Enquanto existir amor, existirá perdão?

Eu não a via a muitos anos, mas com certeza era ela. Vestida com um vestido vermelho com pequenas bolinhas brancas , ela sorria e caminhava em minha direção levantando os óculos escuros. Estava um calor infernal esses dias, eu podia sentir o suor surgindo em minha testa, mas ela não parecia sentir o mesmo calor que eu, continuava linda e tinha um frescor em seu corpo que a faziam parecer mais nova que seus prováveis 35 anos, se me lembro bem. Eu estava com os cabelos longos e a barba por fazer, provavelmente parecendo 10 anos mais velho do que realmente sou.

Ela estava cada vez mais próximo, eu podia ver seus olhos nesse momento e até eles sorriam. Eu lhe sorria de volta, mas um sorriso tímido de quem sabe que não causará uma boa impressão. Mas assim que ela chegou até mim abriu os braços e me abraçou com uma felicidade de quem parece estar muito satisfeita com o que viu. Ela me beijou no rosto uma, duas vezes enquanto me perguntava como eu estava. Eu respondi que estava bem, ainda meio sem jeito, tímido e com o coração acelerado como se eu ainda a amasse do mesmo jeito de antes. Perguntei como ela estava, mas ela não respondeu, me segurou pelos braços e abaixou um pouco o olhar a fim alcançar o meu, envergonhado de ainda sentir o mesmo amor de 10 anos atrás. Ela fechou o sorriso, me olhou com compaixão e sorriu de novo meio de lado:

- Você continua o mesmo!

Ela me disse, depois explicou que estava um pouco atrasada, mas escreveu em uma folha de papel que tirou de dentro da bolsa um endereço, falou que era uma festa na praia, que eu fosse "por favor!", que precisávamos conversar mais. Me beijou mais uma vez e saiu, mas não antes de me olhar novamente. Ela parecia tentar gravar meu rosto, estava um pouco mais triste talvez pelo meu estado ou por imaginado que não me veria mais.

Eu fiquei como um idiota a vendo partir e segurando o papel verde com o endereço. Resolvi ler o papel, a festa era um pouco longe da minha casa, um bairro muito rico, cheio de mansões. Ela devia morar ali perto ou talvez a festa fosse na casa dela. Ela parecia bem de vida e eu parecia um fracassado. Coloquei o papel no bolso e pensei em não ir!

Nosso namoro durou 3 anos eu era perdidamente apaixonado por ela. Nosso termino havia sido péssimo, pelo menos para mim, fiquei arrasado, pensei que não a perdoaria nunca mais, até que os anos foram passando e a raiva foi se dissolvendo até sumir. O que senti hoje eu não poderia ter sentido, ainda amor depois de tudo que passei?? Achava melhor não ir, mas antes de voltar para casa resolvi cortar o cabelo e aparar a barba.

Cheguei em casa e joguei tudo que estava no bolso em cima da mesa, inclusive o maldito endereço. Tomei uma cerveja sentado na janela olhando para o céu sem estrelas. Lembrei de como eu amava aquele sorriso, de como me esforçava para lhe fazer feliz e de como ela era! Bebi mais algumas cervejas e lembrei dela sentada com sua taça de vinho na nossa janela da sala. Ela ficava ali quietinha, ouvindo uma música qualquer, ás vezes eu chegava devagarinho, ela nem me via entrar, só quando eu já estava no meio da sala ela notava minha presença, se assustava, ria, me beijava, me servia uma taça de vinho e ia esquentar nosso jantar. Naquela época eu achava normal, mas hoje acho que era nesses momentos que ela pensava em me deixar.

Bebi muitas outras cervejas, lembrei de muitas outras coisas que aconteceram entre nos e acabei dormindo no sofá.

Acordei assustado com o toque de meu interfone, corri para atender e era engano. Lembrei da festa e fiquei desesperado achando que já tinha perdido o horário, eu tinha decidido não ir, mas foda-se queria a ver de novo! Entrei no banho correndo, me vesti, procurei as chaves e o endereço. Depois de alguns minutos finalmente achei o celular, eu estava atrasado, mas não tanto. Corri para a rua e chamei um táxi.

