainda tímidos, porém, profetas de um dia claro, de céu aberto, apesar da estação.

Seu pijama não conseguiu sustentar-lhe do frio.

Entrou em casa, fechou a porta. Tinha de voltar ao quarto: estava de férias!

Caminhou novamente pela casa. Passou defronte ao enorme retrato pintado de sua musa, sua bela esposa. Contemplou-a por uns instantes.

Passou alguns minutos por ali, a olhar a casa... suas melhores horas eram o começo do dia e o fim de tarde. Jeito de paz.

Os raios de sol começavam a mostrar sinal de vida: já iluminavam, um pouco, a sua casa.

Abriu a porta do quarto, vagaroso. Entrou, girou a maçaneta para não fazer barulho e, com um enorme prazer, viu sua garota, deitada, usando seu hobby verde-claro, dormindo e ressonando levemente.

Uma ideia lhe veio à mente: pra que dormir, se estava de férias? Melhor ficar ali, acordado, sentindo a natureza dos raios de sol colaborar com seu prazer: o prazer de ver a esposa dormir.

Resolveu puxar um pouco a cortina que encobria a janela. Bastavam alguns raios.

Sua musa estava dormindo.

Linda, linda, linda.

Um ser perfeito, um anjo que veio do céu.

Ele não era destes homens dados a muitas mulheres. Era um homem movido a paixão. Sua musa lhe bastava. Ela era linda, inteligente, carinhosa e pronto! O que mais queria?

E ali estava ela, deitada, dormindo, indefesa.

A pouca luz do sol de uma madrugada de frio clareava, levemente, sua suave tez branquinha.

Remexera-se muito ao dormir, por isto, descobriu-se um pouco. Estava com as pernas e os braços desprotegidos contra o frio. Ele ainda pensou em cobrir-lhe, mas, não: ela não estava com tanto frio. E o prazer de lhe ver dormir era enorme.

Às vezes, gostava de chegar perto de seu rosto, só pra ouvir aquele pequeno ressonar, musical até. A natureza foi perfeita ao criar esta mulher. E foi generosa ao lhe dar de presente.

Somente faltava uma trilha sonora. No quarto, grande, havia um pequeno aparelho de som. Levantou-se, foi até a sala, averiguou os cd’s e escolheu um que reunia obras do “Clube da Esquina”, selecionadas por ele mesmo. Venturini, Milton, Beto, Lô, 14 bis, etc. Levou o cd para o quarto. Colocou-o no aparelho, volume um, somente para fazer um pequeno fundo musical. E voltou para a cama.

Seu amor ainda estava lá, dormindo, linda, de pele branca. Por piedade, ele a cobriu, visto que sua pele, agora um pouco mais iluminada pelo sol que se erguia, mostrava-se arrepiada. O prazer de vê-la assim seria o mesmo, como de fato o foi.

Ela acordou. Eram cinco e dez. ainda estava meio escuro. Sorriu. Esfregou os olhos. Com uma voz linda, perguntou por que ele estava sorrindo. Ele deu-lhe um beijo no rosto em resposta. Pra que respostas nestas horas...

Deitou-se ao seu lado. Dividiram o mesmo cobertor. Ela aninhou-se em seu peito. Voltou a dormir. Voltou a ressonar.

E ele, mesmo com sono, resolveu resistir, afinal, estava de férias. E não seria tolo de deixar de viver esta cena.