Soluções para monotonia

Meu amor, três anos que estamos casados, mas parecem apenas um, pois tudo que fizemos no primeiro repetimos nos seguintes. Acho que caímos na rotina e corremos grande risco de permanecermos nela. Então, esboçarei algumas sugestões para que possamos sair dessa mesmice, quer dizer, se lhe estiver sendo incômodo.

E se, por acaso, acidentalmente, você me amasse um pouco mais? Quer dizer, não estou a pedir nada, simplesmente formulo uma hipótese que talvez resolva nossos problemas amorosos. Ou melhor, nossos problemas, porque se houvesse amor dificilmente haveria tantos problemas.

Formulo uma tese meramente hipotética. Não estou a pedir nada. Talvez se me amasse um pouquinho mais – ou simplesmente me amasse – entenderia minhas bebedeiras, minhas pontadas de ciúmes, porque também terias as suas, e eu bem as entenderia, amá-las-ia como amaria qualquer coisa que fizesse, quando com amor fizesse.

Sei que nos demos bem nesses três anos mas quem sabe poderíamos dar-nos melhor. Quer dizer, não estou a reclamar de nada, apenas acho que não duraremos mais três anos se seguirmos assim. Ou, pior!, duraremos mais trinta.

Quando te pedi em casamento – há seis anos – fi-lo porque acreditava que tínhamos tudo para nos amarmos: desejo, entrega, paixão... tudo! Mas ao invés de darmo-nos amor, demos comodismo.

Saímos quando ambos querem, se alguém discordasse, não íamos. Tudo bem. O problema do comodismo é que sempre está tudo bem. Então íamos ao cinema ver qualquer filme. Não importava, no final estaria tudo sempre bem. Trocávamos beijos e caricias maquinalmente, como um bom casal deve fazer. Ignorávamos os casais apaixonados que encontrávamos pelo caminho a enamorarem-se sofregamente sem precisarem de motivos ou roteiros. Estávamos que se não nos beijássemos sequer dar-nos-ia conta de que éramos casal. Quando não era cinema, jantávamos. Restaurantes caros, baratos. Não nos importávamos. Pois eram sempre as mesmas conversas, às vezes pedíamos até os mesmos pratos. Era sempre a mesma chatice que não nos incomodava em nada, pelo contrário, nosso problema era que tudo estava sempre muito bem.

Depois duma discussão íamos para cama. Quando não discutíamos não conseguíamos dormir. Sentíamo-nos estranhos. Era sempre assim quando quebrávamos a rotina. Confesso que também tenho pedaço de culpa no sucesso do nosso casamento, achei que dar-te presentes e falar coisas bonitas significava amar e fazer-te feliz. Reparando com atenção, com um pouco mais de amor – ou com amor –, vejo que mal estou a lhe fazer. Era muito mais bonita quando éramos apenas dois apaixonados aproveitando a vida.

Namorávamos às escondidas mesmo não sendo necessário, mesmo querendo que o mundo inteiro soubesse. Hoje namoramos sabe-se lá como. Pouco nos importa. Namoramos, sendo assim, está tudo bem.

Infelizmente tudo segue muito bem. Não mais discordamos ou discutimos, porque não mais nos convém. Fingimos uma discussão ou outra para dizermos que apesar das brigas – que todo casal normal têm – estamos indo bem. Mas esta semana percebi que não podemos mais seguir assim. O pior é que se você nada fizer, também nada farei. Então estou a escrever-te esta carta ainda que não vá entregar-te. Largarei na cabeceira ao lado da nossa cama e sequer mencionarei sobre ela.

Se ler será ótimo. Se não ler, tudo bem.

Pedirei nela algo simples, quer dizer, não pedirei nada, simplesmente falarei de um plano hipotético. Quem sabe se déssemos um ao outro todo amor que prometemos que daríamos. Todo amor que tínhamos quando éramos jovens. Quando fazíamos questão de tornarmo-nos casal. E se isso nos trouxer algum problema, se ao acaso você imaginar que não estou a dar-te amor, ótimo! Será bom que surjam alguns problemas para que possamos nos amar apesar disso. Ou simplesmente nos amar.

Anteontem ouvi você dizer a sua mãe, no telefone, que estávamos indo bem e que tínhamos tudo para passarmos a vida inteira juntos. Percebi que não tenho o direito de fazer-te infeliz pelo resto da vida. Você merece algo melhor do que estar bem com alguém. Então se ainda pensa em amar-me, pode o fazer quando bem quiser. Retribuirei sem conta. Mas se já tiveres enfadada de mim, entenderei. E que nos arranjemos – ou desarranjemos –, com outra pessoa. Não casamos por que nos queríamos bem, casamos porque nos amávamos e queríamos acima de tudo amor. Não sei você, mas eu ainda quero amor. Então é o que te proponho - hipoteticamente -, que nos amemos um pouco mais. Talvez isso nos de alguns desentendimentos. Se calhar, aumentarão nossos ciúmes, nossas brigas, nossos desejos, mas não me importarei; se aumentar nosso amor, então para mim estará realmente tudo bem.

Luís Moreira
Enviado por Luís Moreira em 05/06/2014
Código do texto: T4833852
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