Enquanto o carro ia eu pensava no que dizer. Meu Deus, que assunto teríamos? Como eu a iria achar? O taxista teve que repetir umas três vezes que havíamos chegado para que eu o ouvisse. Paguei e desci do carro. Não havia dúvidas que eu estava na casa certa a música, os enfeites e as pessoas bem vestidas tudo muito apropriado para uma festa na praia. Hoje o dia estava mais fresco, algumas nuvens no céu amenizavam o calor dos últimos dias. Me olhei e eu parecia até bem, estava arrumado como não me via a algum tempo. Fui entrando no jardim e pela quantidade de pessoas achei que não a acharia nunca, mas logo que entrei na sala ela me chamou e correu em minha direção. Ela estava com os cabelos loiros e cacheados soltos, usava um vestido branco longo, mas muito leve e discreto, dava para ver seu corpo desenhado pelo vestido, ela ainda era muito delicada a única coisa que usava além do vestido era um brinco dourado, quase um fio de ouro que se embolavam as vezes em seu cabelo e uma pulseira da mesma cor pendente no seu braço fino e branco. Ela me abraçou com muita força e disse sorrindo mais com a voz um pouco trêmula quase chorosa.

- Que bom que você está aqui! Pensei que não viria mais.

- É claro que eu vinha!

Passei a mão em seu rosto e ela voltou ao normal como se tivesse lembrado que não podia agir assim. Me segurando pela mão ela passou então a me apresentar a várias pessoas, parecia conhecer a todos e eles pareciam a adorar, alguns a chamavam contavam casos e piadas de algum conhecido em comum e eu sempre ao lado dela sendo segurado pela sua mão, continuei sem entender de quem era a festa, mas se não fosse dela com certeza era de alguém muito íntimo, pois muitas vezes ela agia como uma anfitriã, perguntado se todos estavam bem ou se precisavam de algo. Pensei que poderia ser de seu marido a festa, mas ela não usava aliança, e eu olhei umas duas ou três vezes para ter certeza.

Quando finalmente ficamos sozinhos ela quis saber de mim, o que eu estava fazendo, se ainda trabalhava com a mesma coisa. E eu respondi que sim, minha vida quase não tinha mudado se não fosse pela promoções que recebi na empresa melhorando bastante meu cargo desde a última vez que nos falamos, mas logo um homem bem alto e moreno a chamou e ela o foi atender rapidamente me deixando na companhia de um casal amigo dela.

O casal era muito simpático, eu os perguntei se eles a conheciam a muito tempo e eles disseram que sim, há quase 9 anos. Eu quis saber da festa se era de algum namorado dela ou algo assim, mas eles riram:

- Namorado? Bem que o aniversariante tentou. Acho que se dependesse dele rolava até casamento. Mas ela é só amiga e organizadora dos eventos pessoais e da empresa dele.

- E por que não rolou?

- Olha... desde de que a conhecemos, eu nunca a vi em nenhuma relação mais seria que quatro encontros.

Por algum motivo fiquei feliz em saber e a olhei de longe, lhe sorri. Ela sorriu de volta e me fez um sinal que esperasse mais um pouco. Conversamos e rimos mais um pouco:

- Qual seu nome mesmo?

- Argos.

- Ahhhh! Já ouvimos muito falar de você! Você esteve sumido, não é?

Eu disse que sim, mas logo fui interrompido, ela se aproximou.

- Desculpe ter te deixado com esse casal tão chato e apaixonado!

Ela me deu um drinque e finalmente paramos um pouco, conversamos bastante e bebemos muitos outros drinques. Ela estava mais resistente a bebida, lembro que com metade disso ela já estaria muito tonta e rindo a toa. Falei isso e ela me disse que tinha começado a beber mais nos últimos anos. Eu quis saber porque. Ela não disse e eu chutei que tinha sido nos últimos dois anos essa mudança, ela disse

- Mais!

- Quatro anos?

- Mais!

Então chutei a data da última vez que a vi:

- Dez?

Ela me fez parar tampando minha boca e se desequilibrando um pouco do banco. Eu ri e a olhei por inteira, ela já estava m pouco desajeitada, mas ainda graciosa. Começou então a tocar uma música em um palco pequeno na areia todos foram ouvir e dançar inclusive nos dois puxados por ela. A música era boa, ela dançava bastante e eu a tentava acompanhar. Muitas músicas depois o sol começou a se pôr e as músicas começaram a ficar mais românticas. Eu a encostei em meu corpo e seu perfume ainda era o mesmo, sua pele ainda era macia e deliciosa. Mas antes da música acabar ela me puxou para longe de todos aqueles casais apaixonados, ou não. Fomos caminhando pela praia, andamos bastante até que a música virasse um ruído distante, sentamos em algumas pedras, e ela falou:

- Eu ia te matar se você não viesse!

