Querido Diário 7
Sábado, 12 de julho.
Às 22h, a mãe de Nicolas passou na minha casa. Nós tínhamos combinado de ir para a festa da Elisa juntos. Essa tinha sido programada para começar às 21h, mas todo mundo sabe que é idiotice chegar no horário.
Rumamos para o Águia, salão onde a festa já estava acontecendo. A avenida estava engarrafada. Muita gente chegava ao mesmo tempo, e havia mais gente ainda esperando ali fora. Alguns vendiam a senha, outros tentavam entrar de penetra. Todos muito bem vestidos com roupa de balada, à caráter.
Eu estava usando uma camisa preta de manga curta, com detalhes em vermelho, um jeans escuro e tênis Converse preto. Meu cabelo negro e liso estava um pouco grande e desarrumado, mas eu gostava de usá-lo assim. O conjunto me deixava com um ar rebelde.
Quando Nico saiu do carro, eu finalmente pude ver como ele estava, pois antes, como eu ia no banco de trás e ele, no da frente, era impossível enxergá-lo por completo.
Sua visão me deixou tonto. Ele estava estonteante e extremamente sexy. Usava uma camisa de botões branca, estilo social, porém sem mangas (imitando regata, ou colete). Os dois primeiros botões estavam abertos, revelando o início do peitoral, e os cabelos castanhos estavam penteados para trás com um pouco de gel. Usava jeans e tênis também, mas a combinação de algum modo ficava muito melhor nele.
- O que foi? - ele perguntou, e só então percebi que eu o estava encarando.
- N-nada. - respondi rápido e desviei. - Vamos entrar?
Lá dentro, o som alto preenchia o salão, tocando músicas dançantes de DJ's famosos. Tudo estava envolto em penumbra, a não ser pelos jogos de luzes a laser e neon, que eram jogadas na pista. Era ensurdecedor e alucinante. Eu tinha que admitir: Elisa podia ser uma vaca, mas uma vaca que sabia como dar uma festa.
Nicolas cumprimentou um monte de gente. Gente do colégio e gente que eu nunca tinha visto. Logo ficou sabendo do esquema de pulseiras para maiores de idade do open bar, e logo arranjou uma, não sei como. Eu estava vendo esse lado dele pela primeira vez. E era um lado que eu não gostava muito.
- Ta afim? - ele apontou para a pulseirinha.
- Você vai tomar o quê? - eu tinha que gritar para ele me ouvir, e falar perto de sua orelha. Enquanto isso, seu perfume já me embriagava.
- Sei lá, cerveja! Toma comigo!
- Ahn... Talvez depois! - e, antes que ele começasse a reclamar, falei - Vou procurar a Larissa, já volto!
- Espera! - ele me segurou pelo braço, uma onda de choque me atravessou. - Antes, me fala.
- O quê?
- De quem você gosta, ué! Você prometeu que contaria hoje e eu to curioso pra caralho!
Eu ri.
- Agora não!
Nós seguimos por lados opostos e eu pus a mão no bolso para checar se ainda estava lá. Meus dedos tocaram um papel dobrado, onde eu tinha a minha confissão. Era um desenho de Nicolas sorrindo, e palavras que diziam o quanto aquele sorriso significava para mim. Eu pretendia entregá-las a ele até o fim dessa noite.
Acabei encontrando Larissa em um grupo de amigos. Ela estava linda com os cabelos finalmente soltos e o vestido de festa rodado. Tinha superado as expectativas de muitos meninos e estava chamando bastante atenção. Nico logo se juntou a nós, e juntos, dançamos, zoamos e ficamos segurando vela de várias pessoas do grupinho. Não preciso nem comentar que, ao longo da noite, pessoas foram ficando bêbadas, pagando micos, beijando desconhecidos e fazendo apostas com mais bebidas. A festa estava impagável!
Uma hora, porém, eu tive que ir ao banheiro e, quando voltei, não achei ninguém do grupo. Eles deviam ter ido para a área aberta do lugar, um pátio pequeno ao lado salão, onde tinha um pessoal jogando Verdade ou Consequência. Comecei a me dirigir para lá, mas fui interrompido no meio do caminho.
- Vini! - uma voz estridente chamou meu nome e a garota se jogou nos meus braços. - Que bom que você veio! Cadê o Nikito, não está com você? - ela não esperou a resposta - Ah, esquece ele! Dança comigo!
Elisa praticamente me arrastou até o meio da pista de dança e começou a dançar. Eu não sabia o que fazer. Ou aquela garota era doida ou estava bêbada demais! Talvez as duas opções. Fiquei parado, encarando-a, incrédulo.
Não que eu não soubesse dançar, ou que não gostasse. Mas é que... Dançar com a Elisa? No mínimo, isso seria estranho! Ainda mais com ela se esfregando daquele jeito em mim, com aquele vestido justo e provocante até demais.
- Não precisa ficar tímido, gatinho!
Ela pegou minhas mãos e colocou-as em sua cintura. Eu logo as tirei, mas aí ela botou seus braços em meus ombros e envolveu meu pescoço.
- Elisa! O que cê tá fazendo?!
- Não finja que não está gostando, seu bobo! - ela riu.
