Insinuações dum romântico

Dá-me muita pena – muitíssima pena – suas incompreensões, minha amada. Pena mesclada com uma pequena – mais que suficiente – dose de tristeza. Tento alertá-la frequentemente, sem sombra de sucesso.

Sábado mesmo, convidei-a para um passeio romântico, como frequentemente faço, quer dizer, não disse, disse, com as letras bem desenhadas, apenas insinuei. Não é assim que fazem os casais apaixonados? Ou ao menos não é assim que deveriam fazer? Impressiona-me a forma como conversam, entendem-se, sem que digam nada claramente. Sobrevivendo apenas de dissimuladas sugestões. Com um quê de romântico, às vezes sério, impaciente, são tantas variações. Incrível como pedem beijos simplesmente com os olhos.

Qual graça de convidar-te para passeio! Então fiz como fazem os apaixonados, mandei-te versos, rosas, olhares, dúvidas, desejos, tudo bem dissimulado como reza a cartilha do bom romântico. Mas você não percebeu. Toda semana digo-te algo de modo insinuado, poético, e sequer nota.

Entendo que tem mais ocupações, estressantes, cansativas, porém como serei eu bom namorado, bom marido, bom romântico, se você faz questão de não perceber meus romantismos? Não conta-me mais tristezas, alegrias, ou qualquer sentimento mais íntimo. Explícito que seja. Age duma forma, com tal indiferença que enche-me de dúvidas e raivas por não saber nada sobre sua vida. Ponho-me a tentar entendê-la sem pista alguma. Nem uma insinuaçãozinha sequer. Estou a pensar que você pode não estar lá tão apaixonada assim, ou simplesmente apaixonada.

Não creio que esteja pecando nas insinuações ou em qualquer outro de meus pormenores românticos. Não a culpo por completo. Mas por que raios você me não conta que passa contigo. Assim passo os dias embriagando-me dessa mistura maluca, fortíssima, que tenho por suas incompreensões. E digo, fazem-me nada bem.

Sua indiferença só aumenta ao passo que só faz aumentar a saudade que tenho de ti. Saudade de uma insinuação que uma vez me fizeste, a única!, dizendo – sem dizer – que seria eternamente minha. Quase isso. Não creio ter entendido errado sua insinuação foi claríssima! Quase imperceptível. Talvez se não fosse tão apaixonado sequer dar-me-ia conta do caso. Desde então, nunca mais insinuara nada, também nada diz, de maneira que fico atônito, colérico, enciumado, dependente, por assim dizer. O ciúme dá-se por conta de não saber se pertence a mim ou se ao menos querer isso. Meus sentimentos passam a depender das suas incertezas, ou certezas não ditas; a cólera, que na maioria das vezes é branda, quase irritação de criança, oriunda dessa confusão que faz tua falta de respostas, presenças. Pior, tudo isso tem ocorrido desde o primeiro dia que nos conhecemos.

Convivemos assim mais de três anos, tem como não ficar atônito, perturbado? Agora estou sabendo que está saindo com outra pessoa, o que talvez seja a resposta de ignorar minhas sugestões amorosas. Ouvi dizer que ele te busca da faculdade todos os dias e que dão passeios todos os sábados. Inclusive fiquei sabendo que sábado agora irão ao cinema ver: ‘Para Sempre Amor’, algo do tipo. Ora, que tem nisso de romântico? De sugestivo? Como posso ser bom namorado, marido, se desde que nos conhecemos você troca todas minhas poesias insinuativas por dizeres rotineiros, maquinais, nada românticos.

Cá estou outra vez esperando que retorne da faculdade, cheio de improvisos, desejos, devaneios, moldados segundo a cartilha do bom romântico. Mas acho que não será hoje que virá e hão de permanecer as dúvidas que tenho.

Estou quase abrindo mão de todas essas formalidades romanescas, mandando para o diabo essa maldita cartilha, que põem-me numa concorrência desleal com esses brutamontes que vi lhe conquistarem sem pompa alguma, dizendo com todas as letras que te amam. Você não tem noção do dó que tenho de suas incompreensões que te não deixam perceber do bom – e apaixonadíssimo – namorado que tem a sua espera. Estou quase a pedir-te que diga-me duma vez por todas, com todas as letras, que não temos e não teremos nada um com o outro, ao menos assim libertar-me-ei dessa maldita dependência, desse maldito veneno. E irei gastar meu romantismo, minhas insinuações, com alguém que goste – ou entenda – de tudo que digo quando não estou a dizer nada com clareza; só com insinuações.

Luís Moreira
Enviado por Luís Moreira em 04/06/2014
Código do texto: T4832757
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