O Jardim das Primaveras
O Jardim das Primaveras
As roseiras se preparavam, ainda molhadas pelo orvalho da madrugada, para receber o sol que ameaçava romper a tênue neblina que se dissipava aos poucos naquela manhã de final de inverno. Um novo tempo, um novo ciclo de esplendor e vida estava, dia a dia, acelerando o ritmo das seivas que corriam pelos recônditos mais íntimos das roseiras e de suas vizinhas. Era a renovação. Margaridas, ainda tímidas e recolhidas, também ameaçavam despertar. Não muito longe dali, o grande canteiro de Petúnias e Begônias então demonstrava a força da nova estação, cercado, como em guarnição, por uma esteira de pequenos e majestosos Miosótis que bordavam com seu azul, ainda esmaecido, a entrada daquele santuário de vida.
As flores esperavam uma espera que não se media em tempo. Não era um aguardar sem sentimento. Já fazia muito que dona Neuma cuidava daquele lugar e amava todas as flores. Só sentia falta das Tulipas, que muitas vezes plantou, mas nunca tinham vingado. Ela adorava Tulipas. Via nelas algo de sua juventude. O porte, o viço e a elegância daquela flor lhe trazia a lembrança dos bailes memoráveis do Clube do Comércio em que ela girava, garbosa, nos braços de seu amado ao som da orquestra tocando valsa.
Desde a prematura partida de seu marido, fato que lhe impôs uma profunda tristeza muitos anos antes, aquela senhora transferiu boa parte de sua existência ao Jardim das Primaveras, como gostava de chamar. Com as mãos, a cada estação mais trêmulas pelo peso dos anos, a frágil senhora trabalhava com carinho e não descuidava de nenhuma de suas amigas. Especial atenção era prestada ao Girassol do canteiro central. Conversava com ele. E era uma conversa tão carinhosa e íntima que despertava sentimentos no restante das flores. Corria pelos canteiros uma pequena sensação de inveja diante de tamanha dedicação. Desconfiavam, comentando a boca pequena, as Margaridas e as Dálias, que dona Neuma encontrava ali seu querido companheiro de tantos anos.
Havia algo de estranho e mágico naquele lugar. Emparedado entre gigantes acinzentados, o pequeno oásis de verde e cor, reinava, imponente, abrindo uma ferida alegre na pardacenta paisagem da cidade a sua volta.
As flores continuavam, como sempre faziam nesta época do ano, voltadas para a pequena porta branca que demorava em se abrir. E nem notavam a nova vizinha, que ainda tímida, começava a desabrochar no canteiro central, bem ao lado do grande Girassol, que a esta altura já despontava, com um vigor e um brilho não antes visto.
Dona Neuma estava atrasada. O calor, o sol e os chuviscos dos dias que iam passando aliviavam a angustiante espera das flores. Algo de diferente estava acontecendo, elas sabiam. Sobreviveram, todas, aos rigores do inverno na esperança do novo tempo, da sua estação que, enfim, chegara. Mas a velha companheira não abrira a porta como fazia há longo tempo. E, de algum modo, as flores intuíam: aquela porta não se abriria mais.
O Jardim das Primaveras, contudo, continuava diferente e mágico. Olhando um pouco mais à miúde, podia-se até perceber um tom a mais aqui e ali. As flores já não estavam tristes por saudades da velha companheira. E, no canteiro central, ao som da valsa tocada pelos pássaros daquele pequeno paraíso, desabrochava uma linda Tulipa bem ao lado do garboso Girassol. Aquela pequenina porta branca nunca mais se abriria e dona Neuma, agora flor, não sairia mais dali.