A TENDA
 
(In memoriam de uma vida em comum, que parece ter sido em outras vidas, de tão longínquo que tudo, tudo de tudo de tudo, daquela vida em comum como da vida em todos os lugares, inclusive e principalmente desta aqui presente, TUDO, enfim, tão longínquo se semelha).
 
 


 
     Ela lia versos do Cântico dos Cânticos e sua alma e seu corpo eram cântaros à espera – assim ele, o homem distante, julgava. Ela se dizia, dentro da tenda, para ter calma, que ainda não era chegado o tempo de Claridade. Ela continuava a esperar, sim, pelo homem distante. O homem próximo habitava um cavalo que cintilava à luz do deserto e nele, neste cavalo, ele a devia  levar ao outro que, com todo direito, a esperava na cidade muito longe das tendas.
     O cavaleiro dava voltas e voltas ao redor da tenda, como quem indaga ao Deus, ao seu Deus Supremo, tentando  sofrear o desejo pela mulher enquanto ela, a mulher, também rezava na mesma Língua estranha; ela rezava para que todos se quedassem protegidos.
     Lembra-se a mulher, neste agora, do companheiro antigo, do que a tomou no deserto, do que nunca a levou para a cidade onde a aguardava o outro; recorda a fala de um texto: “Alah, el onisciente, nunca duerme.” Ah, perdoa-me, perdoa-me, ela pedia ao outro, ao distante, enquanto o cavaleiro continuava a dar voltas e volta ao redor da tenda, ao redor do deserto de enigmas de cuja existência ele, cavaleiro, não suspeitava, que de nada ele sabia além da tarefa de que o haviam encarregado, a tarefa de levar a mulher àquele que a esperava na cidade muito longe das tendas... essas que se revelariam para sempre ruas sem saída... mas, disso, de que nunca, nunca haveria saídas, ninguém deles sabia... ninguém... ninguém deles sabia... Como qualquer deles o poderia saber?
     O cavaleiro entrou na tenda.