Querido Diário 8

Sábado, 12 de julho - continuação

Ele se afastou depois de alguns segundos. Parecia chocado. Assustado consigo mesmo.

– Desculpa...

E parecia estar falando mais para si próprio do que para mim.

Desculpa pelo quê, afinal? Por ter me proporcionado os melhores dois segundos da minha vida? Ou por estar me olhando com essa cara de culpado logo após fazer isso?

– Não brinca comigo, Nicolas. - eu o encarei, sério.

Ele não sustentou meu olhar. Na verdade, ele fazia de tudo para não me olhar nos olhos.

Imaginei o que ele estaria pensando de mim, ou de si mesmo... Nada bom, pelo visto. Em segundos, eu imaginei seu olhar de asco para mim, ele chegando todos os dias no colégio e mal se dignando a olhar na minha cara. Eu tinha que fazer alguma coisa...

Senti meus olhos se encherem de água. Merda!

Pus a mão no bolso e peguei o papel que estava ali. Não era para ser assim!

E, não antes de hesitar muito durante aqueles 5 segundos - que pareceram uma intensa eternidade - eu estendi o papel em sua direção. Não tinha outro jeito...

– Não brinca comigo. - repeti. O olhar, por algum motivo, cheio de rancor.

Assim que ele pegou o papel com a expressão mais confusa do mundo, eu saí andando. Ouvi o papel sendo aberto, e dali a dois passos eu estava correndo.

Não o ouvi vindo atrás de mim, tampouco olhei para trás para confirmar alguma coisa. Não queria ver, nem imaginar a cara dele lendo o papel, onde eu tinha escrito tudo o que me permitia sentir por ele durante todo aquele tempo. Minha visão estava turva, o céu estava coberto de nuvens e pingos de chuva começaram a cair, mas eu nem os senti. Só parei de correr quando subi no último ônibus da noite, que por sorte havia chegado à parada naquele exato instante, junto comigo.

Então, deixei as lágrimas escorrerem livremente.

+++

Domingo, 13 de julho

Meu celular vibrou na escrivaninha, acordando-me de um sono profundo. Eu nem chegara tão tarde assim em casa, mas havia demorado a pegar no sono, repassando os acontecimentos da noite.

Eu... Nico... O muro da rua... O beijo.

O quarto estava mergulhado em penumbra e um pouco mais frio que de costume. O barulho que vinha de fora da janela, indicava que o céu inteiro estava desabando num dilúvio infindável.

O visor do celular brilhava. Havia 7 mensagens. Todas do Nicolas.

"Precisamos conversar."

"Você já tá dormindo?"

"Espero que tenha chegado bem..."

"Desculpa..."

As quatro haviam sido enviadas por volta das duas e meia da manhã. As outras, a partir das 10 e pouco...

"Praia. Mesmo lugar de sempre. Hoje, às 14h."

"Já cheguei"

"Vou te esperar até você aparecer. To falando sério."

Meus olhos procuraram rapidamente o relógio do celular. Eram 14h37.

Olhei para a chuva caindo dramaticamente lá fora... Puta que pariu!

15 minutos depois eu estava correndo pela praia até o "mesmo lugar de sempre". Tudo estava deserto. A chuva escorria livremente pela capa que protegia meu corpo, porém meu cabelo estava todo molhado, pois era impossível correr com o aquele capuz de plástico naquela ventania toda. O vento que vinha do mar gelava até a alma, mas meu corpo estava aquecido pela corrida. Eu só conseguia pensar em Nico. Se ele ainda estivesse me esperando nessa chuva...

Avistei o casaco de algodão totalmente encharcado, os cabelos castanhos molhados por baixo do capuz, que nada protegia de fato, as mãos nos bolsos da calça e o olhar profundamente perdido no mar. Aquele garoto, eu reconheceria em baixo de qualquer tempestade.

Diminui o passo. Por algum motivo, não quis que ele pensasse que eu tinha corrido tanto para encontrá-lo. Ainda tinha um sentimento estranho de raiva e desapontamento apertando meu peito.

Aquela brincadeira infame, aquele pedido de desculpas idiota...!

Ele olhou para o lado da praia de onde sabia que eu viria - se eu viesse - como se já tivesse feito aquilo umas mil vezes antes de eu chegar. Ficou surpreso quando finalmente me viu e abriu um sorriso um tanto nervoso.

Meu peito ficou ainda mais apertado.

- Achei que não viria. - sua voz estava rouca.

