Por onde anda meu beija-flor?
Pequeno e afável, livre e leve: assim era o beija-flor que fiz amizade, romance, e hoje faço saudade. Depois de adulta o mundo pareceu ficar cada vez menor, menos importante, e na minha casa enorme, de seis cômodos quase que inabitáveis, tinha um cantinho onde fazia meu espaço, meu desenho de expansão do mundo. Uma roseira. De ponta a ponta, na brecha estreita cabia apenas uma pessoa, bem lombriguenta, a passar, sendo inevitável que as folhas a toquem. Espinhos às vezes, mas nada que me fosse suficiente para deixar de lado minha roseira.
Uma coisa era manter um animal preso. Não tinha coragem. Outra era criar do azulejo arte, vida, rosas. Chega de paredes cegas e mudas, inventei uma amiga. Enchi-as com lindas rosas. Amáveis e amadas. Amigas.
Eram horas de conversas, cuidados, carinhos que de quando em quando viravam dor entre uma espinhada ou outra. Nada grave. Sempre às perdoava por virtude do amor. Amor esse que deu-me prova, sonho, um livre animal de estimação. Animal por nome de ciência, por natureza: anjo. Belo tal qual minha roseira. Juntos completavam-se. Era um beija-flor, pequeno, muito pequeno, belo como regalo de rosa. Como se fosse agradecimento por tantos cuidados, ainda que não fossem favores, e, sim, amores. Mútuos, certamente! Provados e retribuídos pelo convite e presença do beija-flor.
Cuidar das minhas rosas ficou mais especial, reservava-me uma surpresa, uma emoção. Será o que o veria de novo? Será que ele voltaria por amor? Nunca soube dizer, mas era unicamente por isso que eu o esperava todas as horas, algumas inúteis, é verdade, pois ele só aparecia pelas manhãs.
O corre-corre era danado. Acordava as quatro, às vezes não dormia, fazia o café, não o tomava, esquecia – ansiosa –, atenta, atrasada, admirada, apaixonada! Manhã sim, manhã também, ele aparecia, distante, às vezes mais distante. Rápido, bem depressa. Pairava no ar como um cortejo as rosas, a mim, as beijava, e tão-logo partia. Deixando saudades, suspiros e romances.
Sua liberdade me enchia os olhos, e sua escolha – talvez desejo – de visitar meu pequeno quintal alegrava-me o coração. Sentia-me amada, em cortejo dum príncipe que dentro em poucos mudava o dia. Mudava meus compromissos, tempo, tudo, para esperá-lo.
Tentei cobrir ainda mais o quintal de rosas, agora doutras cores, com outros encantos que atraíssem ainda mais meu beija-flor. Que o fizessem ficar por mais tempo, quem sabe para sempre.
Não me sobrava mais espaço, cada ida meu quintal, para amar minhas rosas, para conversarmo-nos, regas, carinhos, era inevitável que saísse espetada por completo. Fazia parte das manhãs, do meu amor por rosas, do meu bem-querer pelo beija-flor, cada vez mais lindo, mais cativante.
Até que por uma manhã não o vi. Perguntava as rosas – mudas – por onde andava-o. Sumiu também na manhã seguinte, sem avisos. Quando mais ia me encantando, quando já era mais do que bem-vindas suas aparições, quando eram necessitadas pelo meu amor. Virou saudade.
Não mais o via. Ainda que o esperasse por todas as manhãs. Tantas manhãs que não o vejo. Entristece-as. Pergunto sempre as rosas: onde anda o tal do beija-flor? Talvez tenha se encantado por outra rosa ou qualquer flor. Talvez tenha também a mesma saudade do meu amor, apenas seguiu outro caminho, por uns tempos quem sabe. Espero.
Minhas manhãs ainda são apaixonadas, apenas com mais anseio, com o mesmo romance, arrebatador, repleto de espinhos, que me trazem pouca dor, pois são necessários, parte do meu amor. Aguardo sempre outra visita do pequeno e tão amado, livre e leve, beija-flor.