Cidade de Vidro - Parte 7 (Final): Não Me Deixe

Eu nunca pensei nas consequências. Agora pago o preço. Mas nunca pensei que o preço fosse tão alto e amargo.

Não posso perder Niclauss. Não posso. Entretanto, eu com certeza não vou sobreviver a isso, então não preciso me preocupar em sofrer por muito tempo.

Eu preciso dizer a ele que o amo, e preciso pedir desculpas.

***

Chegam novos prisioneiros para o bloco da morte. Quase não presto atenção nas pessoas, até que uma andar me chama atenção.

Wilhelm!

- Will! Will! – grita para ele, e ele se vira e me olha por um segundo, mas se vira e continua na fila.

Eu entro em pânico. O que ele faz aqui?

Que pergunta ridícula. Ele está aqui para ser executado. Mas por quê? Porém a resposta chega, alada e veloz. Ele e Noam foram pegos. Assim como eu e Niclauss.

***

Meu coração bate com tanta força que imagino-o rompendo meu peito e pulando para fora. Chegou a hora.

Agora eu sei a sensação que Victoria sentiu quando a executaram. É de puro terror, contudo é de felicidade também, do vislumbre da enorme liberdade que está por vir.

- Jacobus, você esta sendo executado por infringir mais de uma das leis mias importantes que constituem nosso país. Você quer que eu leia a lista de acusações?

Faço que não com a cabeça. Não é meu pai que vai me matar. Não sei quem é este homem, mas imagino que ele esteja abaixo de meu pai.

Eu olho para a esquerda, depois para a direita. Estamos nós todos aqui. Inclusive Sophitia. Nós seis. Todos condenados por amar demais, e por querermos ter nossas próprias ideias.

Olho fixamente para Niclauss. “Eu te amo”, ele sussurra. “Eu te amo”, sussurro de volta.

Juntos, encaramos a morte de frente.

Eu o amo. Ele ama. Todos estão contra nós. E nós vamos morrer. Fim.

***

Tudo acontece tão rápido que mal tenho tempo para registrar.

Em primeiro lugar, ele matam Noam primeiro. O grito de Wilhelm é tão alto quando o corpo de Noam soca o chão, que tenho a sensação de que todos no mundo ouviram. Então, Niclauss é morto.

Eu não grito. Não consigo. Simplesmente olho para o chão, e respiro fundo. Meu coração bate tão devagar que penso já estar morto.

Então, um grande explosão.

Meu pai aparece, liderando um enorme exército. Demoro um segundo para entender que não se trata do exército alemão.

A Sublevação, objeta minha mente.

Então, é isso. O Oponente finalmente consegui adentrar o país. Estamos salvos.

Mas é tarde demais.

***

- Então, desde quando você faz parte da rebelião? – pergunto a meu pai. Algo em mim se tornou um pilar de sustentação. Não sei o que é, mas este algo não me deixa desmoronar. Ainda estou arrasado, e isso nunca vai passar, mas não morto.

- Desde que você me perguntou o quanto eu te amava – responde meu pai.

Assinto.

Depois que a Sublevação interrompeu a execução dos prisioneiros do bloco da morte, eles libertaram todos os detentos que foram condenados por ter infringido as três primeiras leis – formas de arte não autorizadas, homossexualismo e rebelião. Então, derrubaram todo o exército, e mataram o presidente do país. Isso tudo demorou três dias. Foi incrivelmente fácil, tenho que dizer; contando que a Sublevação havia se espalhado por todo o país.

- Foi a hora certa de atacar – explica meu pai. – Assim que eu me juntei à rebelião, fui nomeado vice-presidente. Bem, talvez a rebelião me observasse mais de perto do que eu imaginava. Então, quando fui questionado sobre quando atacar, sugeri que no mesmo instante. Este país foi feito de vidro. Todo o seu sistema era extremamente frágil. Foi mais fácil do que eu pensei derrubar o que eu construí.

- E pensar que há alguns meses, você estava contra a rebelião – digo.

- É.

- Por que você trocou de lado? – pergunto a ele.

- Fazemos isso ás vezes, pelas pessoas que nós amamos.

***

Passo o resto dos dias em um estado de torpor estranho. Não consigo invocar memórias, e a única coisa que faço é focar deitado em minha cama, olhando pela janela.

Como eu havia pensado antes, eu jamais olharia por esta janela da mesma maneira.

***

Depois de várias semanas de torpor, Wilhelm – que também ficou, por mais de um mês, arrasado – consegue me convencer a dar um passeio na praia, ao menos para mudar um pouco a paisagem que vejo. O céu, finalmente, finalmente, está claro, não mais encoberto pelas nuvens agourentas de sempre. O sol brilha, ainda tímido.

Depois de alguns minutos caminhando, entrelaço minha mão na de Wilhelm. Ele não se espanta. Somente aperta minha mão, e olha em meus olhos. No final, acabamos juntos, mas sozinhos.

Nos sentamos na praia, aquecidos pelo sol, congelados pelas circunstâncias.

Olhando para o céu , eu me lembro de Niclauss. Aposto que Wilhelm também se lembra de Noam.

Pergunto-me se Niclauss se lembra de mim.

Acho que sim. Eu jamais o esqueci. Ele jamais me esqueceria.

- Obrigado Jake... – diz Wilhelm para mim.

- Pelo quê? – pergunto, sem desviar meus olhos de meu Niclauss imaginário e flutuante.

- Por continuar vivo... – diz ele, sua voz tão baixa que imagino o motivo por trás de seu sussurro. – Por continuar comigo... Por me deixar te usar de estrutura para continuar em pé... Eu te amo por isso, Jake.

- Eu também te amo, Will... – digo.

Acho isso até pode ser verdade. Por ser que talvez seja assim. Talvez isso tenha sido uma decisão do destino. Talvez eu e Niclauss não tenhamos sido feitos para continuar juntos...

Não... Não pode ser.

Não é.

Assim como eu fui permitido a ficar vivo, o destino quis que Niclauss partisse. Mas não por que não devíamos ficar juntos. Mas unicamente para me mostrar o quanto deveríamos ter ficado juntos.

E é por isso que eu e Will continuamos vivos.

Ele perdeu metade de sua alma.

Eu perdi metade da minha.

Ele agora me sustenta, me ajuda a continuar.

E vice-versa...

Mas isso não significa que não pertencemos a outras pessoas.

Noam pertence á Wilhelm. E Wilhelm pertence á Noam.

Eu pertenço á Niclauss. Niclauss pertence a mim.

Aprendemos a continuar só meio vivos – só eu e Will.

Eu estou meio vivo para sustenta-lo.

Ele está meio vivo para me sustentar.

Até o dia em que reencontraremos a outra metade de nossas almas.

Fim...

Bruno R Montozo
Enviado por Bruno R Montozo em 22/07/2014
Reeditado em 01/08/2014
Código do texto: T4892308
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