DOCERIA

Difícil não te ver diante das vitrines de doces. Sei que não estás lá, mas e daí? Cada brigadeiro, torta com cobertura de creme de leite ou guloseimas mil chamam pelo teu nome.

Eu também!

Em vão, fico pensando o que escolherias hoje: será que mousse de maracujá ou sorvete de sonho de valsa?

O atendente sente a tua falta e questiona (sempre íamos juntos). Desconverso. Ele percebe, dissimula e continua limpando o balcão de vidro.

Agora, te vejo comendo uma coxinha, comentando sobre a massa e tomando uma Coca light (é o medo dos quilinhos a mais. Besteira! Sabes da tua perfeição).

Finalmente, escolho uma empada de camarão, uma fatia de torta de chocolate e uns bem-casados. “Pra viagem, por favor”.

É fim de tarde.

No caixa, pago os produtos com uma nota de 20 reais, verificada sob a luz pelo cidadão sóbrio e de óculos fundo de garrafa.

“Volte sempre!”, disse ao entregar o troco.

Talvez nunca mais eu volte.

Fui ver se estavas lá. Não te encontrei.

Onde andarás?

Em outra doceria? Ou numa loja de roupas, vendo as últimas novidades da moda?

Eu estou aqui. Caminhando pela rua, passos parcos, comedidos.

Minha cena até parece de um filme antigo, talvez, anos 70. Só falta “Love is blue”, do Paul Mauriat, como trilha sonora.

O lanche comerei em casa. Talvez nem coma. Ultimamente, não tenho tido fome, nem sede, muito menos sono.

Aceno para o taxista.

“Avenida Central”, digo ao entrar. “Pode deixar”.

Na metade do caminho, peço ao taxista que pare. A lua já se mostra linda, nua e cheia, e eu não tenho pressa: ninguém espera por mim. Aliás, tu não esperas mais por mim.

Um mendigo, na marquise de uma loja já fechada, estende a mão:

“Uma esmola, pelo amor de Deus”!

Sem pensar no que estou fazendo, paro, sento-me ao seu lado, abro o embrulho dos lanches e divido com o mendigo o que, na verdade, gostaria de estar comendo contigo. Por que me sentei ali? Acaso estou mendigando também?

Levanto-me, vou embora, mas logo, o ímpeto guerreiro se esvai como água e espuma pelo ralo. Não estou mendigando nada, simplesmente tu fazes uma enorme falta.

Estou na terça à noite: era o dia do cinema. Talvez um filme legal nos distraísse. Nas cenas sem graça, costumávamos nos beijar.

É. Vou ter que me contentar com o Casseta & Planeta.

Em casa, tudo por arrumar: a sala, a cozinha e sua pia cheia de pratos, meu quarto, meu coração... Contas a pagar sobre o criado mudo. Dívidas a mim mesmo que nem sei como pagar.

Troco de roupa: um pijama azul escuro passa a ser minha carapaça.

Um travesseiro branco vai ao encontro do tapete. Deito-me ao chão e espero o sono chegar. Nem chega o sonho, nem tu voltas mais.

No aquário, um peixe faz bolhas que me lembram os pensamentos das revistas em quadrinhos. Em que pensarias agora?

Graças a Deus, o sono me chega às onze da noite. Poderei sossegar. Pelo menos até as três, quando acordo, acendo a luz e vejo “teu retrato na estante”, sorrindo pra mim. Por que não sorris mais aqui, comigo?

Tem sido assim desde que foste embora. E será assim até que voltes. Ou que eu ponha outro alguém no teu lugar. E isto me é muito difícil de conceber.