Um conto de aparências

Um amor de aparências. Que conto começa com um amor de aparências? Contos de fadas começam com “era uma vez...” Talvez só esse seja assim. Talvez só esse tenha esse privilégio. Será bom ou ruim? Não sei, não sou eu quem vai dizer, mas Antônia dizia que era até interessante. Servia muito, um amor que não houvesse cobranças a não serem cobranças de aparências.

Vai ver Dionísio não gostasse tanto assim, porém precisava manter tais feições. O que Antônia queria era algo que não desse tanta especulação, tudo tava bom, então tudo se mantinha. A mulher não dizia, não reclamava precisava manter as aparências. Dionísio ao contrário queria falar, mas como falaria se ela era perfeita? Cada passo metricamente anotado.

Dionísio era dono de um restaurante noturno de comida italiana. Antônia era gerente do mesmo restaurante. Eles se conheceram quando ela resolveu procurar um emprego e conseguiu a vaga de recepcionista. Por mostrar competência e responsabilidade Antônia, que era muito rígida, ocupou a vaga de gerente, dois anos depois.

Chegavam todos os dias em casa mais de uma e meia da noite. Até nisso eles se completavam fielmente. Ele não era príncipe encantado, mesmo tendo aparência de um. Antônia não era Cinderela, trabalhava até mesmo depois da meia noite. Mas para eles o que interessava mesmo era a aparência. O restaurante vivia cheio e eles se alegravam por isso. Quanto mais cheio mais aparentava ser bom.

Antônia dividia o apartamento com Dionísio que era divorciado e tinha uma filha. Visivelmente eles dois davam certo, mas o amor de aparências que os mantinha unidos não permitia que eles ficassem juntos. Aparentemente eles eram casados, até mesmo os funcionários os respeitavam como um casal. Ninguém sabia, eles também não entendiam essa questão.

Há muito tempo Dionísio não se interessa por ninguém. Antônia queria muito sair da vida de aparências, mas não conseguia. Um belo dia... É podemos dizer um belo dia, ainda estamos em um conto, estranho, mas ainda assim um conto. Então, em um belo dia Dionísio sentou-se sobre o tapete vermelho que fica no meio da sala para calcular os valores necessários da compra para o restaurante. Antônia estava indo à padaria, quando Dionísio pediu sua ajuda.

A mulher se sentou mal sabendo que a partir dali aquele amor aparente se tornaria algo sólido. Um beijo e tudo o que parecia tornou-se real. Real demais para ser verdade. Se eles bem soubessem teria mantido as aparências. Teria continuado a vida de antes. Bastou um beijo para modificar tudo o que eles haviam construído até agora. Estavam estranhos, não se olhavam mais, não conseguiam mais se falar. Talvez a realidade fosse muito mais impactante do que aparentemente parecia.

Antônia continuou trabalhando no restaurante por um tempo, mas logo, logo se demitiu. Agora ela tinha seu próprio canto, seu próprio trabalho, aluguel atrasado, contas atrasadas. Dionísio manteve o restaurante por um ou dois meses, até este fechar as portas. Viveram assim por mais ou menos meio ano.

Foi suficiente. Eles haviam aprendido a lição. Um instante fora da constância e eles se encontraram em um café próximo dali. Conversaram por horas e decidiram que se era pra viver bem de aparências que esta seja a vida que eles tenham que levar. Aprenderam que não dá pra mudar o que já foi planejado, embora uma vez ou outra, eles fugissem da constante realidade.