A minha casa
Uma noite deitada em minha cama, meio sonolenta, não conseguia conciliar o sono, embora estivesse cansada. Em alguns dias acho ficamos assim. Lá fora, ventava e chovia forte, era outono, mas devido o mau tempo a temperatura arrefecera bastante. Talvez em noite como esta, nossos sentimentos aflorem mais, era como eu me sentia.
Não sei em que momento eu adormeci de verdade. Acordei no meio da noite, fui à cozinha beber água, depois ao banheiro e voltei para cama, ela estava tão acolhedora. A chuva continuava a cair então, me arrumei entre o lençol e o edredom, tentando dormir novamente.
Passou algum tempo, não posso precisar quanto, sei que demorou bastante, sem que o sono voltasse, não quis ir ver as horas, para não ter que levantar, pois eu não mais dormiria. Demorou um tempinho, eu ali encolhidinha, já numa madorna, ouvi um barulho muito forte de uma trovoada, percebi que a chuva tinha aumentado sua intensidade.
Comecei a dar graças a Deus, por estar na minha casa protegida. Ter minha cama quentinha, imaginando quantas pessoas não tem nem sequer a onde morar. Dormem embaixo das marquises, cobertos por papelões, ou pedaços de plástico. Meu Deus como é triste, imaginarmos uma situação destas, pois mesmo que quisesse nada poderia eu fazer, pois nem as autoridades tampouco conseguem, criam abrigos, mas eles não vão para lá, preferem ficar pelas ruas.
Pensei, é muito bom meu Deus saber que meus filhos estão acolhidos em seus lares. Que meus amigos e parentes, até mesmo pessoas que eu nem conheço, estão nas suas casas abrigados, seria melhor se todos que estão nas ruas, pudessem ter seu local de refúgio, sua cama, seu prato de sopa quente em uma noite assim fria e chuvosa.
Minha cabeça não parava, sentia neste momento o desejo de agradecer a Deus, pelo fato de eu estar resguardada dentro de casa, por ter me propiciado esta graça, mesmo estando sem sono, já que o mesmo se fora completamente e, com toda a certeza, iria demorar a voltar.
Devemos valorizar sempre o nosso cantinho, seja ele como for uma casa, é sempre uma casa. Ali é o nosso lar, nossa vida está cravada nas paredes, nossas ideias, sonhos, ideais, desilusões, prantos, enfim tudo o que somos e que temos. É a partir dela que construímos tudo o que desejamos, nela também traçamos nossos projetos e muitas vezes até os visualizamos prontos. O que é muito bom e agradável, pois sabemos que estamos no caminho de alcançar a nossa realização, a nossa vitória. Alguém já em certa feita disse:
“Que se as paredes falassem o que será que elas diriam?”
Quantas coisas não seriam reveladas da vida das pessoas. Sim, pois elas estão ali, ouvindo a tudo, presenciando tudo. As paredes da nossa casa sabem do menor ao maior problema ocorrido em nossa vida. Elas são as maiores testemunhas de tudo que vivemos e passamos dentro de casa, embora inertes.
Tomei meu terço nas mãos e iniciei uma oração, para todos os desabrigados, me ajeitei no travesseiro e sei lá em que momento eu adormeci. Acordei pela manhã com o alarme do telefone móvel. Levantei-me, agradeci a Deus por mais um dia em minha vida, fiz a minha higiene matinal e me dirigi à cozinha, para preparar o café e a marmita de minha filha que ia para o trabalho.
Era uma manhã de quinta-feira, o sol já ia alto, embora o relógio ainda marcasse 6H30 da manhã, só eu havia levantado. Minha filha ainda dormia. Minha mãe a mesma coisa, pois toma remédios para hipertensão e eles a fazem dormir mais tempo. Enquanto preparava a comida, voltei a lembrar no que havia pensado a noite e me senti um pouco triste.
Refleti sobre todas as conclusões que eu havia chegado, enquanto esperava pelo sono. Revendo a situação de todas àquelas pessoas desabrigadas. Tantas crianças que se drogam, junto com os adultos bêbados. O consumo de bebida é inevitável em noites frias, para eles dormirem mais rápido e ao acordar, será que iam se alimentar, com que?
A maioria deles vive sem uma perspectiva de vida, sem oportunidade, com seus sonhos despedaçados, tantos infelizes que se enveredaram por um caminho meio que sem volta, já que para que aconteça esta volta, depende muito deles quererem. Vivem como uns vegetais, pois a dependência química faz com que de dia se pareçam com uns zumbis. Já à noite se amontoam em grupos para consumir aquilo que os destrói.
Assim enquanto eu preparava o alimento para minha filha levar para o trabalho, ferviam os meus pensamentos neste assunto. Realmente é lamentoso sabermos ou até mesmo presenciarmos estas situações de risco em que se encontram muitas de nossas crianças brasileiras. Digo brasileiras, porque nas viagens que fiz a Europa, mais precisamente a Portugal, não identifiquei casos tão alarmantes como aqui.
Existem sim, mas em países que estão em conflitos étnicos ou religiosos, que sofreram com alguma catástrofe. São casos em que as crianças perderam suas famílias, sendo, levadas a sobreviverem da maneira como conseguem. A realidade deles é completamente diferente da nossa. Casos estes em se perde o controle de tudo.
Com estas inquietações todas, fechei a marmita, beijei e abençoei minha filha, que se dirigiu ao trabalho. Despedimo-nos com nosso cumprimento tradicional.
- Deus te leve e traga em paz filha, te dê um bom dia de trabalho!
- Amém!
Ela assim responde.
Tomei o meu café da manhã, retomando meus afazeres domésticos, ainda com os estes mesmos pensamentos. Como é bom ter o nosso cantinho, poder sair e retornar para ele, sabendo que seremos sempre bem vindos, seja a nossa casa como for. Se um simples barraco de tábuas, ou um belo e luxuoso palácio, o importante, é ser nosso, onde pousamos nossa cabeça, descansamos do cansaço do dia a dia.
Não nos importa sua condição, sempre que saímos e retornamos para nossa casa, devemos dar graças e, louvar a Deus por temos um lugar para voltar, um teto e um chão nosso. Onde nos sentirmos acolhidos principalmente se lá está nossa família que nos ama, aí sim fica o perfeito “Lar Doce Lar”!
Republicado nas páginas do Recanto com atualização para a Antologia da CBJE.
Este conto será publicado na
Antologia de Contos Amor & Desamor.
http://www.camarabrasileira.com/cad14-018.htm