Querido Diário 2
Diário do Vinícius
Segunda-feira, 7 de julho
Estava chovendo. Ele chegou vestindo o casaco, e não com ele amarrado na cintura. Mas, mesmo assim, estava todo molhado. Também, quem mandou só usar casaco de algodão? Assim que entrou em baixo da cobertura da arquibancada, baixou o capuz e o tirou. Podia até estar chovendo rios do céu, mas o clima continuava quente e abafado. Afinal, o que mais se esperar de uma cidade como Recife? Nada menos do que 26 graus, mesmo no inverno.
É claro que eu notei que ele havia chegado, mas fingi estar distraído com qualquer coisa no celular. Ele se aproximou e atirou o casaco molhado em cima de mim, rindo.
- E aí, cara, beleza?
Fingi ficar com raiva e ele riu mais ainda. O cheiro de Kaiak com água da chuva me inebriou, eu nem me importei de ficar um pouco molhado com o casaco no colo.
Ele se sentou no banco ali do meu lado e eu me lembrei subitamente de que tinha algo a lhe dizer... E eu tinha prometido a mim mesmo que o faria.
Imediatamente senti meu rosto esquentar. Agradeci a todos os deuses por ele não estar olhando para mim, e sim para alguma coisa em seu iPod. Eu estava nervoso, mas disposto. Afinal, era uma promessa. Então, comecei:
- Nicolas...
- Escuta isso aqui! - ele falou empolgado, colocando um fone de ouvido na minha orelha.
Não, ele não tinha me interrompido de propósito. Minha voz chamando seu nome é que saíra muito baixa para ser ouvida. E agora ele não me deixaria falar mesmo, então eu escutei a música, aproveitando-me do fato de que o fio dos fones de ouvido era curto o suficiente para nos obrigar a ficarmos mais perto um do outro.
A música era alguma daquelas do Dream Theater e tinha 9 minutos. Ele me fez ouvir até o final, mas eu não me importei, porque ele começou a cantarolar junto com o vocalista e eu não pude deixar de sorrir ao ouvir sua voz.
- Se liga na masturbação musical dessa parte! - ele disse, enquanto um solo estrambólico e progressista explodia nos fones. Os olhos dele brilhavam. - Me diz que não é a melhor coisa que você já ouviu!
E nessa hora eu quase respondi que não, "A melhor coisa que já ouvi foi você cantar.".
Assim, quando a música acabou, só faltavam 5 minutos para começar a aula. Não dava mais tempo de falar nada, e eu também já tinha perdido a coragem.