Quem chegou para me salvar foi o Nicolas. Assim que o viu, a loira imediatamente me soltou.
- Oi, Nikito!
Ele a fitava com um olhar mortífero, que ela fez questão de fingir que não notou.
- Eu estava aqui ensinando o Vini a dançar! Mas ele não tem jeito! - ela riu, descarada. - Você não quer dançar comigo, gatinho?
Nicolas não se dignou a responder, agora ele a olhava com desprezo. Em vez disso, ele começou a me arrastar para algum lugar. Mas não foi uma boa ideia ignorar a garota.
- Ei, volta aqui, Nico! - ela o segurou.
- Me larga, Elisa! Você não se ligou ainda que eu não quero nada contigo?
A discussão começou a atrair olhares alheios, principalmente da galera da nossa sala, que estava toda reunida ali por perto.
- Mas...! Você gosta de mim!
- Quem te disse isso? Esse teu ego inflado? - ele gritava, e não era só por causa da música alta. Ele estava realmente irritado. Eu nunca o tinha visto assim - Eu nunca disse que gostava de você! Se você veio alimentando essa esperança até agora isso é problema seu! Eu tô cansado desse joguinho ridículo!
Pessoas ao redor pararam de dançar para assistir a cena. Elisa tinha os olhos claros carregados de lágrimas. Ela estava prestes a cair no choro.
Pela primeira vez na vida, eu senti pena da garota.
- Não fala assim com ela, Nicolas! - antes que eu pudesse me conter, aquilo já tinha saído da minha boca e os dois me olhavam sem entender nada.
- O quê? - Nico perguntou. - Você ta defendendo... a Elisa?
Quando vi que não tinha mais volta, decidi continuar com o drama.
- To sim, por quê? Vai encarar?
Uma exclamação veio do público. Aquela era a briga que eles tanto esperaram durante a semana! Mas Nico não parecia nem um pouco disposto a colaborar com a encenação. Doía ver aquela expressão confusa no rosto dele, mas eu me mantive firme.
- Quital a gente ir conversar lá fora? - outra exclamação do público.
Elisa, que agora mal conseguia conter um sorrisinho de satisfação no canto dos lábios, fez o seu papel como 'a garota disputada' e se meteu no meio de nós.
- Meninos! Sem brigas, por favor!
Nicolas não tirava os olhos de mim. Sua expressão era indecifrável.
Mas então, ele abriu um sorriso com o canto dos lábios.
- Eu adoraria conversar lá fora, Vinícius.
E, assim, eu fui arrastado por ele.
Alguns colegas de classe começaram a nos seguir, porém Nicolas os afastou com olhares ameaçadores e os fez desistir. Portanto, assim que nós passamos pela porta da saída, eu logo comecei a me desculpar.
- Nico, foi mal, eu não sei o que deu em mim.
- Agora você vai dizer quem é.
Eu parei e olhei confuso. Depois me lembrei do que se tratava.
- Nossa, você é insistente, né não!
- Sem enrolação, Vinícius.
Ele estava sério... De repente, aquele papel no meu bolso parecia pesar uma tonelada. Comecei a tremer da cabeça aos pés.
- V-você tem que me contar primeiro. - sim, eu ia apelar para a infantilidade.
Ele levantou uma sobrancelha.
- Por que eu?
- Porque... Porque eu perguntei antes! Na quarta-feira, lembra?
- Não lembro nada disso. Você perguntou se eu gostava da Elisa, eu respondi que não, que gostava de outra pessoa. Tecnicamente, não foi você que perguntou. - sim, eu não era o único apelando para a infantilidade.
Ele também estava nervoso.
E eu acabara de descobrir que ele nervoso era muito fofo.
- Ah, qual é, Nicolas...!
- Pera, tive uma ideia! - por um momento, juro que achei que ele ia sugerir um par ou ímpar - A gente fala junto.
- Junto? - acho que eu preferia o par ou ímpar.
- A pergunta é "de quem você gosta?". No três, a gente responde. Valendo.
- Mas...!
- Sem 'mas'! - ele comandou - 1... 2... 3!
- De você!
E a minha voz foi a única a ser ouvida.
Ele havia me pregado uma peça.
Meus olhos se arregalaram no mesmo instante e eu levei uma mão à boca. Queria fazer as palavras voltarem, mas não tinha como.
Droga! Não era para ser assim!
Nico estava boquiaberto. Tinha uma expressão incrédula no rosto. Eu não fazia ideia do que ele estava pensando. Na hora, eu só conseguia imaginar as coisas ruins. Senti o sangue esvanecer de minha face. Após o susto inicial, eu comecei a sentir raiva. Ele não podia ter brincado comigo daquele jeito!
- Vini... Eu... - ele começou.
- Calaboca. - me ouvi dizer, sem pensar.
- Vini...
- Calaboca!
Eu só queria ir embora. Onde ficava a parada de ônibus mais próxima?
Comecei a andar.
- Cara, espera...! - ele me segurou.
- Me larga, Nicolas, que droga!
Aí ele perdeu a paciência. E, no instante seguinte, eu estava imprensado contra o muro da rua.
Os lábios dele, sobre os meus.