Querido moribundo
A enfermeira sai do quarto frio de um dos pacientes de estado mais crítico naquele hospital do Leblon. Uma atraente loura entra logo em seguida e se dirige aflita ao magnata Haydes, antes mesmo de se aproximar do leito:
__ Oh, meu amado! Que lástima! Só o bom Deus sabe o quanto tenho orado nas últimas horas? Como está? O que sente? Afinal, o que aconteceu?
O homem a olha com um olhar indecifrável e, um tempo depois, reunindo forças, responde-lhe com uma voz dolorida e velada:
__ Não sei ao certo. Tudo tão confuso. Sinto uma dor interminável. Dói-me o corpo e também a alma. E acho que essa última dói pior...
__ Não entendo. Responda-me! O que foi que te aconteceu? O acidente?__ perguntou a mulher.
__ Faltava-me a cabeça naquela noite chuvosa. Não parava de cismar sobre tudo. Tudo mesmo. Péssima hora para perceber que a vida quase nada valeu. Aquele carro fez que nem andorinha e tomou rumo por si só, livre do meu comando.
__ Mas que história é essa? Você não está falando coisa com coisa!__ disse a mulher.
__ Impossível estar mais convicto do que digo. Perdi a noção do espaço e do tempo naquela hora. Meti-me a pensar na realidade dos fatos, na minha realidade. Percebi que jamais fui feliz depois que deixei a infância, percebi que de nada adianta ser um milionário, percebi que estou sozinho e que não tenho amor. Mas o que levou-me a enxergar o que muitos não querem ver em si mesmos foi um fato que aconteceu ontem à noite...
A mulher o olhava espantada e indagou-o intrigada:
__ Fernando, não consigo compreender as coisas que você está falando. Ser rico é algo maravilhoso, dádiva divina! Eu sou sua companheira, e lhe dou todo o amor que merece, sempre que você precisa. Demoras a perceber que teus devaneios foram insanos e que quase puseram fim na tua valiosíssima vida...
__ Pois seria melhor que tivessem posto, posto fim a todo o sofrimento.__ interrompeu ele.
__ ...e o que foi que te aconteceu ontem à noite?
__ Foi quando descobri que não tenho amor, e dei a cartada final...
Jezebel põe no rosto uma expressão de perplexidade. Suas mãos pálidas tremiam, e ela perguntou:
__ Está louco! Como descobriu tal coisa? Que diabos é esta cartada?
__ A cartada que termina o jogo, cada jogador a seu tempo.__ disse ele.
__ Diga, homem! Não faça curvas.
__ Na noite passada, horas antes do acidente, eu a estava espiando e pude ouvir o seu plano maquiavélico. Você quer ficar grávida de um filho meu para ter que casar, não é? Pôr as mãos em toda a fortuna, não é? Ordinária! Não cometa a audácia de não admitir.__ disse ele, levantando a voz.
De uma expressão fechada, nasce um leve sorriso no rosto de Jezebel.
__ Pois eu não retruco! Tens a razão, querido moribundo!__ diz ela risonhamente.__ Pensas que eu não sinto falta da felicidade assim como você? E que modo melhor de obtê-la senão com dinheiro? Tu não és o primeiro a ser hipnotizado por essas minhas curvas, saiba.
__ Não há necessidade de confirmar. Desde a noite passada confirmei que você não presta! E foi então que me vinguei da maneira mais prazerosa possível: não pus o cavalo frente à carruagem.
__ O que quer dizer com isso? Fale!
__ Quero dizer que não pus a camisinha de vênus. E, ah, esta é a melhor parte: eu sou soropositivo!
Jezebel fica estupefata. Depois de alguns segundos, revida:
__ Infeliz! Louco! Como teve coragem?
__ E para terminar de acabar com a sua vida, deixe-me contar um bocado da minha. Sou árvore que não dá fruto, sou rei que nunca terá príncipe. E sei disso desde os meus vinte anos. Portanto, enquanto você conseguir viver, não terá herdeiros meus, e...
Naquele momento o estado de saúde de Haydes piorou. Ele entrou em coma e morreu na manhã seguinte. E sua concubina faleceu três anos depois em decorrência das complicações da enfermidade que adquirira, após ter períodos de graves problemas de saúde mental.