DECLARAÇÃO DE AMOR

“Se eu disser que não te amo, e que à noite não estás em meus sonhos antes e depois que adormeço, e que à primeira hora da manhã o que me invade o pensamento e permanece ao longo do dia não são os contornos delicados de tua imagem esbelta, nem a adorável leveza de teus gestos e passos, marcas inequívocas de teus movimentos, pense que eu posso estar mentindo. Se eu disser que não são as centelhas desses teus olhos flamejantes, irreversivelmente tatuadas em minhas retinas, que me fazem lembrar sempre do frescor e viço de tuas faces, onde habita o suave, sutil e quase perene sorriso, cheio de mistério e irradiando certa beleza que só pode existir no indecifrável, pense que de novo eu possa estar mentindo. Em verdade muito pouco sei de sorrisos indecifráveis. Da Vinci é que bem o sabia como bem o fez em suas tintas. Faço-me poeta por alguns instantes e de poeta infinitamente maior tomo emprestado o verso (entre poetas é lícito se tomar de empréstimo o verso sem sequer pedir licença): ‘sou um fingidor/que finge não ser amor/o amor que deveras sente’, ou o contrário, que vem a ser o mesmo: ‘ sou um fingidor/que finge ser amor/o amor que deveras sente’ “.

(.......................)

Parou de ler, dobrou delicadamente a folha de papel amarelecida pelo tempo, colocando-a cuidadosamente de volta no envelope sobre a cômoda ao lado da cama. Esboçou um brando sorriso e seus olhos cintilantes, subitamente, deixaram escapar uma lágrima benfazeja que deslizou suavemente por um dos sulcos que lhe marcavam as faces, ainda belas e serenas, emolduradas pelo manto alvo de seus cabelos ainda abundantes. Tanto tempo havia desde que leu pela primeira vez. Nunca correspondeu àquele amor que de modo tão incomum lhe fora declarado. Mas aquelas palavras marcaram para sempre, como se a ferro e fogo, os recônditos mais profundos de sua alma feminina e, agora, eram uma das lembranças felizes que com frequência revisitava.

Nelson S Oliveira