Querido Diário 3
Diário do Vinícius
Terça-feira, 8 de julho
Às 9:40 da manhã, o sinal tocou para o intervalo. Mais da metade dos alunos saíram em direção à cantina, alguns ficaram jogando UNO no espaço sem cadeiras no fundão da sala, umas meninas ainda copiavam o quadro e eu estava terminando um desenho que havia começado na aula de matemática do primeiro horário.
Nicolas estava sentado diretamente atrás de mim. Ele se equilibrava nos dois pés traseiros da cadeira, naquela posição vacilante em que parece que a pessoa vai cair pra trás a qualquer momento. Como sempre, ele estava ouvindo música.
Tem uma garota na nossa sala, uma tal de Elisa, que é a imagem em carne e osso daquele típico estereótipo adolescente da patricinha poderosa do colégio. Ela é loira e tem olhos claros (tipo físico incomum no Nordeste, e que sempre causa suspiros), e é burra que nem uma porta. A única coisa em que ela é especialista é a arte de ser uma piranha, em todos os sentidos. Pois bem, foi essa piranha com cara de anjinho e andar felino que se aproximou rebolando para o nosso lado.
- Oi, meninos! - ela falou, com aquela voz arrastada e irritante, com empolgação exagerada.
- Oi, Elisa. - Nicolas respondeu, tirando os fones e ajeitando a cadeira, o que o fez se inclinar rapidamente na direção da garota.
Eu apenas me dignei a olhar para ela, mas sabia que o meu olhar não devia estar muito gentil naquele momento.
Não importava. Ela mal olhou para mim, na verdade.
- Entãaao... Queria convidar vocês pra minha festinha nesse sábado! - nos entregou dois convites com uma senha cada. Só pelo design do tal convite já dava para perceber que a festinha não tinha nada de 'inha'. - Se quiserem mais senhas, é só falar, mas eu preciso saber quem vai, pra poder colocar o nome na lista... É traje informal, tá? - Elisa deu uma risadinha, e aí fez uma coisa que... eu tive que me segurar para não dar na cara dela.
A loira colocou a mão no ombro de Nico, deu seu melhor sorriso de vagabunda e soltou: - Você vai, né, Nikito?
Se o olhar mortal que lancei naquele instante pudesse realmente matar, ela já estaria sendo torturada no sétimo inferno.
- Vou pensar. - ele disse simplesmente, e piscou, coisa que a fez dar outra risadinha irritante.
- Você também apareça tá, Vini? - rapidamente olhou para mim e depois saiu, rebolando.
Eu não consegui decifrar o que o Nicolas tinha achado de toda aquela cena. Sua expressão estava neutra. Ele simplesmente se virou pra mim e apontou para o convite.
- Você vai?
Sinceramente, eu não estava nem um pouco a fim. Mas depois daquela amostração de Elisa, eu nunca iria deixá-lo ir sozinho!
- Não tenho nada melhor pra fazer. - dei de ombros.
Ele voltou a se equilibrar na cadeira e retomou o iPod nas mãos. Subitamente eu lembrei de uma ideia que havia me ocorrido na noite anterior, envolvendo o iPod dele e a minha... Declaração. Senti minha face esquentar... Eu precisava fazer aquilo.
Ana Paula morava longe agora, em São Paulo, mas ela costumava ser minha melhor amiga enquanto estava aqui. Nicolas por algum motivo nunca a conheceu, mas ele a teria adorado! Num dia, ela acabou me contando que uma vez havia se declarado de modo meio estranho à pessoa que ela gostava: escrevendo uma nota gigantesca no Bloco de Notas do iPhone do garoto. Aninha falou isso de forma descontraída, como se tivesse sido a coisa mais idiota que ela já fizera na vida! Mas... eu não achei tão idiota assim.
Quero dizer, eu sempre fui muito melhor com a palavra escrita do que com a falada, então... Por que não?
Tomei coragem.
- Nico... Me empresta teu iPod um segundo?
Os olhos amendoados se estreitaram para mim, num misto de desconfiança e curiosidade. Mas, no fim, ele cedeu.
- Ta, mas deixa eu olhar isso aqui, então. - Nico me entregou o iPod ao mesmo tempo em que puxava meu caderno de desenhos. Reprimi um desejo instintivo de pegá-lo de volta. Mas, deixei isso de lado e me concentrei na minha missão.
Abri o Bloco de Notas.
E, na hora, me deu um branco.
Tudo o que eu conseguia fazer era olhar aquela barrinha preta de digitação sumir e aparecer na tela. Minhas mãos começaram a suar, os segundos foram passando. Nico folheava atentamente meu caderno e eu continuava ali, imóvel.
Então, eu respirei fundo... e comecei.
- Heeey! O que você tá digitando aí? - Nico disse rindo e avançou para pegar o iPod. Meu olhos arregalaram-se e meu polegar voou para a tecla de apagar o texto enquanto eu tentava tirar o aparelho do alcance de seu dono.
Eu devia ter feito uma cara muito apavorada, porque Nico logo parou de tentar recuperar o iPod.
- Cara, desculpa, eu achei que você tava de zoeira, postando alguma coisa no facebook, ou sei lá...
Me acalmei e ri nervosamente.
- É, eu tava fazendo isso.
- Não tava não, seu mentiroso. Eu vi que o Bloco de Notas tava aberto! - ele riu, e eu senti todo o meu sangue subir à cabeça. Será que ele chegara a ler alguma coisa por cima dos meus ombros? - Mas, mudando de assunto... Você tinha outro caderno desses no início do ano, né?
Levei um momento para processar a pergunta. Ele se referia ao meu caderno de desenhos que estava em sua mão, é claro.
- Ah, sim, tinha. Por quê?
- Cadê ele?
- Sei lá... Em casa. Mas, por quê?
- Nada... Eu só queria ver um desenho que acho que tá lá. Um que era de um anjo... Tá ligado?
Demorei um pouco procurando o tal desenho mentalmente. Sim, ele estava no outro caderno! Era de um anjo com o torso nu, mergulhado até os quadris em um lago e com as asas majestosas caídas sobre a águas . Eu lembrava bem do rosto que eu havia desenhado para o anjo, pois ele havia sido inspirado em Nicolas...
- Nossa! Você lembra desse desenho?! Foi do ano passado! - eu ri.
Nico me encarou.
- Eu lembro de todos os seus desenhos.
Então ele sorriu.
E eu imediatamente lhe virei as costas para esconder meu rosto vermelho, enquanto uma nova ideia começava a tomar forma dentro de mim. Sim, eu definitivamente vou me declarar!
Só não vai ser hoje...