Bárbara, lúcida como nunca.
Cama arrumada, mesa posta, e tudo mais no seu devido lugar. Pela primeira vez em tempos Bárbara via-se tranquila e equilibrada, como se fosse uma menina normal. Não era. Poucos de nós somos, é verdade, porém Bárbara era transloucada em demasia, e o era com uma naturalidade incrível.
Desta vez, sem questionar-se o porquê, sentia-se bem consigo mesma e pronta para seus afazeres. Naquela manhã, não reclamou de solidão, pouco notava estar só. Nada resmungava para si. Mais tarde fora a rua como de costume, tão-somente por costume.
Se vezes passadas ia por desespero, por aflição, para escapar de seu mundo angusto, naquele dia fora por distração, tanto acostumou com carências e apelos afetivos que sequer notara que não os precisava mais, e fora a rua buscar algo que não era de seu desejo, e sim do desejo de um coração viciado, que fazia profundo silêncio.
Olhares calmos e despretensiosos acompanhados de um andar leve, denunciavam a tranquilidade da menina aos que costumeiramente viam-na no bairro, uns a olhavam atônitos, outros curiosos, e alguns contentes. Para estes – minoria é verdade – Bárbara havia encontrado o que procurava, era bom vê-la mais dona de si, sua tranquilidade provocava-lhes grande paz. Outros que divertiam-se ao vê-la sempre agitada, como quem a qualquer momento iria surtar, causando-lhes grande divertimento, não entenderam e pouco dissimuladamente tentavam saber o que sucedera com a moça.
Fofocas, alvoroço, burburinhos, Bárbara era figurona no bairro, era um termômetro de sanidade, um exemplo confortante de uma vida mais infeliz. Sem casos, que seria dos demais? Sobre que iriam especular? Que iria massagear seus egos?
Quando Bárbara pareceu ter encontrado sua solução, virou para os outros um problema.
Todos a queriam bem, mas poucos felicitaram-se com a possibilidade de enfim tê-la estado. E Bárbara que tanto ligava para o que dela diziam e pensavam, dessa vez pouco os notava. Tratava-os melhor, gostava-nos mais, o que mal maior lhes causava. A menina que antes mostrava total dependência, desespero por uma aceitação grupal, uma adequação aos demais, uma necessidade sôfrega de ser como o eram, dessa vez aceitava ser quem era.
Se fosse eu um narrador cruel, um feliz especulador de dores alheias, daria a tal perturbação o malfadado nome de inveja. Não ouso! Ao menos não nesta narrativa. É a inveja a expressão maior do desespero e do desgosto humano, e ainda que aceite reclamação de exagero, não dou a leitor nenhum o direito de discordar ser ao menos a mais infeliz.
Não cabe nessa narrativa todos os pormenores que sucederam a mudança de Bárbara – As próximas tratarão melhor do ocorrido –, digo unicamente que ao contrário de todas as ações da menina essa foi a única que não se deu repentinamente.
Custou Bárbara a perceber o resultado, a perceber que havia se libertado, e que agora finalmente estava pronta para sofrer todos os males dos quais não se pode fugir.
Sem buscas vãs por felicidade, Bárbara havia percebido que a vida era coisa maior, não sabia ao certo o tamanho, mas estava ansiosa para descobrir. Era tempo de viver o que a havia sonegado a si mesma.
Naqueles dias, trocou boas e pontuais conversas, fez a si bons agrados, mais saudáveis dos que tentará fazer antes. Suas feridas afetivas haviam cicatrizado.
Bárbara havia tomado mais conhecimento de si, tomando gosto por quem era, infeliz com seus defeitos, porém feliz por conhecê-los mais fielmente ao que eram. Sem estereótipos ou exageros, finalmente, tudo havia chegado o mais próximo possível do seu devido lugar.