Fica, Gabriela

Não consigo evitar o sentimento de que todas as perguntas que tenho escutado nas últimas semanas não passam de curiosidade disfarçada de preocupação. Perdoem meu orgulho, mas s algum dia eu aparecer com um crachá escrito " Sim, ela me deixou. Agora no que posso te ajudar?" será simplesmente por não ter mais suportado teorias vazias que e não fazem por mim nada mais que assombrar . Nada pessoal.

Enquanto opiniões que não me interessam pipocam das bocas de amigos, inimigos e afins repasso em todos os mínimos e míseros detalhes a última vez em que seu número apareceu no meu identificador de chamadas:

" Você se lembra do que conversamos ontem?"

Mesmo que eu tenha me distraído por dois minutos ao te ver vestida com a camisola que te dei naquele dia dos namorados lembrei de cada palavra e da frieza dos seus olhos castanhos. O seu tom de voz, que ao abandonar a doçura apaixonante assumiu uma sonoridade sóbria, quase funebre. Sim, você não precisava perder seu tempo me perguntando se me recordava do seu discurso afiado, que parecia pronto para me esfaquear.

O que eu nunca te direi é que ao atender o telefone eu, no fundo esperava que você houvesse mudado de idéia. Tolice . Como se adivinhando a minha ingenuidade você deu seu golpe final, ao dizer que me esperaria chegar, mas com as malas prontas.

Ironia: Você que sempre saía atrasada para as nossas viagens por nunca arrumar suas malas a tempo se apressou justamente quando não eu poderia ir com você : Pois era eu quem estava sendo deixada para trás.

*

Deixada para trás com a vida que criamos para nós e que se tornou uma extensão do meu corpo. Vida essa que tirada de mim foi pior que perder uma perna, uma mão. Foi como ter o meu coração arrancado do peito, vísceras expostas, sem perdão.

Confesso que ao chegar em casa, fiquei parada em frente ao portão, torcendo para que tudo aquilo fosse uma brincadeira, uma surpresa nos moldes dos piores telegramas ao vivo que terminaria com você surgindo linda , duas malas ao seu lado me chamando para aquela viagem que tanto planejamos e nunca fizemos.

Mas de novo a esperança me abandonou: Com um sorriso amargurado e suas lindas mãos de unhas vermelhas você segurava as Sansonites compradas um mês antes, preparadas para sua maior jornada, seus dias dos quais eu não faria parte.

E aí me despedacei: Cada parte minha indo ao chão, como pedaços de um quebra cabeça formando a nossa história:

Lembrei da minha relutância em me aceitar diante de um novo amor, da sua segurança e paciência comigo, a mulher por quem você se apaixonou e que com você nasceu para um novo sentimento, que aos poucos adquiriu a mais linda tradução: o seu nome, as suas oito letras.

Eu quis que você me ajudasse a juntar esses pedaços e me fizesse inteira novamente, para a nossa vida, para nós. Mas você abriu a porta sem olhar para trás. Contive-me para não segurar a manga do seu vestido e te implorar: Fica, Gabriela.

Mesmo impotente diante de sua partida ainda não encontro motivos para te odiar. O que odeio é esse vazio a me perseguir a toda hora. Ele que transformou meus dias em noites intermináveis, de ventania, a me embrenhar em batalhas com as perguntas que insistem em me fazer, e que zomba de mim quando sonho em partir para algum lugar que eu mesma não conheço. Mas que seria um destino inacreditavelmente lindo se você ainda estivesse comigo, Gabriela.

D.S.Consiglio

Débora Consiglio
Enviado por Débora Consiglio em 29/05/2014
Código do texto: T4825184
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