- Eu não ia vir. - menti.

Nem por um momento eu cogitara a ideia de deixá-lo lá esperando para sempre, mas ele não precisava saber disso.

- Eu entendo. - ele olhou para baixo. - Desculpa...

Nico parecia tão desamparado, que uma parte de mim queria abraçá-lo e dizer que estava tudo bem. Todavia, a outra parte era mais forte. Ah! Aquele pedido de desculpas idiota...!

- Não sei o que deu em mim, eu...

- Está tentando dizer que me beijou ontem por pena, Nicolas?

Ele me encarou, horrorizado.

- Não! Não é isso...!

Os sentimentos entalados dentro de mim começaram a aflorar.

- Então, o que foi?! - o interrompi novamente - Me explica, porque eu até agora não entendi! Qual é a sua de achar que pode me dar esperanças e de repente querer arrancá-las de mim com um pedido de desculpas?

Ele ficou em silêncio.

- Se era para se desculpar depois, então que nem o fizesse! Que não me deixasse confuso, achando que eu que fizera algo de errado! Que me deixasse simplesmente ir embora! - lágrimas que eu não podia controlar se formaram em meus olhos e escaparam uma a uma, misturando-se com a chuva.- Ou me diga simplesmente o porquê daquilo que aconteceu! Por que me beijar? Por que me pedir desculpas? Por que me olhar como se sentisse culpado? Por que me esperar na chuva? Por que, Nicolas? Por quê...

- Porque eu te amo, droga!

Eu me calei.

Ele tinha o olhar decidido. Falava sério.

-... Só que não era pra ser assim!

Ele parecia nervoso. Gritava, mais consigo próprio do que comigo. Sua expressão estava atordoada. No entanto, ele parecia disposto a colocar tudo para fora, prestes a revelar algo que ele guardava já durante algum tempo. Algo que parecia revelar até para si mesmo.

- Eu nem sabia direito o que eu sentia até ontem! Até você revelar que sentia o mesmo! Eu estava confuso, não sabia o que tinha dado em mim para ter aqueles pensamentos estranhos sobre você. Eu me sentia culpado. Errado. Ou sei lá! Não soube explicar para mim mesmo porque tive tanto ciúme ao ver você na pista de dança com a Elisa. Ao ver você falando da "pessoa que você gostava" com tanta paixão! Não sabia porque toda vez que eu...

Ele tirou algo do bolso. Um papel dobrado que eu reconhecia muito bem.

- Porque toda vez que eu te via sorrir, eu...! - então ele se esqueceu de tudo o mais que queria falar.

- Merda, Vinícius! - ele se virou de costas para mim. Pareceu limpar os olhos com o dorso das mãos.

Ficamos assim em silêncio por um bom tempo.

Eu não sabia o que pensar, tudo estava muito confuso. Minha cabeça girava, mas ao mesmo tempo eu me sentia feliz. Era um sentimento estranho, uma mistura de sentimentos, na verdade. Uma mistura eufórica, explosiva e pulsante, mas que me deixava estranhamente calmo.

Por fim, ele estremeceu e eu lembrei que ele estava encharcado, e que ali na praia ventava e fazia muito frio - mais do que um nordestino estava acostumado. Pensei nas mensagens de hoje mais cedo e em quanto tempo ele realmente tinha ficado ali me esperando. Ele realmente se importava comigo.

Tudo ficou muito claro, de repente. Eu o amava, ele me amava de volta. Era tão simples... Mas a gente tinha feito questão de complicar tudo até agora! Então, decidi que eu não queria complicar mais.

Pus uma mão em seu ombro.

- Seu idiota...

Ele virou-se para mim. Uma expressão apreensiva e confusa no olhar.

- Se você continuar nessa chuva por minha causa, vai pegar um baita resfriado.

Eu sorria. E ele sorriu de volta.

Parecia aliviado, como se, só com aquele gesto e aquelas palavras, eu tivesse lhe tirado um peso enorme do coração.

Seu sorriso, então, se tornou sarcástico, com uma arriscada pitada de malícia.

- É? Pois eu sei um jeito muito interessante de fazer você pegar um resfriado também. Assim, ficamos quites...

E sem me dar tempo de reação, Nico se aproximou e colou seus lábios com os meus.

Mas dessa vez, ele não ousou se afastar por um bom tempo.

Ingrid Flores
Enviado por Ingrid Flores em 15/07/2014
Reeditado em 13/09/2014
Código do texto: T4883374
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