Exageros dum homem fracassado

Ninguém pode ser constantemente exagerado. Ninguém permite. O próprio não se aguenta. Que dizem então os exageros, já que não podem ser expressões sinceras enquanto tal? O exagero é o grito desesperado da insignificância, na vã pretensão de aparentar ser o que se diz unicamente por se dizer exageradamente.

Augusto Mourão era o exagero em pessoa, sempre que se podia sê-lo. Homem assaz polido, bem-apessoado, de fala culta, cultíssima, adornos de toda sorte a sua fina elegância, notoriamente reconhecida onde pisava. No conversar, expressões latinas, galicismos afrancesados, tudo, é claro, em exagero. Não obstante, dizia-se homem profundamente modesto. Usava bem pouco do seu inglês, que dizia ser de suas línguas faladas a menos sabida. O alemão era o que tinha como mestre. Conhecimentos vastos de ciência, história, literatura, e breves iniciações em astrologia e religião. Não passava uma conversa sem deixar um ensinamento, por mais ínfimo que fosse, não lho permitia esquecer.

Não passava prosa alguma sem citar Dante, em italiano, Goethe, em alemão, Lucrécio, em latim, Cervantes, em espanhol, Vitor Hugo, em francês. Solenemente.

Nas requisitadíssimas visitas recebia agrados de toda ordem, tendo por excelência o chá. O homem era beberrão dos mais elegantes, não se podia convidá-lo sem que lhe preparassem variedades, senão esquisitices. Mencionava sempre viagens, costumes diversos que incorporara ao seu tipo, chás dos mais refinados e diversos que bebera.

No trato era de rara elegância, sempre feitor de elogios em demasia, tanto às damas quanto aos cavalheiros, fosse pela beleza, ainda que duvidosa, fosse pela amizade, ainda que tenra, fosse pelo que fosse, o eram sempre em exageros.

Acontece que o homem era um nada. Um embrulhão patético. Burlesco.

Para si, na sua miserável casa, na intimidade de sua porca vida, era bebedor de pingas da pior qualidade, sem quaisquer restrições de tipo. Seus conhecimentos eram macaqueações pura e simples, desavergonhadas. De língua tinha lá bom português, é verdade, no mais, palavras avulsas caçadas em dicionários sem muito dominar pronúncias ou significados. Usava-as sem peso de serem adornos vazios. Seus conhecimentos eram nulos, só fazia repetir nas mesmas palavras, -- Ipsis litteris, no latim que falseava saber – trechos lidos avulsos de sua biblioteca, nada havia lido que não fosse com essa finalidade, repetir e impressionar. Biblioteca herdada pelo avô, bem como bebidas grotescas, e junto a um sofá mofado e uma geladeira sem nada que incitasse prazer de degustar, era tudo que havia em casa. Seus elogios eram apelações claras ao que somos mais vulneráveis: massagens ao ego. Poucos resistem. Poucos percebem a diferença entra uma verdade enfatizada e um exagero cínico, hiperbólico.

O homem impressionava a todos por ser o que não era, e o impressionava a si mesmo por tentar sê-lo constantemente. Não precisava ir muito longe em si para saber que era uma vergonhosa caricatura, coisa que só esquecia com doses cavalares de bebidas ou adulações de enganados ou outros aduladores.

Reforçava o que não era para que, longe de si, pudesse acreditar sê-lo.

Eis que os exageros não perdoam, nunca deixam-no só, e recorda-nos, impiedosamente, as insignificâncias que escondemos por trás de gritos.

Eis a grande desgraça de ser um caricato, nunca se pode sê-lo constantemente, não permitindo que se engane a si mesmo por tempo necessário para esquecer o que se quer. Não importa quanto tempo dure a realidade, ela pesará como montanha, e será tão grande a dor de ser o que é, que nenhuma mentira servirá de anestésico para si, ainda que todos os demais nelas acreditem.

Luís Moreira
Enviado por Luís Moreira em 25/05/2014
Reeditado em 05/08/2014
Código do texto: T4819589
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