Dispersa do hábito

Peguei minhas coisas e fugi (de casa)! Estava precisando fazer uma loucura das grandes.

Mas eu morava sozinha (lembrei), isso não fazia sentido algum. Não tinha nem para onde ir, pior. Melhor seria jantar fora. Então fui.

Levei apenas um batom, bastante chamativo, deixei a porta semiaberta, a casa escura, esperando que viessem a minha procura. Dariam pela minha falta, o vizinho ou o carteiro, alguém viria me procurar, então saberiam que fugi. Que estava louca!

De salto rosa e vestido preto o qual guardava pra ocasiões especiais. Nunca tinha sido usado. Coloquei um blazer rosa para que me sentisse pouco mais de brilhosa. Arrumei bem os cabelos, passei todos os tipos de perfumes diferentes. Na bolsa só a carteira e um batom. Não havia sobrado muitas coisas de valor na casa, só tinha meia dúzia de livros, roupas e artigos de beleza, o maior medo era que o cachorro do vizinho destruísse minhas almofadas meus pelúcias que não cabiam na bolsa. Não cabia muita coisa era um fuga inesperada. Desejada e perfeita.

Peguei um taxi e pedi que me levasse ao melhor restaurante que ele conhecia.

Levou-me no pior que visitei. O mais famoso daquela parte da cidade, o mesmo onde havia noivado anos atrás. Não queria voltar ali, mas pensando melhor seria o lugar perfeito, último onde me procurariam. Estava longe do obvio, da rotina.

Antes de sair do carro deixei bem claro ao taxista: ‘Não diga a ninguém que estou aqui’. Ele riu-se e foi-se embora. Sei que não me conhecia mas não podia arriscar, se soubessem do meu paradeiro poderiam estragar minha noite insana.

No restaurante, um rapaz me perguntou se tinha reserva. Era um lugar muito requisitado, seria difícil de entrar ao acaso, não havia pensado nisso, mas não poderia fazer reserva minha fuga pareceria premeditada. Soaria como capricho. Talvez se contasse por-me-ia casa adentro, mas não podia.

Quando vi na mesinha um papel com as reservas marcadas, notei uma mesa para dois, dum senhor chamado Rosemberg, sem mais titubeios disse: ‘Sou a senhora Rosemberg, meu marido deve estar me esperando’. Sem muitas perguntas gentilmente o rapaz me levou até luxuosa mesa, de vista linda no segundo andar, na parte mais chique do restaurante. Era todo elegante mas não sabia que havia um andar de cima tampouco tão luxuoso. Agora sei que meu antigo noivo economizou ao me levar na parte de baixo mas isso não vinha ao caso. Era uma noite só minha.

Não havia ninguém. O tal do Rosemberg não havia chegado. Melhor. Imagine se estivesse ele acompanhado quando aparecesse na mesa dizendo ser a senhor Rosemberg, seria embaraçoso. Não sei onde estava com a cabeça, era uma reserva para dois, não sabia quem viria e com quem. Minha fuga havia sido legal mas talvez fosse hora de parar e voltar à realidade.

Quando levantei-me entristecida e conformada senti leve toque sobre nos ombros, numa fração de segundos pensei em tudo: será que me encontraram? Quem seria? Sentiram minha falta, me amavam!, sabia, vieram desculpa-se todos por anos sem conta de faltas, ausências, inexistências, por tudo! Só não havia pensado no óbvio: Sr Rosemberg.

Era homem alto, de ombros largos e fortes, elegante. Encantador. Vestindo terno sob medida, cabelos franjados e brilhosos. Aparentava ser um romântico europeu. Devia ser empresário ou alguém de muito estofo.

‘Perdão!, parece que sentei-me na mesa errada’ – Foi tudo que disse. Era apenas o que dava pra dizer. Ele sorriu e me convidou para jantar, disse que não estava acompanhado e que sempre ia sozinho ali para pensar. Tinha em mãos livro de nome: Por trás dos sorrisos, devia ser algum romance. Muita coincidência.

Não sou de acreditar em destino. Minha fuga tornou-se realmente num jantar.

Conversamos por horas. Era homem incrível! Preferi não perguntar o porquê de sua solidão, ou das noites que passava no restaurante, fora isso, falamos de todos os assuntos, depois a grande noite levou-me para casa.

Estava tudo exatamente como deixei. Ninguém havia sentido minha falta mas, por essa altura, pouco preocupava-mo. Tive sucesso no meu plano. Insano. Intempestivo.

Convidou-me para jantar numa outra noite insistindo que pela manhã queria me levar num jardim. Aceitei. Não dava para recusar. Mal podia esperar por outra fuga.

Dessa vez trancaria a porta mas manteria na bolsa apenas a carteira e o batom, ele gostou da cor, elogiava a todo tempo.

Talvez tenha saído a minha procura.

Quem diria! Daqui em diante não sei como serão as coisas, mas a rotina, tenho certeza, não me encontrar mais. Realmente estava louca... Por não ter feito isso antes. Dali em diante, prometi a meus pelúcias, a mim mesma, que fugiria sempre: atrás de amores, sorrisos, atrás de tudo que fosse necessário para me fazer realmente feliz.

Luís Moreira
Enviado por Luís Moreira em 02/06/2014
Código do texto: T4829947
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