E O AMOR AMANHECEU
Luís Roberto morava em uma cidade que havia crescido e se empobrecido : Formado em Publicidade e Propaganda , trabalhava em um lugar que se dizia uma agência, mas que na verdade era um fornecedor de panfletos partidários e mal feitos. Estressado e mal pago ele não pensou duas vezes ao juntar-se a um negócio menor, mas em animador crescimento : Uma agência de verdade que ficava na cidade vizinha, e que havia vencido a concorrência por uma campanha da maior montadora de carros da região.
Era o pacote completo : Um apartamento novo com uma aluguel até que barato, um começo promissor ( finalmente ele estava usando seu conhecimento e paixão pelo trabalho) e um salário inesperadamente bom. Mas havia Suzana, a chefe.
Ele odiava aqueles colares barulhentos,os saltos desnecessários e aquela voz metálica que dava uma sonoridade de personagem mexicano ao seu nome:
- Luís André Roberto !!
' Nem minha mãe me chama assim, mas ela tem que fazer questão",
Ela era toda exagero , e Luís com a sua personalidade contida sentia-se cansado com tanta energia : Pedidos, exigências , ideias mudadas a cada uma hora. E os colares, ai, os colares...
" Isso não pára de fazer barulho"
Mas a agência funcionava: Na equipe de 5 pessoas a motivação era multiplicada por 2, e trabalhos não paravam de chegar. Happy hours às sextas feiras eram motivos de comemoração, e entre as conversas um assunto era sempre comum : O porquê de Suzana nunca estar presente.
- Ela nunca diz nada sobre a própria vida - Luciana, a redatora que tinha um romance não assumido com Danilo, um dos produtores, era sempre a primeira a falar sobre o assunto.
- É... ela é sempre tão motivada, alegre, questionadora e parece que apaga quando o fim de semana chega -Marcos, o recém formado cheio de idéias e boa vontade não era de deixar por menos.
No bar do Amadeo, que fazia os melhores bolinhos de bacalhau da vizinhança além das conversas sobre a vida pessoal de Suzana ( que Luís achava de uma chatice absurda) havia algo que também era comum : O silêncio que ele fazia quando essas especulações começavam;
Era estranho. Mesmo com toda aquele lado meio carnavalesco que as vezes o tirava do sério, Luís admirava profundamente o profissionalismo e a dedicação de Suzana, e sentia-se incomodado com tanta intromissão por algo que para ele era irrelevante. Qual era o problema se ela não gostava de sair com eles?
- Bom, deixemos isso pra lá. Cerveja, vem pra cá .- Era a forma como ele sempre quebrava o próprio silêncio
Geralmente Amedeo fechava o bar logo depois das dez horas, e em uma daquelas sextas ao voltar para seu apartamento Luis resolveu parar para comprar pão. Sentada em frente a uma xícara de café, um livro nas mãos e quase irreconhecível em sua regata branca e jeans estava Suzana.
" Opa, sozinha?"
- Luís!!! Olá!
Com um aceno ainda mais amigável que o costume ela o convidou para tomar um café:
- Sei que agora você preferia tomar mais uma cerveja..
- Que nada, um café quentinho seria ótimo
Viu que ela estava lendo um de seus livros favoritos e aquele receio de que faltasse assunto evaporou-se na hora:
- García Márquez? Grande escolha.
- Um dos meus amores- E ela deu um sorriso que iluminou aquela madrugada fria.
E para sua surpresa, o grande escritor colombiano foi apenas o início de uma conversa aconchegante,agradável, engraçada.
- Nossa, uma da manhã, nem vi o tempo passar.
- Suzana, você sempre vem aqui ?
- Esse lugar a noite é meu território, me dá paz. Sempre estou cercada de pessoas, então nada como um pouco de silêncio para encerrar a semana.
Ao caminhar juntos para suas casas Luís finalmente percebeu: Suzana era vida pura através do exagero de seus colares e de seus saltos e mais do que uma grande profissional, era uma pessoa sensível, luminosa e iluminada.
E Luís naquela madrugada , após o encontro inesperado mais que um homem contido tornou-se vivo,corajoso e apaixonado.
*
-Sentiu o coração disparar assim que a porta do elevador abriu. Mas não ouviu o barulho dos saltos, o bom dia de todos os dias,
Quem surgiu foi Carlos, o ilustrador mal humorado e sem o mínimo senso de humor:
- Olha só, a Suzana vai ficar fora o dia todo e pediu para você terminar essa revisão. Nem me pergunte para quando, não é meu departamento.
Luís, que já havia aprendido a lidar com aqueles arroubos de má educação só conseguiu se concentrar no "... A Suzana estará fora". E sentiu-se um tremendo paspalho.
O fim de semana havia sido agitado: Diego, seu primo e festeiro voraz havia feito jus a fama e mais uma vez celebrado seu aniversário em grande estilo , presenteando o domingo de Luís com uma ressaca monumental e um pensamento inesperado : "Como será a segunda-feira quando eu a encontrar? "
Um encontro em uma padaria, uma conversa trivial sobre livros e hábitos foram o suficiente para que ele esperasse a segunda-feira sem o tédio que nos consome. O que Luís sentia era ansiedade, alegria e receio de que estivesse equivocado , de que Suzana continuasse tratando-o da mesma forma irritante,
E quando a segunda-feira chegou o dia parecia não passar. Suzana havia ligado para Patrícia, sua secretária e ninguém soube dizer a Luís se ela voltaria no mesmo dia. O que lhe restou foi estender o seu trabalho ao máximo na esperança de que ela retornasse ao escritório.
Mas ela não voltou . E quando ele estava no estacionamento, conformado e culpado por sentir algo que para ele não parecia mais que infantil, alguém o chamou :
- Luís Roberto ! Como foi hoje?
Suzana era uma visão esplendorosa em seu vestido de mangas compridas e o casaco vermelho.Amortecido ele só conseguiu responder:
- A revisão está pronta , deixei em cima da sua mesa,
- Ótimo, mas não é disso que eu preciso agora. Está com fome? Queria conhecer o bar de que vocês tanto falam.
Ao entrarem, Amedeo não escondeu a surpresa em ver Luís muito bem acompanhado. E quando a porção de bolinhos de bacalhau foi celebrada com um beijo inesperado ele não conseguiu segurar o sorriso : - Ah, esses rapazes.
Os beijos tornaram-se abraços apaixonados, a porta do apartamento fechada de mau jeito com um pequeno chute para que ele não precisasse tirar as mãos daqueles cabelos, daquele rosto.Soltá-la nem que fosse por um segundo seria como deixá-la ir embora,
O amor amanheceu junto com a terça-feira: Com sol, o céu azul convidando para a felicidade. Felicidade que se completou com o som dos colares sob o corpo nu de Suzana enquanto ela dormia ao seu lado.
Felicidade projetada no sorriso de Luís . Felicidade que brigou com todos os seus medos justificáveis e injustificáveis e os venceu lindamente,