Amanhecer - Parte II: Recíproco

- Qual é? A loja de donuts era sua ideia de me animar? – pergunto a ele, rindo. Ele sorri e aponta com a cabeça para dentro da loja. Dou uma risada alta, e ele me acompanha. Seus óculos escorregam pelo nariz, e ele o arruma. Ainda rindo, entramos na loja.

A loja é grande, e colorida. As paredes são verde fluorescente, rosa chiclete, amarelo limão-siciliano, azul-bebê, lilás claro e branco. Tão bonitinha e colorida, que não entrar seria um pecado.

- Qual é pergunto eu! Como você me pergunta se donuts não vão te animar? É uma piada? – ele sorri o tempo todo, e no fim dá uma risadinha.

- Não. Tem razão. Eu adoro donuts. E sim, você conseguiu me animar – digo. E é verdade. Ele realmente conseguiu – e antes mesmo de começarmos a comer – alegrar meu dia e me tirar daquele quarto escuro e gélido, que era, basicamente, meu túmulo.

- E, para te deixar ainda mais feliz, uma notícia boa: eu. Vou. Pagar. Tudo! – diz ele, e abre um sorriso enorme. Não demoro nem um infinitésimo segundo para processar a informação.

- Não! Não, você não – digo, tentando demovê-lo de sua decisão. Ele só balança a cabeça, sorrindo.

- Sim, eu sim. E não adianta tentar me convencer a não pagar. É o mínimo que seu melhor amigo pode fazer. – ele passa o braço por meus ombros, e me aproxima dele. Como antes, seu toque me arrepia, e faz minha pele formigar. Seu calor me aquece de uma maneira que eu não deveria pensar em sentir.

No fim do dia, ele e eu havíamos comido mais donuts do que seria considerado uma quantidade de calorias insignificante. E, como havia prometido, ele pagou nossa conta. Senti-me um pouco mal por não ter insistido em contribuir com o pagamento da conta, mas esse sentimento foi encoberto por minha gratidão – não só por ele ter pagado para mim meus doces favoritos, porém por ter sido o único amigo capaz de me alegrar. Até o espaço obscuro e álgido que antes era meu quarto agora está mais vivo. Honestamente, não sei o que seria de mim se não fosse ele. Não sei como estaria – nem como estaria – sobrevivendo sem ele. Se não fosse sua dissonante luz, sua contagiante felicidade.

- Hei... – chamo eu. Estamos deitamos no chão, cobertos por um lençol. Observamos as estrelas no céu, olhando através da enorme janela de meu quarto. Ele olha para mim, sua cabeça coberta pelo tecido.

- Que foi? – pergunta ele, zombeteiro.

- Obrigado – digo. É verdade. Estou sinceramente agradecida por ele.

- Só isso? – pergunta ele, novamente zombeteiro. Sorrio para ele. Não me sinto magoada. Entretanto fico confusa.

- Como assim? O que mais eu poderia dizer?

- “Eu te amo” cairia bem! – ele ri. Rio com ele. Na verdade, estas palavras não poderiam cair melhor.

- Você é meu melhor amigo, me pagou uma rodada de donuts, e foi o único capaz de me tirar da sarjeta. Eu. Te. Amo! E vou amar para sempre.

Olhamos um para o outro por um longo período. Ele se aproxima se aproxima muito. Sinto sua respiração leve e ritmada contra minha pele. Engulo minha saliva involuntariamente. Ele vai me beijar, grita minha mente para mim. O que há de errado comigo? Por que eu quero que isso aconteça? Qual me problema? Ele é meu amigo, meu melhor amigo. Jamais algo assim poderia acontecer entre nós. Ele abre a boca só um pouquinho, o suficiente para sentir o perfume de seu hálito. É doce, e lembra blueberry. Ele está agora a apenas alguns centímetros de meus lábios, e o beijo é, agora, inevitável, impreterível.

- Eu já sabia disso – diz ele, sem tocar em meus lábios. E ele se afasta. Nossa distancia aumenta muito, e ele volta a seu lugar, deitado ao meu lado. Fico sem reação por um milésimo, aturdida. Ele não me beijou. Então, talvez realmente não deva acontecer. Talvez, seja assim que ele me vê. Eu sou sua amiga, única e somente isso. Não há porque me iludir...

Ele

Eu devia tê-la beijado. Devia ter, no mínimo, encostado, menos que por um momento infinitésimo, meus lábios nos dela. Agora eu estraguei tudo. Destruí qualquer que fosse a chance de demonstrar o que sinto por ela.

Tenho que fazer alguma coisa. Tenho que mostrar que a amo, e que quero ficar com ela. Mas não tenho coragem.

Observamos as estrelas. Elas não descem, e não falam por mim o que quero dizer a ela.

Não há anjos no céu.

Minha mão roça o braço dela por cima do pijama. Quero pegar sua mão, e fazê-la compreender que quero estar com ela junto às estrelas, e que a amo tanto que poderia dar minha vida, o universo e anjos para vê-la sorrir, e vê-la feliz.

A compreensão e a aceitação recaem sobre mim como uma manta fria e pesada. Ela nunca será minha, e tenho de aceitar isso.

Somos amigos. Ela me ama como um amigo.

Fim da história...

Continua...

Bruno R Montozo
Enviado por Bruno R Montozo em 30/05/2014
Código do texto: T4825719
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