Eu ri e ela me olhou séria.

- Mas eu quase não vim mesmo..

- Você ainda não me perdoou?

- Perdoei, só não quero me machucar de novo.

- Não namoro ninguém a dez anos, e você?

Eu fiquei muito surpreso ela era tão linda...

- Eu já tive três namoros, mas nada sério.

- Você diz isso só para eu não me sentir mal.

- Por que você se sentiria mal se eles tivessem sido sérios? Você que me deixou.

- Não fala assim!

- Mas foi isso que aconteceu! Se dependesse de mim estaríamos juntos e felizes até hoje!

Ela ficou calada me olhando, um pouco triste.

O céu estava lindo, alaranjado, azul e também um pouco acinzentado das nuvens que se misturavam como os últimos raios de sol. Ela olhou para o céu e olhou para mim, repetiu isso mais uma vez até que segurou minha mão.

- Eu me sentia triste ao seu lado, pensava que a culpa da minha tristeza era você, mas nos primeiros anos sem você percebi que não! Pensei em você todos esses dias e passei a achar todos os casos uma perda de tempo.

Algumas gotas de chuva muito finas e frias começaram a cair e a música agora voltava para o interior da casa. Poucas pessoas ainda permaneciam na praia, mas eram pequenas e distantes. Olhei para ela novamente e pareciam cair gotas também dos seus olhos.

Ela se aproximou e me deu um abraço, com a boca perto de meu ouvido falou:

- Desculpa , por tudo que te fiz passar, mas eu te amo e queria ficar com você mais uma vez, por favor, volta comigo?

Ela parecia desorientada, acho que era a primeira vez que ela implorava por alguém na vida. Mas eu já tinha feito isso muitas outras vezes e isso não me comovia mais. Hoje eu estava frio como esse fim de tarde. Olhei para ela e perguntei com remoço:

- E você sabe o que é amar?

As lágrimas agora desciam compulsivamente de seus olhos e ela tentava explicar, já com a voz embolada pelo choro.

- Eu te amo.. sei disso! Não posso explicar, sinto sua falta todos os dias!

- Você se arrepende de ter me deixado?

Perguntei tirando minhas mãos de dentro das dela.

- Sim, muito!

- Acho que você não se arrepende! Acho que você faria tudo outra vez, sabe porque? Porque você é curiosa, ousada, gosta e se interessa por tudo que é novo, desafiante, é disso que você gosta! Talvez seja isso que você ame!

Ela agora parecia uma menina, os olhos grandes e molhados de choro, ela gesticulava muito e tentava se explicar.

- Eu era assim! Eu mudei! Passou essa fase, eu era nova demais, precisava sair, ver o mundo, as coisas...

- 25 anos é nova demais?? Realmente você quer que eu acredite que você precisava se afastar de mim para ver o mundo?

Eu me levantei, meu coração batia muito forte e eu percebi que não a tinha perdoado. Ela se levantou logo em seguida, mas eu já me afastava.

- Se amor é renunciar de si, se deixar completar pelo outro, engolir seco todas as angústias, dúvidas e curiosidades para que assim se possa viver "feliz " com o outro para sempre, realmente eu nunca o amei.

Eu estava agora com mais raiva ainda.

- Então o que é amar, Joana?

- Talvez amar seja ausência. Eu estive com todo tipo de gente em todo tipo de situação, mas eu sempre sentia sua falta. E isso não é uma certeza que te quero para sempre ou que serei feliz com você, é na verdade uma grande dúvida na qual tenho o desejo de experimentar. É o medo de te magoar de novo, mas não tão forte quanto é a vontade de te ter de novo.

Ela parou eu ainda estava olhando para ela sua postura já tinha melhorado bastante. Eu não respondi nada e ela não insistiu. Saí andando sem olhar para trás, mas tenho certeza que ela não me seguia. Peguei um táxi para casa, o caminho parecia muito mais longo e eu voltei pensando que talvez ela soubesse o que é amar, mas eu também sabia que ela era uma mulher cheia de dúvidas e eu não queria passar por tudo aquilo de novo. Eu a recusei por rancor, eu a recusei por medo.

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Enviado por IP em 28/07/2014
Reeditado em 12/05/2015
Código do texto: T4900563
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