Querido Diário 6

Diário do Vinícius

Sexta-feira, 11 de julho

Hoje quase não tivemos aula. A professora de Literatura faltou e ela tinha dois horários a cumprir. No primeiro, todo mundo ficou vagabundando na sala, jogando UNO ou conversando, principalmente sobre a festa. No segundo, apareceu um monitor muito jovem, que passou exercícios de redação. Mas, como ele não tinha moral para segurar a sala, ninguém se mexeu muito para fazê-los.

Elisa não deu as caras no colégio hoje. Devia estar organizando alguma coisa da festa, ou já começando a se arrumar - do jeito que ela é sem noção, é bem capaz mesmo. Mas isso não impedia ninguém de comentar o caso do triângulo amoroso dos dois melhores amigos apaixonados pela mesma garota.

- Acredita que vieram me perguntar que horas que ia ser a briga? - Nicolas disse rindo, e, se eu não conhecesse o nível das pessoas por ali, eu quase não teria acreditado.

- Na boa, isso é ridículo! - eu ri de volta, mas estreitei meus olhos sugestivamente para ele - E pensar que seria tão mais fácil se você dissesse logo de quem você gosta na real...!

- Você também, né, espertinho! - ele me deu um soco de brincadeira no ombro.

- Talvez eu diga mesmo!

Ele ficou olhando pra mim, surpreso com essa minha atitude repentina.

- Ah é? Quando?

- Amanhã, na festa. Mas só digo se você disser também. Fechou?

Nicolas me analisou, procurando sinais de que eu estivesse brincando, mas não encontrou nenhum. Ainda assim, resolveu aceitar o desafio.

- Fechou.

Naquele dia, depois da aula, ele não precisava voltar para casa tão cedo. Assim, resolvemos ir para a praia, que ficava a cinco quadras subindo a rua. Larissa foi conosco.

Ela tinha os cabelos ondulados presos num rabo de cavalo alto, usava óculos de armação vermelha e preta e carregava para cima e para baixo seu fichário decorado com várias figuras de personagens Anime. Assim como eu, ela amava escrever e ler. E, assim como Nicolas, sabia tudo sobre jogos de vídeo game. Ela também sabia tudo sobre o mundo Otaku. Só que ela era muito mais fanática do que qualquer um de nós, o que a tornava extremamente engraçada.

Ela e Nico costumavam conversar muito sobre jogos, gráficos, gameplays e detonados. Nessas horas, eu ficava meio deslocado na conversa, tentando entender o que diziam, mas isso não costumava me incomodar. Mas dessa vez, ficar olhando para eles conversarem daquele jeito, rindo e parecendo tão íntimos numa linguagem só deles, me deu um aperto no coração. Eu achava Larissa linda, mas sabia ser um dos poucos que realmente a viam assim. Porém, Nico havia me dito que gostava de uma pessoa, e isso mudava tudo... E se ele fosse um dos que viam na Lari alguém especial? Eu podia estar viajando, mas naquela hora vê-los juntos me pareceu tão... certo.

Depois de algum tempo, Larissa teve que ir embora.

- Falou, meninos! Eu vou andando, que tenho um monte de coisa pra fazer! Além disso, aquele gostoso do Kento Suenaga me espera. Bye bye.

E nos deixou sem entender a referência - a provavelmente um personagem qualquer de mangá romântico.

Nicolas e eu ficamos um tempo em silêncio, fitando o mar.

- Vini... - ele começou - Essa pessoa de quem você gosta... Como ela é?

A pergunta foi tão inesperada, que eu cheguei a olhar meio assustado para ele, tentando adivinhar de onde surgira aquele assunto. Mas achei melhor descontrair logo.

- Tem dois olhos, um nariz e uma boca. - ri, zombeteiro.

- Babaca...! - ele me deu outro soquinho no ombro. - O que eu quero dizer é: porque você gosta dela? ...O que te faz gostar dela? ...Sacou?

Era muito estranho ouvir Nicolas perguntando com aquele ar de apaixonado. Mas a pergunta despertou em mim certa comoção. E me fez desviar os olhos de volta para o mar.

- Porque... - as palavras não vinham. - Sei lá... Porque me sinto bem perto dela.

Não é só isso.

- Porque eu gosto de estar perto dela.

Também não é só isso.

- Porque eu amo seu sorriso, seu cheiro, sua voz. O jeito como ela fala, anda, canta... - então eu percebi que havia falado demais, e olhei para Nicolas para saber que expressão ele fazia.

Seus olhos castanhos me encaravam profundamente. Ele pareceu tocado pelas minhas palavras.

Mas só por um instante.

- Você é gay. - ele riu.

Senti o sangue ferver. Eu queria negar, mas não o fiz, não sei por que. Talvez intimamente eu preferia que ele descobrisse a ter que contar com minhas próprias palavras.

Porém, ele não estava falando sério. Era só uma zoação banal.

- Tá todo derretido, esse Vini! Falando que nem um poeta! Não é justo, quero saber quem é!

Talvez um pouco decepcionado, eu sorri.

- Palhaço...! Isso você só vai saber amanhã. Mas agora... - e meu sorriso se tornou malicioso. - Vai me pagar por ter me feito falar assim!

E saí correndo antes que ele se recuperasse do punhado de areia que atirei para cima.

- Vini, seu...! - ele riu, levantando-se para sacudir a areia e agarrando outro punhado - Agora é guerra. Prepare-se!

Ao chegar em casa de noite, todo sujo, com os cabelos embaraçados e um sorriso besta na cara, eu decidi que amanhã seria o dia. E eu não ia deixar passar.

Peguei na minha escrivaninha uma folha, lápis, borracha, apontador e uma foto. Já que eu não tinha coragem para falar com palavras, eu ia mostrar a ele o motivo pelo qual eu o amava.

Na foto, Nicolas sorria ao meu lado. Aquele sorriso perfeito naqueles lábios finos e bem desenhados. Aquele sorriso que me fazia sorrir também...

Sentei-me e comecei a desenhar.

Ingrid Flores
Enviado por Ingrid Flores em 12/07/2014
Reeditado em 10/09/2014
Código do texto: T4879282
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